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+ (C)ultura
A arte engajada
Mais importante poeta francês vivo, Yves Bonnefoy fala da relação com a pintura, defende o papel da crítica e diz que sua função é descobrir a verdade
PATRICK KÉCHICHIAN
A obra poética e também crítica de Yves
Bonnefoy é uma
das mais vivas e dinâmicas de nossos
tempos -e também uma das
mais comentadas. Obra em
perpétua construção, ela nunca
se fecha em si mesma. Quer ele
se interrogue sobre a pintura
ou a literatura, desde Piero della Francesca e Goya até Mallarmé, Yves Bonnefoy permanece sempre um homem de
diálogo e de busca.
À margem de vários livros
que acaba de lançar [leia texto
nesta página], respondeu sobre
o sentido de seu trabalho.
PERGUNTA - Quais são, a seu ver, as
relações entre pensamento e criação poética? Em que o poema tem,
ou não, a proeminência sobre o trabalho especulativo ou analítico?
YVES BONNEFOY - Compreendo
que o sr. me coloque essa pergunta já de início, pois acabo de
publicar quatro livros curtos
que parecem distanciar-se do
projeto da poesia, que pode parecer ser simplesmente o de escrever poemas -ou seja, reunir
tudo o que somos nas perspectivas de uma existência, e não
sob o olhar de um pensamento.
A poesia é uma intensificação
de nossa relação com os outros
e com o mundo. É uma busca
do imediato, com um saber encerrado nessa proximidade,
mas um saber que não pode ser
reduzido às redes da significação, que são o domínio da filosofia. Sim, para nos movermos
dessa maneira, mais além da
significação, é preciso atravessá-la com conhecimento de
causa, senão permaneceremos
inconscientemente prisioneiros de suas formas pouco aparentes, prisioneiros de uma
pseudo-evidência que não é senão o pressentimento sonhado
da realidade imediata, e não a
própria realidade.
Vem daí a necessidade de
uma reflexão, para a qual pode
ajudar a pesquisa filosófica, que
analisa as falsas aparências de
todo pensamento. A filosofia
mais conceitual pode ajudar a
poesia a livrar-se de alguns de
seus extravios e, desse modo,
ser mais plena e especificamente ela mesma.
Mas é preciso continuar a
afirmar que a poética deve conservar sua proeminência. Desejo que a intuição que a anima siga adiante, voltando-se para
ver se a reflexão filosófica a
acompanha.
PERGUNTA - O sr. está familiarizado
com os mitos e seu estudo, mas não
se rende diante do fascínio que eles
podem exercer. Como esses mitos,
que são capítulos daquilo que o sr.
chama de "imaginário metafísico",
não o distanciam do real, que continua a ser seu horizonte?
BONNEFOY - É uma pergunta
vasta, pois o mito das civilizações arcaicas, preocupadas em
conferir um rosto a suas estruturas sociais, não guarda muita
relação com aquilo que Ticiano
ou Poussin colocam em cena
em seus quadros.
Mas vamos nos ater hoje a esse mito herdado da cultura greco-romana, um mito de entrada em cena interpretado, uma
ficção que certamente encerra
a memória de uma transcendência freqüentemente decidida divina, mas que a refrata por
meio dos estratos de situações
vividas no lugar terrestre.
E isso por meio da graça da
imaginação, que se compraz
em dotar seus significantes
-apesar de eles serem meramente humanos- de uma realidade sonhada que é superior à
nossa realidade simples. São
mitos que casam céu e terra,
amor sagrado e amor profano.
PERGUNTA - Com certeza precisamos nos precaver contra esses belos
mitos na poesia, à medida que confortam a necessidade de sonhar que
nos faz esquecer nossa finitude. Mas
como podemos nos precaver quando não conhecemos aquilo contra o
qual nos precavemos?
BONNEFOY - É preciso antes reconhecer que, se essa espécie
de mito é ilusão, ao menos
quando fala dos deuses, não
deixa de ser verdade que ela nos
oferece as chaves de uma transcendência autêntica na medida
em que implica essas figuras divinas em circunstâncias humanas que, por serem tão facilmente "reinfladas" -como diz
o Fauno em Mallarmé-, comprovam que possuem mais
substância e profundidade do
que o pensamento conceitual
reconhece.
Assim, o mito nos leva ao respeito pelo existir humano -ele
nos predispõe a amar.
A poesia não é uma solidão -ela é, antes, o político em sua origem: ao mesmo tempo a fundação do grupo social e a dissipação das utopias
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E, com
isso, nos esclarece sobre o que
acontece em nossa relação com
o mundo: sobre nossas dúvidas
e nossos temores, tanto quanto
sobre nossa capacidade de confiança e consentimento.
Devo muito a determinados
mitos; sinto que eles aderem
fortemente à escrita dedicada à
poesia. Eu diria que falam dela
quando acreditam que a poesia
fala deles.
É uma pena para nosso passado religioso que este não tenha se interessado antes ou por
mais tempo pelo cristianismo
helenizado que revitalizou o
Ocidente no Renascimento.
PERGUNTA - O cristianismo, o sr.
diz, possui a "intuição essencial"
que ultrapassa "os mitos e dogmas
que o vestem". Diz também que o
que importa "é a pessoa, em seu instante e em seu lugar". Como distinguir a imanência de sua finalidade?
BONNEFOY - Sua intuição, sob
sua "vestidura de mitos"? Sim,
eu sei até que ponto importa,
até que ponto é decisiva a valorização cristã do "aqui e agora"
por meio da divinização de um
homem que sofreu e morreu
"sob Pôncio Pilatos", desse modo fazendo da história o lugar
da busca por um sentido na
profundidade de uma natureza
em condições, desde então, de
tornar-se uma terra.
Esse fato humano identificado com sua condição encarnada, essa "imanência", como o sr.
diz, é de fato a única realidade, e
o cristianismo a afirmou. Exceto por ter rapidamente se retratado com grandes doses de dogmas que falam de uma outra vida e utilizam aquela para empobrecer esta.
E por que seria preciso temer
que essa imanência -sim, gosto dessa palavra- permaneça
aquém de sua própria "finalidade"? Esta última é, para cada
pessoa, a consciência plena de
seu valor absoluto.
Quanto mais ela se assumir
como ser finito, mais se identificará com os aspectos fundamentais de sua condição mortal e mais chance terá de aceder
a sua plenitude de vida simples,
mais além de todas as reduções
que querem transformar as religiões ou os sistemas filosóficos em dogmas.
PERGUNTA - Apesar dos muitos caminhos que o sr. traça, detendo-se
sobre a literatura tanto quanto sobre a pintura, o sr. não parece ter como meta constituir sua obra como
uma soma, uma totalidade. Como o
sr. definiria o tipo de conhecimento
que determina seu trabalho?
BONNEFOY - Eu me reprovaria
se cedesse à tentação de uma
obra concebida como totalidade, com uma ordem interior
para reunir suas partes. Essa
ordem seria ainda uma dessas
imagens de mundo das quais a
poesia quer se libertar. É inteiramente outra a relação que
busca criar.
Uma única grande intenção
nela, é verdade, é esse retorno
ao imediato, mais além das
fragmentações e das solidões
da palavra comum. Vem daí a
obrigação, para os praticantes
da poesia, de lembrar-se da tarefa que o uso desse recurso
lhes exige, tendo como conseqüência para eles a verificação
e reafirmação de um pequeno
número de idéias fundamentais, idéias que, eu sei bem,
reaparecem com freqüência
demasiada em meus escritos.
Mas, para que esses pensamentos permaneçam vivos e
se aprofundem, é preciso evidentemente buscar aquilo que
não se reduz ou que não quer
se reduzir. De imediato, é toda
a diversidade da busca artística ou filosófica ao longo dos
séculos que se impõe à nossa
atenção.
Com um elemento a mais:
para podermos nos manter
atentos a essa experiência
grandiosa e multiforme, precisamos confiar menos no intelecto e mais na simpatia, já que
esta é a única que pode abrir
para nós a interioridade, nos
revelar a totalidade da obra ou
do autor que escolhemos.
Quero acreditar que o que
me move, quando me debruço
sobre pintores ou poetas, não
são minhas convicções já estabelecidas, mas pulsões inconscientes cujo sentido ainda preciso descobrir, tanto quanto
devo compreender as outras.
E essas pulsões conduzem a
direções imprevistas, e eis que
isso desmonta o sonho que eu
poderia nutrir de construir
um belo edifício.
PERGUNTA - Não obstante tudo isso, qual é o valor dessas somas?
BONNEFOY - Elas valem na medida em que são significantes, e
podem ser os significantes de
um sonho, precisamente de um
sonho que se encontra dentro
de cada um de nós e que, portanto, exige nossa atenção e reflexão -e, novamente, a mesma simpatia.
Um sonho e o orgulho. O
Deus que se afastou do mundo
ocidental deixou para trás uma
ilusão que ainda beneficia o demônio, que ainda sobrevive a
Deus, pelo menos por algum
tempo: a ilusão de acreditar
que, se não somos mais do que
transitórios em nossos corpos,
nem por isso deixamos de ser
espíritos capazes do ilimitado
no plano do conhecimento.
PERGUNTA - O sr. é o poeta francês
vivo que suscitou e ainda suscita o
maior número de comentários. Como o sr. opera a junção entre o diálogo pedido por esses comentários e a
tarefa solitária do poeta?
BONNEFOY - Solitária a tarefa do
poeta? Não. Quando ele se sente chamado, é verdade que está
só e não pode deixar de está-lo,
já que o chamado ecoa no mais
íntimo do que ele é, entre suas
recordações e seus desejos.
Mas ele não estaria à altura
de responder a essa exigência
se não percebesse que o faz
apenas mal, deixando-se apegar a sonhos, do que decorre
que ele precisa se reavaliar, ou
seja, analisar essas miragens.
Mas ele não pode empreender esse trabalho a não ser que
se coloque sob o olhar de outros, e disso decorre um segundo momento de sua criação,
que se assemelha menos à poesia, mas que, na realidade, é sua
própria alma: a obstinação e o
reinício que, indo de encontro a
tudo aquilo que a conhece pouco ou a censura, reafirma a importância de sua existência.
O poema é declarado apenas
arte, mas, na verdade, nessa admissão ele dá provas de verdade. Ele abre o campo de uma
busca pela verdade na qual está
implicado o outro, na qual uma
comunidade se constrói pela
necessidade de dissociar o verdadeiro do falso, o palpável do
ilusório.
A poesia não é uma solidão
-ela é, antes, o político em sua
origem: ao mesmo tempo a fundação do grupo social e a dissipação das utopias, que poderiam induzir o grupo social ao
engano.
Conseqüência: quem pretende fazer poesia deve levar a sério o que a crítica lhe diz. Mas
será que eu, de minha parte,
sou capaz dessa escuta? Talvez
não -é tão difícil!
Esta entrevista saiu no "Le Monde".
Tradução de Clara Allain.
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francês podem ser encomendados
no site www.alapage.com
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