São Paulo, Domingo, 10 de Outubro de 1999
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Zoopolítica (continuação)

Folha - Como começou a disputa entre Habermas e o sr.?
Peter Sloterdijk -
Para responder a essa pergunta com pertinência, creio ser útil recapitular a história pregressa de nosso conflito. Desde que foi publicada a minha "Crítica da Razão Cínica", em 1983, uma obra de quase 1.000 páginas que foi muito apreciada na Alemanha e traduzida para 10 idiomas, Habermas e eu publicamos nossos livros na mesma editora, a Suhrkamp. Essa editora, naqueles tempos, não só era o templo da Teoria Crítica, mas também representava a biblioteca da modernidade para os alemães depois de 1945. É a editora de Brecht, Benjamin, Adorno, Beckett, Broch, Wittgenstein, Enzensberger e muitos outros.
Numa pequena e simpática resenha, Habermas, naquela época, elogiou meu livro, apresentando-me como um autor que atuava no espaço "entre Heine e Heidegger", que era aliás o título do artigo. A "Crítica da Razão Cínica" trouxe um novo tom à literatura filosófica alemã, sendo ao mesmo tempo séria e muito divertida. Habermas interessou-se bastante pelo meu projeto de testar a possibilidade de uma "esquerda heideggeriana". Mais que isso: sem dúvida esse projeto lhe lembrou seus próprios começos.
Infelizmente, a opinião pública de hoje não sabe o suficiente sobre o assunto. O jovem Habermas, após ter se desligado da juventude hitlerista (na qual atuou, aos 16 anos, como comandante-mor, e até abril de 1945 continuou acreditando com ardor religioso em Hitler e na vitória final alemã), foi um hegeliano e schellinguiano entusiasmado até os inícios dos anos 50, tendo se aberto apenas posteriormente para o neomarxismo e as tradições democrático-liberais do pensamento ocidental. Essa é uma biografia alemã normal, numa época que não é normal. O marco da virada de Habermas foi um artigo hoje praticamente esquecido, de 1953, intitulado "Pensando com Heidegger contra Heidegger".
Quando, 30 anos mais tarde, surgiu a minha "Crítica", Habermas, na época no auge de sua capacidade, sentiu-se transportado aos seus anos de juventude e por um momento pareceu disposto a reconhecer meu trabalho como uma realização do programa não realizado por ele -que há muito já havia tomado rumos que se distanciavam da filosofia, aproximando-se da linguística, da sociologia e do pensamento jurídico.
Para compreender a crescente tensão entre nós, deve-se saber que a Escola de Frankfurt, aliás a Teoria Crítica, não conseguiu produzir uma terceira geração convincente. Pois, se Adorno e Horkheimer representavam a primeira geração e Habermas a segunda, parecia evidente que após esses nomes se abriria um abismo. Podia-se citar Adorno, mas era quase impossível continuar na sua linha de pensamento. E podia-se citar Habermas, mas parecia difícil dar um passo depois dele que levasse a algum lugar.
Nos últimos cinco anos, apresentei em meus livros uma série de tentativas de resolver externamente o problema da terceira geração, que internamente era insolúvel. Apenas diante desse pano de fundo pode-se compreender o escândalo Sloterdijk-Habermas. No mais tardar em 1980, eu percebi que o caminho francês da filosofia, especialmente o de Gilles Deleuze e Michel Foucault, permitia uma abertura maior para as questões do presente do que o caminho de Frankfurt.

Folha - Mas o que o sr. entende aqui por solução externa?
Sloterdijk -
Eu ampliei o cânone dos autores que se podia ler como discípulos de Adorno e Habermas -ambos sempre foram mestres muito autoritários. Eu disse que, como iluminista e como herdeiro das melhores tradições européias, se poderia ler Nietzsche novamente e que Heidegger deveria ser reexaminado. É um projeto que tenho em comum com Jacques Derrida e outros pensadores.
Além disso, trabalhei com elementos das éticas judia, hinduísta e budista, incluindo em larga escala nos meus estudos a etnologia e a antropologia. Mas o elemento mais importante do meu trabalho é, sem dúvida, a tentativa de repensar filosoficamente os princípios da psicanálise e, a partir daí, descrever de forma renovada a sociedade do presente.
No fundo, isso tudo não interessa a Habermas, mas nesses projetos ele sente a energia heterodoxa, para ele incontrolável, e uma vez que ele pertence a uma geração de gatos escaldados, julga que o seu dever burguês é o de ser desconfiado. Ele percebeu que eu alego representar uma alternativa para a terceira geração da Teoria Crítica, geração esta que faltava. Mas eu aparentemente não sou seu discípulo, não garanto a continuidade de suas idéias. Eu navego em outras águas.

Folha - O que Habermas criticou no seu trabalho?
Sloterdijk -
Ele chamou o meu ensaio intitulado "Regras para um Parque Humano" de um texto "genuinamente fascista". Em resposta, eu publiquei essa palestra na Internet (em alemão, www.rightleft.new), bem como no jornal "Die Zeit", e nos próximos dias também sairá um pequeno livro pela editora Suhrkamp. Desde então, a opinião pública está em polvorosa, pois procura o fascista no texto e não consegue encontrá-lo. Ao mesmo tempo eclodiu um debate de dimensões fantásticas sobre a tecnologia genética.


"Cientistas hoje tentam suspender o limite entre organismo e máquina"


Folha - E onde foi publicada a crítica de Habermas?
Sloterdijk -
Bem, aqui começa o lado oculto e estranho desse assunto. Habermas não apresentou em público o seu ataque contra mim. Ele mandou cartas a jornalistas de sua confiança contendo as tais críticas, e essas pessoas da mídia, sem mencionar o nome de Habermas, me atacaram como fascista e coisas piores. São os mesmos que agora abrem o debate no Brasil.
O próprio Habermas, questionado sobre seu papel nesse caso, escreveu uma carta ao "Die Zeit", em 16 de setembro, negando tudo e afirmando que ele não se interessa pelo meu trabalho. Curiosamente, pouco depois, saiu publicada na edição de Berlim do jornal "Frankfurter Allgemeine Zeitung" (FAZ) uma cópia da sua carta ao jornalista que havia começado o ataque, e logo depois (em 22 de setembro) essa mesma carta podia ser vista por milhões de telespectadores no noticiário noturno do primeiro canal de TV alemão (ARD).
Nessa carta podia-se ler "genuinamente fascista" e todo o resto. Comprovou-se, assim, que Habermas havia mentido e que na verdade era ele o mandante e organizador do escândalo. Desde então, o sr. Habermas não dá mais entrevistas sobre o assunto.

Folha - Como o sr. respondeu a esses ataques?
Sloterdijk -
Escrevi uma carta aberta a Habermas, intitulada "A Teoria Crítica Está Morta" -um título que obviamente lembrava a famosa polêmica entre Pierre Boulez e Arnold Schönberg ("Schönberg Morreu, Stravinski Vive"). O motivo para essa formulação era evidente aos leitores na Alemanha: em minha carta, lembrei dos princípios morais de Jürgen Habermas, da Teoria da Ação Comunicativa, da ética da Inclusão do Outro, da doutrina da "situação ideal de comunicação". Eu medi seu comportamento a partir de seus próprios parâmetros e o achei curto demais. No caso concreto, ele não comunica, mas denuncia; ele não inclui o outro, mas o exclui. Chamei esse comportamento de jacobino, outros o chamariam de fundamentalista.
Nesse meio tempo, a opinião pública alemã compreendeu isso tudo. O problema agora está em outro ponto: muitas pessoas de boa-fé em nosso país custam a acreditar que também Habermas não é um ser humano completo, nem um filósofo infalível. Mesmo assim, a maioria aprendeu a lição. Na Alemanha, o debate Sloterdijk-Habermas, como caso, acabou. A vice-presidente do Parlamento alemão, Antje Vollmer, do Partido Verde, teóloga de prestígio e uma política que há muito representa algo como a consciência moral de nosso país, há poucos dias constatou, no jornal "FAZ", a derrota de Habermas e do seu partido.
De forma clara, disse ser inadmissível uma tal denúncia e que minha fala não seria motivo para o alarme histérico que a imprensa fiel a Habermas tinha disparado. Vollmer criticou a tirania da má leitura, que, na Alemanha e na maioria dos outros países dominados pelos "mass media", representa uma ameaça à liberdade de pensamento, que é a verdadeira base da democracia ("Cavaleiros da Super-moral", "FAZ", 27/9).
De forma semelhante argumentou Bernard-Henri Lévy, em 1º de outubro, na revista "Le Point", em seu artigo "Heidegger et les Clones". Ele constata que meus argumentos estão ancorados na tradição da filosofia européia de Platão a Freud e coloca a seguinte questão: será que não se quer queimar o mensageiro, porque não se quer ouvir a mensagem?

Folha - Por que o sr. pôde ser chamado de nazista?
Sloterdijk -
Isso deveria ser perguntado aos que me denunciaram. Isso é bobagem.
Por meio de meu contato com Heidegger, que tinha a tecnologia como perigosa para a essência humana, mas também a tinha como seu destino, desenvolvi um sentido para os riscos da existência moderna.
Creio que nessa discussão nunca se deve esquecer um fato: até dez anos atrás, a humanidade do hemisfério Norte vivia no constante medo do apocalipse nuclear. Como por milagre, o perigo atômico passou, pelo menos no presente imediato. Ainda estamos vivos, porque o assim chamado equilíbrio do terror se mostrou a nosso favor. O mais desumano concedeu uma pausa à humanidade. O colapso da URSS, além disso, nos permitiu um relativo relaxamento no front nuclear.
No entanto, eis que aparece agora um novo perigo assustador no horizonte: o apocalipse biológico e a transformação incontrolável do homem em um monstro pós-humano. Creio que as pessoas na Alemanha agora, de repente, estão transferindo o seu medo da aniquilação militar para o medo da mutação genética, que erroneamente pensam já ser possível para amanhã. Da noite para o dia, trocamos de apocalipse.
Eis o porquê de todo esse alvoroço e dessas exageradas reações irracionais. Quando Bizâncio discute, trata-se sempre da Santíssima Trindade; quando a Alemanha discute, trata-se quase sempre de um medo metafísico. Na verdade, é uma exaltação quase religiosa, porque de repente nos perguntamos se homens como criadores de outros homens podem adotar o papel de Deus, desde que a biotecnologia torne isso possível. De resto, nunca lamentei tanto a morte prematura de Foucault como nesses dias, porque no fundo esse é o seu tema, que hoje reaparece de modo tão deformado: o tema das biopolíticas e do poder sobre a vida. Sua maravilhosa lucidez e seu poder de análise nos fazem falta, hoje mais do que nunca.
A partir da continuidade entre Ocidente e manipulação gênica tratada na minha conferência, de repente, o medo alemão eclodiu de novo. E, como sempre depois de 1945, quando os alemães têm medo, eles gritam: fascismo! Mas essa palavra não tem mais um núcleo semântico. É apenas uma expressão da histeria. Por isso eu entendo por que ela é usada agora.

Folha - Esta polêmica toca em um problema que aterroriza o imaginário ocidental: a engenharia genética. Qual a sua posição em relação a isso?
Sloterdijk -
Sempre fui muito cético em relação ao que se refere a triunfalismo técnico. No meu livro "Eurotaoísmo", de 1989, sugeri uma nova forma de crítica do progresso, mostrando que a diferenciação clássica entre progresso visionário e conservação cega do estabelecido não vale mais, hoje, em todos os lugares. Agora também há um progresso cego e uma manutenção visionária do estabelecido aqui. E, partindo da posição asiática, cheguei a idéias que são compatíveis com a ética cristã do respeito diante da criação.
Mas, dez anos após essa lembrança da ética asiática do não-agir, cheguei à conclusão de que a evolução das coisas na cultura ocidental é por demais poderosa para ser contida por meio da mera meditação ou da abstinência conservadora. Naquela época, também disse que, em alguns momentos, o freio pode ser uma função progressiva. Evidentemente, as vozes sussurrantes de filósofos não podem muita coisa, e a avalanche do progresso não pergunta se ela pode cair no vale.
Então, em um trecho de minha palestra atual, eu formulei a exigência de que se deveria redigir um "códex das técnicas antropológicas", tendo em vista o que estaria por vir. Deveria ser ele uma obra sacramentada de normas, válidas para a comunidade política da humanidade, determinando o que é permitido e o que é proibido em termos de biotecnologia.
Eu mesmo não sou especialista nessa área e não sou membro de uma das comissões de ética que hoje proliferam em todos os lugares, em hospitais, na pesquisa de base e nos Parlamentos. Mas uma regra me parece intuitivamente evidente: é legítimo aquilo que ajuda alguns a reduzir o risco de vida -por exemplo, evitar doenças graves hereditárias. Ilegítimo é tudo aquilo que desemboca numa biopolítica elitista para grupos não solidários. Isso não deve ser a última palavra sobre o assunto e, como regra básica, ainda é muito simples, mas creio que a conscientização moral e a evolução técnica acabarão por se encontrar nessa linha de pensamento.
Aliás, chama atenção a discussão na Alemanha por causa das zonas fronteiriças entre cientistas sociais e cientistas naturais. Enquanto os primeiros se dedicam a especulações excessivas, para não dizer fantásticas sobre um "projeto Zaratustra" -acerca de uma espécie de homem perfeito- e similares, os especialistas em genética esboçam um sorriso melancólico e asseguram que eles não têm o poder de fazer nem mesmo 1% do que a mídia exaltada supõe. Aqui pode-se dizer que é possível constatar que, nas cabeças de filósofos e jornalistas, a ficção científica venceu a ficção. Hollywood não é apenas um bairro de Los Angeles, mas é um setor no cérebro do homem ocidental.
Na realidade, tudo depende de um equilíbrio entre motivos éticos e interesses técnicos. No fundo, o melhor seria uma moratória para a pesquisa genética, o que seria utilizado para um debate o mais amplo possível entre as culturas sobre suas visões sociais e antropológicas. Ao mesmo tempo, me parece importante esclarecer a perspectiva teórica correta pela qual deve ser vista nossa atual situação humana e moral.
Freud procurou expressar o mal-estar do homem moderno em sua famosa passagem das três ofensas: a ofensa cosmológica da humanidade por Copérnico, a ofensa biológica por Darwin e a ofensa psicanalítica por ele mesmo, Freud. Mais interessante ainda me parece uma observação de Bruce Mazlish, que encontra um paralelo entre as três ofensas e as quatro nivelações de diferenças metafísicas pela ciência moderna. Primeiro Galileu, seguindo Copérnico, suspendeu a barreira entre o mundo terreno e o mundo celestial e provou que abaixo e acima da Lua valem continuamente as mesmas leis. Logo, Darwin suspendeu a barreira metafísica entre homem e animal e mostrou uma continuidade no âmbito da história natural para ambos os lados. Então, Freud negou e provou a diferença metafísica entre o consciente -e o racional- e o inconsciente -e o irracional- e que também aqui havia transição e continuidade.
Até agora, a formação da inteligência ocidental os acompanhou mais ou menos de bom grado, mesmo havendo cada vez uma forte resistência e dolorosas crises espirituais. Hoje, os cientistas do mundo inteiro estão tentando suspender a quarta barreira metafísica, o limite entre o organismo e a máquina, e eles mostraram que nisso também se pode estabelecer uma continuidade. Talvez seja esta a maior dor que a humanidade jamais teve que suportar, pois nela eclodem novamente os três traumas anteriores, junto com as novas lições. Talvez esse seja um dos motivos da intensidade do debate que vivenciamos hoje. A questão "o que é o homem?" coloca-se agora com uma seriedade nunca antes vista na história da humanidade. Por isso, mais uma vez chegou a hora da filosofia: só ela é capaz de refletir na profundidade certa o alcance de uma questão como esta.

Folha - O sr. tem idéia de por que o chamariam de irracionalista?
Sloterdijk -
Eu não sei quem disse isso, mas no calor da batalha tudo é possível. Suponhamos que seja alguém que se coloca questões reais e não apenas que quer me rebaixar. Nesse caso, a crítica ao meu suposto irracionalismo poderia significar que eu abordo temas perigosos, ou que eu me dedico de modo inseguro a matérias mais inseguras ainda. Sem dúvida, haveria algo de correto numa tal descrição. Meus críticos se sentiram incomodados principalmente pelo fato de eu rediscutir questões em grande parte do âmbito da filosofia da religião. Isso parece chocante a muitos racionalistas simples.
Respondo a isso com uma citação de Karl Marx, para quem toda crítica começa com a crítica da religião. O século 19 frivolamente acreditava ter concluído a crítica da religião e ter se acertado com ela, mas o século 20 nos mostrou de forma dramática que isso foi um erro. Os homens não se acertam simplesmente com a religião e muito menos com religiões substitutivas e pseudo-religiões, que brotam assim que as religiões oficiais passam ao segundo plano.
Em meu livro "A Árvore Mágica", de 1985, comecei as tais análises perigosas e "profundas" sobre a reação religiosa ou participatória do homem. Esse livro, que trata do mesmerismo de forma romanesca, foi um grande sucesso e produziu várias concepções interessantes do inconsciente. Aliás, sinto um certo paralelismo entre o meu trabalho e o da psicanalista e escritora francesa Julia Kristeva, que também experimenta há muitos anos com a concepção psicanalítica aprofundada.
Eu, por minha vez, critico os racionalistas simples, pois, por sua estreiteza e unilateralidade, eles deixam de lado e reprimem os verdadeiros problemas da psique humana. Sendo assim, eles estimulam justamente o irracionalismo, que aparentemente atacam. O lugar do pensamento é, para mim, a linha onde se encontram a "Aufklärung" (Iluminismo) e o romantismo. O racionalismo puro é estéril, o irracionalismo simples é regressivo. O pensamento surge no "entre".

Folha - Na sua opinião, o que resta da Escola de Frankfurt?
Sloterdijk -
A resposta a essa pergunta foi dada há poucos dias, quando a velha guarda se encontrou em Frankfurt para festejar os 75 anos da fundação do Instituto de Pesquisas Sociais, de onde saiu a Escola de Frankfurt e a Teoria Crítica. Um crítico resumiu o resultado do encontro de forma lapidar: "O tédio mata" ("Die Zeit", 30/9/1999). A inspiração apagou. O público boceja.
Entendam bem: Habermas teve grandes méritos, reabilitando intelectualmente a Alemanha diante de si própria e da comunidade acadêmica internacional. Isso não pode ser negado, mesmo diante de seu comportamento condenável atual. Mas, no geral, seu tempo passou. Foi-se o tempo dos filhos hipermorais de pais nazistas. É certo que a terceira geração do pós-guerra aprendeu muito com a de Habermas, mas hoje ela coloca questões para as quais não há respostas na Teoria Crítica.
Sei que vai doer em muitas cabeças brilhantes do Brasil ouvir isso, pois elas investiram em Habermas e agora se vêem obrigadas a reconhecer que o valor de suas ações está em franco declínio. Diante dessa situação, elas tentam o que no jargão bancário se chama de compra sustentatória: compram ostensivamente ações Habermas, demonstrando com isso que ainda têm valor. Ao mesmo tempo, me culpam pela queda de seus investimentos. Crêem que podem aumentar o valor, me desvalorizando. Essa manobra é compreensível, mas infantil, pois eu não tenho culpa pelo fato de a Teoria Crítica só ter hoje valor acadêmico e histórico, e não social. Mesmo que eu não publicasse mais uma linha e meus livros fossem todos destruídos, a Escola de Frankfurt não se tornaria mais atual por isso.

Folha - O sr. julga possível uma reconciliação sua com Habermas?
Sloterdijk -
Essa pergunta também me foi feita na Alemanha e respondi que não sabia, o que corresponde à verdade. Mas me parece mais importante que haja uma mudança em todo o clima cultural do que o fato de duas pessoas individuais se reconciliarem. Temos uma herança pesada de medo e paranóia do fascismo e da Guerra Fria. A fórmula lançada nos anos 50, da "era da suspeita", ainda é válida, e a Alemanha continua sendo um biótipo da suspeita. Mesmo assim, iniciou-se uma mudança, aqui e em outros lugares. Devo confessar que quase não me interesso mais pela pós-modernidade. Julgo atraente a transição para uma pós-paranóia. Sartre expressou a condição humana na seguinte fórmula: o homem está condenado à liberdade. Para a situação de hoje e amanhã vale, antes, a fórmula: estamos condenados à confiança.


Luiz Felipe Pondé é doutor em filosofia, professor do Programa de Estudos Pós-graduados em Ciências da Religião da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica), professor-pesquisador da Universidade de Tel Aviv e membro do grupo israelo-alemão de pesquisa sobre as controvérsias em ciência, filosofia e teologia.
Colaborou na tradução Cláudia S. Dornbusch.


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