São Paulo, domingo, 10 de agosto de 2008

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"O Processo", de Franz Kafka, segundo depoimento de Reiner Stach

Em "O Processo", Josef K. tem a consciência de que faz coisas que nem ele mesmo entende.
Reage ao processo de uma maneira diferente da qual reagiria se usasse seu entendimento. Diz algo, mas sua ação não corresponde ao que pensa e fala.
A detenção inicial de fato não é uma detenção, pois é permitido a Josef K. trabalhar e viver seu cotidiano. Mas sua vida desmorona, e ele tem a experiência de que em sua cabeça existem também outras instâncias que ele não conhece. É a experiência de que existem em nosso psiquismo "outras" instâncias -em Freud, o inconsciente é uma experiência fundamental, independentemente do sistema cultural em que se vive.
Essa é a experiência do medo e uma fonte permanente de pesadelos, pois não temos acesso direto, como no processo, a essa última instância -ou software básico. Isto é, não temos o manual de funcionamento do processo.

Descontrole dos sonhos
No livro, há dois adversários: a corte em si e a corte na psique, e ambas cooperam à revelia do personagem. Nenhum ser humano tem o controle absoluto sobre essa instância -"não é senhor em sua própria casa" e não pode controlar seus próprios sonhos.
Provavelmente "O Processo" será lido nos próximos séculos com o mesmo interesse e, mesmo que os sistemas políticos mudem, a base existencial permanece. Nossa situação é até pior do que há milhares de anos, pois nossos antepassados dispunham de um inconsciente, mas não da necessidade de controlá-lo e de se integrar ao coletivo.
Os detalhes do mundo administrado são racionais, mas o conjunto é irracional e completamente não-transparente -o capitalismo funciona exatamente dessa forma.


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