São Paulo, domingo, 10 de setembro de 2006

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Entre o tijolo e o concreto

Compilação analisa as obras dos arquitetos Francisco Fanucci e Marcelo Ferraz

HUGO SEGAWA
ESPECIAL PARA A FOLHA

A capa é intrigante: uma parede em esmerado concreto aparente, moldada pela textura das tábuas e das juntas, domina a composição.
O desenho irregular do piso de granito, o ponto de fuga em direção à penumbra, reforça a impressão neutra de uma capa que deve irritar os vitrinistas de livrarias, ciosos de cores e espantos. As letras brancas que destacam os nomes Fanucci-Ferraz pouco esclarecem sobre o livro. Nenhuma escrita na quarta capa ajuda o incauto leigo a esclarecer o conteúdo da publicação.
Mas, aos mais atentos, não passará despercebida a beleza da igualmente intrigante imagem da capa posterior: a resplandecente luminosidade dos contrafortes em tijolo do muro de divisa do Teatro Polytheama. Primeira e quarta capas são formadas por uma imagem só: a foto de Nelson Kon mostra o convívio do material contemporâneo -o concreto aparente- e a técnica construtiva tradicional -o milenar tijolo- num contraponto exemplar.

Trabalho com Lina Bo
Contraponto que está na essência do trabalho dos arquitetos Francisco Fanucci e Marcelo Ferraz, fundadores do escritório Brasil Arquitetura em 1979, antes um trio, com a participação de Marcelo Suzuki.
A austeridade da capa revela um pouco o espírito desse duo, arquitetos hoje com pouco mais de 50 anos de idade. Em arquitetura, meio século não é muito. Para arquitetos, talvez menos ainda. Somente a precocidade de Oscar Niemeyer permitiu que, exatamente aos 50 anos, ele empreendesse a aventura que foi Brasília.
Tardio é o reconhecimento dos outros dois mais importantes arquitetos brasileiros em atividade: Paulo Mendes da Rocha somente recebeu a consagração internacional aos 78 anos, com o Prêmio Pritzker, a ele concedido neste ano; João Filgueiras Lima, o Lelé (que escreve uma das apresentações deste livro), aos 74 anos, ainda está a merecer o devido tributo.
Se a pioneiros como Lucio Costa, Niemeyer ou Vilanova Artigas coube a árdua tarefa de iniciar a sementeira, Fanucci e Ferraz são os frutos de uma terceira ou quarta colheita.
Nesse terreno de muitas e diferentes semeaduras, Marcelo Ferraz também cresceu trabalhando com Lina Bo Bardi, a extraordinária arquiteta que vislumbrou um outro Brasil e uma peculiar brasilidade que engrossou o caldo de culturas do país. Não é estranho que o escritório de Fanucci/Ferraz/Suzuki tenha sido batizado Brasil Arquitetura.
O livro traz uma seleção de realizações: obras públicas e concursos, residências e design de mobiliário. Impressiona as iniciativas relacionadas ao projeto de requalificação do Bairro Amarelo, em Berlim, um concurso internacional do qual foram finalistas as equipes do mineiro Éolo Maia e de Clorindo Testa e Justo Solsona (dois dos mais importantes arquitetos argentinos).
A arte das mulheres cadiuéus nos azulejos é parte da vivência dos espaços tanto quanto as obras de Amílcar de Castro, Siron Franco, Miguel dos Santos e Franz Krajcberg, que integram a proposta de reanimação dos ambientes do melancólico conjunto habitacional do antigo Leste Europeu.

De Berlim a Registro
O enfoque urbano da reabilitação do conjunto do KKKK, em Registro (SP) -abandonado conjunto fabril da imigração japonesa dos anos 1920 que ganhou vida como centro de aperfeiçoamento do professorado e museu da imigração- aborda a tão contemporânea questão das frentes à água -no caso, o parque Beira-Rio, ao longo do rio Ribeira do Iguape, no qual a escultura em aço de Tomie Ohtake protagoniza a devolução de um extenso trecho urbano ao usufruto público.
Será redundante destacar os vários pontos da arquitetura de Fanucci e Ferraz. Este livro é um daqueles que apresentam hábil conjunção entre belas imagens e elucidativos textos, sobretudo aqueles assinados por Cecília Rodrigues dos Santos e Vasco Caldeira.
Mesmo as apresentações, de Filgueiras Lima e do holandês Max Risselada, são felizes ao superar o elogio solto para adentrar nas peculiaridades do pensamento e da prática do duo paulista.
Fanucci e Ferraz representam o que de melhor essa geração tem a mostrar na arquitetura brasileira atual.


HUGO SEGAWA é professor associado da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP.

BRASIL ARQUITETURA
Autor: Francisco Fanucci e Marcelo Ferraz
Editora: Cosacnaify (tel. 0/xx/11/ 3218-1444)
Quanto: R$ 90 (208 págs.)



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