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+ (c)ultura
Torres globais
Ataques do 11 de Setembro, que estão fazendo cinco anos, modificam o ensino de história nas universidades dos EUA, que passa a ver o país no conjunto de forças da política mundial
JANNY SCOTT
O presente costuma
modificar a maneira como os historiadores pensam
o passado. O trauma do 11 de Setembro provavelmente não será exceção:
cinco anos depois dos ataques
contra Nova York e Washington, muitos historiadores dizem que suas conseqüências
estão deixando marcas no modo de escrever e ensinar a história americana.
A história dos EUA está sendo menos estudada como a de
um país-Estado claramente
empacotado e mais em um
contexto global, como parte de
algo muito maior, dizem vários
historiadores. A idéia dos Estados Unidos como império também está na moda. E os historiadores dão mais atenção hoje
a temas como a história turbulenta dos direitos civis.
Existe um interesse crescente pela história do terrorismo,
dos muçulmanos na América,
dos conflitos e intercâmbios
culturais internacionais. A história da política externa está
sendo repensada, segundo alguns historiadores, com menos
ênfase na Guerra Fria e mais
nas políticas pós-coloniais. A
revolução iraniana e a crise dos
reféns de 1979 a 1981 parecem
momentos decisivos, de um
modo que antes não pareciam.
"Para os historiadores, a história nunca está gravada em
pedra", disse Joanne Meyerowitz, professora de história e
estudos americanos na Universidade Yale, que editou a coletânea de ensaios "History and
September 11th" (Temple University Press, 2003).
"Ela é escrita e reescrita a cada geração. Os fatos do presente, da era contemporânea, sempre nos ajudam a reavaliar os
acontecimentos passados. E os
fatos do passado sempre nos
ajudam a reavaliar a era em que
vivemos."
Perplexidade
Parte dessa mudança foi uma
reação ao grande interesse dos
alunos. Em detalhes vívidos, os
professores lembraram de aulas que deram imediatamente
após os atentados -a fome de
entendimento dos alunos, a
percepção do 11/9 como um divisor de águas em suas vidas, a
repentina sensação de vulnerabilidade. Nos dias e meses posteriores, dizem os historiadores, eles usaram a história para
esclarecer um presente que
causava perplexidade.
"Para nossos alunos, ficou
muito claro que em tudo -desde o que sentem ao estar num
aeroporto, as relações com colegas de classe muçulmanos ou
o que pensam sobre a possibilidade de passar um ano no exterior- existe a sensação de que
sua americanidade não está
imune ao resto do mundo ou é
profundamente influenciada
pelo papel dos EUA e sua relação com o resto do mundo",
disse Melani McAlister, professora de estudos americanos e
relações internacionais na Universidade George Washington.
Os acadêmicos discordam
sobre o sentido dessa revisão da
história americana, às vezes seguindo linhas ideológicas. Enquanto muitos historiadores
dizem que o 11/9 acelerou a
tendência à "internacionalização" da história americana
-examinando o que Thomas
Bender, professor na Universidade de Nova York, chamou de
"uma história comum com causas comuns para os fatos centrais da história americana"-,
outros disseram que o 11/9 renovou seu interesse por uma
idéia quase oposta, a da excepcionalidade americana.
A excepcionalidade americana, a visão de que os EUA são
fundamentalmente diferentes
de outros países desenvolvidos
e têm uma função especial no
mundo, caiu em desfavor aproximadamente na época da ascensão da nova história social,
no fim dos anos 1960, disse Stephan Thernstrom, professor de
história na Universidade Harvard que se descreve como neoconservador. Mas, desde o 11/9,
disse que se sentiu cada vez
mais atraído pela idéia.
Ele comparou sua reação ao
momento atual com a maneira
como "o conflito maciço com o
fascismo e depois a Guerra Fria
enfocaram nossa atenção no
que é nossa civilização, por que
ela é diferente das outras. Com
isso veio um certo sentido de
maior ligação com nossa civilização e um desejo de defendê-la e protegê-la".
O mundo exterior
Os historiadores muitas vezes acham que os eventos contemporâneos influenciam o estudo da história. A decepção
com a Primeira Guerra inspirou uma interpretação revisionista da Guerra Civil, de que ela
foi desnecessária, segundo o
professor Bender e outros; essa
visão foi contestada depois da
Segunda Guerra Mundial. A revolução da era Reagan trouxe
um novo interesse pela história
do conservadorismo americano; o movimento feminino ajudou a tornar a história das mulheres um campo próprio.
Nos anos 1990, a globalização
incentivou a chamada internacionalização da história americana, com crescente ênfase nas
abordagens comparativas e
transnacionais.
Por exemplo, alguns historiadores dizem que começaram
a ver a Revolução Americana
como o resultado de pressões
fiscais generalizadas, resultado
da disputa entre as potências
imperiais, e não apenas como
produto da taxação britânica.
"Demoramos um pouco para
reconhecer como o mundo exterior era importante para nossa vida doméstica", disse Joyce
Appleby, ex-presidente da Associação Histórica Americana.
"Isso exige uma mudança de
consciência. Você não está apenas contando a história americana e onde ela se liga a outro
país; você vê a América no
mundo, afetando o mundo."
Essa tendência se acelerou
depois do 11 de Setembro. Jan
Lewis, historiadora da Universidade Rutgers, em Newark,
que está escrevendo um livro
sobre a história americana entre 1760 e 1830, disse que está
trabalhando em vários capítulos sobre a guerra com os franceses e indígenas e as origens
da revolução. Ela se interessou
pela história dos soldados europeus enviados para a América
do Norte "para lutar em um
episódio de uma enorme guerra internacional".
"Acho que eu não estava sintonizada com essa dimensão da
história alguns anos atrás", disse Lewis. "Percebi que o que eu
achava especialmente interessante era o conflito entre os oficiais britânicos, que eu chamaria de idealistas, e os que eram
realistas. Certamente surgem
questões semelhantes à guerra
no Iraque."
Desde o final de 2004, foi publicada meia dúzia de livros sobre aspectos dos EUA como um
império. Amy Kaplan, ex-presidente da Associação de Estudos
Americanos, disse que o imperialismo americano, antes considerado uma preocupação da
esquerda, se tornou tema de
discussão em todo o espectro
político.
"Somos um império? Nesse
caso, em que sentido?", disse
Michael H. Hunt, professor de
história na Universidade da Carolina do Norte, em Chapel
Hill, descrevendo o debate. "É
comparável a outros impérios?
É igual a Roma?"
"Misturada a essa questão do
império há a questão da hegemonia: você entende império
apenas em termos formais de
controle ou é mais global e sistêmico e talvez não necessariamente territorial?"
Mary L. Dudziak, professora
de direito, história e ciência política na Universidade do Sul da
Califórnia, disse que seus alunos exigiram que os professores dessem atenção ao lugar
dos EUA no mundo. Eles ficaram subitamente interessados
pelo islã. McAlister, da Universidade George Washington,
disse que, quando começou a
lecionar, em 1996, "você quase
precisava discutir por que alguém, num curso de história
americana, deveria pensar em
questões globais".
A história das liberdades ou
direitos civis também atraiu
novo interesse. Eric Foner,
professor de história na Universidade Columbia que se descreve como liberal, disse que os
anos passados desde o 11 de Setembro enfocaram a atenção
no que ele chama de "altos e
baixos na história da liberdade
em nosso país. Não é uma característica constante na sociedade americana; o respeito pelas liberdades civis é na verdade
bastante recente e frágil".
Tirania da maioria
Thomas L. Haskell, historiador da Universidade Rice que
se declara politicamente independente, cita trechos de Alexis de Tocqueville sobre a tirania da maioria em seu curso sobre a história intelectual e cultural dos EUA.
Depois de assistir à cobertura
da mídia sobre o atentado ao
World Trade Center, ele lembra que foi imediatamente dar
uma aula e fez a previsão de que
as liberdades civis "levariam
uma surra".
Ele baseou sua previsão ou
declaração no passado -o "medo do comunismo" logo depois
da Primeira Guerra, a prisão
dos nipo-americanos depois de
Pearl Harbor. Em uma entrevista, o professor Haskell disse
que reprova os professores que
fazem propaganda, mas acredita que eles devem identificar
seus valores diante dos alunos.
Por isso, disse que fez questão
de chamar a atenção dos alunos
para a questão da tortura.
Tendo passado 11 meses em
Saigon como assessor da Marinha vietnamita durante a
Guerra do Vietnã, ele disse que
se considera em condições de
contestar as sugestões do governo de George W. Bush de
que a natureza da ameaça terrorista justifica afrouxar as regras dos métodos de interrogatório. Disse que procurou oportunidades no material de ensino para levantar essa questão.
Haskell afirmou ter sofrido
uma espécie de inversão em
seu próprio pensamento.
"A terrível crueza e a brutalidade envolvidas na colonização
da Virgínia no século 17 assumem uma nova relevância",
disse. "Acho que todos os episódios de superioridade desenfreada começam a se encaixar
em um padrão que nos faz perguntar: o que há na cultura
americana que nos coloca repetidamente nessa posição?"
Este texto saiu no "New York Times".
Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves.
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