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Entre o tijolo e o concreto
Compilação analisa as obras dos arquitetos Francisco Fanucci e Marcelo Ferraz
HUGO SEGAWA
ESPECIAL PARA A FOLHA
A
capa é intrigante:
uma parede em esmerado concreto
aparente, moldada
pela textura das tábuas e das juntas, domina a
composição.
O desenho irregular do piso
de granito, o ponto de fuga em
direção à penumbra, reforça a
impressão neutra de uma capa
que deve irritar os vitrinistas
de livrarias, ciosos de cores e
espantos. As letras brancas que
destacam os nomes Fanucci-Ferraz pouco esclarecem sobre
o livro. Nenhuma escrita na
quarta capa ajuda o incauto leigo a esclarecer o conteúdo da
publicação.
Mas, aos mais atentos, não
passará despercebida a beleza
da igualmente intrigante imagem da capa posterior: a resplandecente luminosidade dos
contrafortes em tijolo do muro
de divisa do Teatro Polytheama. Primeira e quarta capas
são formadas por uma imagem
só: a foto de Nelson Kon mostra o convívio do material contemporâneo -o concreto aparente- e a técnica construtiva
tradicional -o milenar tijolo-
num contraponto exemplar.
Trabalho com Lina Bo
Contraponto que está na essência do trabalho dos arquitetos Francisco Fanucci e Marcelo Ferraz, fundadores do escritório Brasil Arquitetura em
1979, antes um trio, com a participação de Marcelo Suzuki.
A austeridade da capa revela
um pouco o espírito desse duo,
arquitetos hoje com pouco
mais de 50 anos de idade. Em
arquitetura, meio século não é
muito. Para arquitetos, talvez
menos ainda. Somente a precocidade de Oscar Niemeyer permitiu que, exatamente aos 50
anos, ele empreendesse a aventura que foi Brasília.
Tardio é o reconhecimento
dos outros dois mais importantes arquitetos brasileiros em
atividade: Paulo Mendes da Rocha somente recebeu a consagração internacional aos 78
anos, com o Prêmio Pritzker, a
ele concedido neste ano; João
Filgueiras Lima, o Lelé (que escreve uma das apresentações
deste livro), aos 74 anos, ainda
está a merecer o devido tributo.
Se a pioneiros como Lucio Costa, Niemeyer ou Vilanova Artigas coube a árdua tarefa de iniciar a sementeira, Fanucci e
Ferraz são os frutos de uma terceira ou quarta colheita.
Nesse terreno de muitas e diferentes semeaduras, Marcelo
Ferraz também cresceu trabalhando com Lina Bo Bardi, a extraordinária arquiteta que vislumbrou um outro Brasil e uma
peculiar brasilidade que engrossou o caldo de culturas do
país. Não é estranho que o escritório de Fanucci/Ferraz/Suzuki tenha sido batizado Brasil
Arquitetura.
O livro traz uma seleção de
realizações: obras públicas e
concursos, residências e design
de mobiliário. Impressiona as
iniciativas relacionadas ao projeto de requalificação do Bairro
Amarelo, em Berlim, um concurso internacional do qual foram finalistas as equipes do mineiro Éolo Maia e de Clorindo
Testa e Justo Solsona (dois dos
mais importantes arquitetos
argentinos).
A arte das mulheres cadiuéus
nos azulejos é parte da vivência
dos espaços tanto quanto as
obras de Amílcar de Castro, Siron Franco, Miguel dos Santos
e Franz Krajcberg, que integram a proposta de reanimação
dos ambientes do melancólico
conjunto habitacional do antigo Leste Europeu.
De Berlim a Registro
O enfoque urbano da reabilitação do conjunto do KKKK,
em Registro (SP) -abandonado conjunto fabril da imigração
japonesa dos anos 1920 que ganhou vida como centro de aperfeiçoamento do professorado e
museu da imigração- aborda a
tão contemporânea questão
das frentes à água -no caso, o
parque Beira-Rio, ao longo do
rio Ribeira do Iguape, no qual a
escultura em aço de Tomie Ohtake protagoniza a devolução
de um extenso trecho urbano
ao usufruto público.
Será redundante destacar os
vários pontos da arquitetura de
Fanucci e Ferraz. Este livro é
um daqueles que apresentam
hábil conjunção entre belas
imagens e elucidativos textos,
sobretudo aqueles assinados
por Cecília Rodrigues dos Santos e Vasco Caldeira.
Mesmo as apresentações, de
Filgueiras Lima e do holandês
Max Risselada, são felizes ao
superar o elogio solto para
adentrar nas peculiaridades do
pensamento e da prática do
duo paulista.
Fanucci e Ferraz representam o que de melhor essa geração tem a mostrar na arquitetura brasileira atual.
HUGO SEGAWA é professor associado da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP.
BRASIL ARQUITETURA
Autor: Francisco Fanucci e Marcelo Ferraz
Editora: Cosacnaify (tel. 0/xx/11/
3218-1444)
Quanto: R$ 90 (208 págs.)
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