|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
A elite da tropa
O diretor da Open University, instituição inglesa de ensino a distância criada nos anos 60,
diz que sistema facilita a inclusão social, mas admite haver altos índices de reprovação
DA REDAÇÃO
A Open University é o
modelo para as
"universidades
abertas" de todo o
mundo: com cerca
de 180 mil alunos -no Reino
Unido e fora dele-, provê
oportunidade de estudo remoto, com programação aberta às
conveniências do aluno e reconhecimento oficial.
Implantada ao longo dos
anos 1960 pelo governo do Partido Trabalhista -do atual primeiro-ministro, Tony Blair-, a
Open se gaba de ter sido considerada pelo jornal "Sunday Times", em avaliação em 2004,
como a quinta melhor universidade britânica no quesito
"excelência docente".
O professor Alan Tait, que
chefia a faculdade de Educação
e Estudos de Linguagem da
Open, defende o ensino a distância como instrumento de
inclusão social. Autor de livros
como "Convergence of Distance and Conventional Education" (Convergência entre
Educação a Distância e Convencional), Tait também falou
à Folha sobre erros a serem
evitados e sobre a contribuição
dessa crescente modalidade de
ensino à escola tradicional.
(ERNANE GUIMARÃES NETO)
0
FOLHA - Há cursos na Open em que
o comparecimento do aluno é totalmente desnecessário?
ALAN TAIT - Na Open do Reino
Unido [há projetos no mundo
todo, inclusive no Brasil, com o
nome de Universidade Aberta],
temos um pequeno número de
cursos que são "web-based
only" [exclusivamente de internet]. Há conferências com
os alunos, mas nenhum face-a-face. A maioria dos cursos guarda algum elemento presencial.
FOLHA - Em quais áreas são oferecidos os cursos totalmente virtuais?
TAIT - Computação, educação e
disciplinas de nível mais básico
que usam somente material
impresso, web e telefone.
FOLHA - E o problema da cola?
TAIT - A trapaça é um problema difundido em educação e
não é de modo nenhum restrito
à educação a distância. É claro
que há aspectos da web que facilitam a trapaça, como empresas que vendem trabalhos
prontos -um problema que
deve ser levado a sério pelos
educadores como um todo.
FOLHA - Há escolas tradicionais em
que são exigidos trabalhos manuscritos, não-impressos...
TAIT - Dá para fazer o mesmo
na educação a distância. Por
exemplo, uma estratégia de
avaliação que inclua trabalhos
ao longo do curso -o que educacionalmente é muito eficaz-
e uma prova presencial ao final,
com verificação de identidade.
FOLHA - Não pode acontecer de estudantes trapacearem ao longo do
curso, chegando despreparados ao
exame e serem reprovados?
TAIT - Sim, mas os padrões
educacionais, nesse caso, estariam protegidos.
FOLHA - Há estatísticas associando
ensino a distância a altos níveis de
reprovação?
TAIT - Depende. É freqüente
que os sistemas de ensino a distância sejam feitos para estudantes excluídos do sistema
tradicional, que, portanto, têm
uma formação mais vulnerável.
Alunos da elite vão para as universidades de elite; a educação
a distância não costuma receber esses alunos.
Portanto, é verdade que os
alunos que acorrem à educação
a distância geralmente têm
uma formação passada mais
"difícil", o que os torna mais
passíveis de fracasso e abandono. Acontece também de muitos alunos de educação a distância trabalharem e estudarem ao mesmo tempo, o que coloca muita pressão sobre eles.
É verdade que em geral o sucesso escolar no ensino a distância não tem os mesmos índices altos das universidades tradicionais, mas não acho que por
isso sua participação na educação seja menos importante.
Se se tem em mente a inclusão social que propicia, esse sistema é ainda mais importante.
FOLHA - A educação a distância pode ter a mesma qualidade da educação presencial?
TAIT - Sim. No fundo, acredito
que pode ser melhor, porque,
quando se organiza o ensino a
distância, é preciso se concentrar muito na relação ensino-aprendizado -ela não é dada
como certa, da forma como
muitas universidades convencionais fazem. A ênfase no
aprendizado e no sucesso do
aluno é parte importante da
moderna educação a distância.
Outra coisa a dizer é que, em
ensino a distância de larga escala, há alguns processos em
escala industrial que são utilizados. Por exemplo: na criação
de material de ensino e na organização do apoio pedagógico,
há sistemas de garantia de qualidade que podem ser emprestados da indústria.
FOLHA - Pode dar um exemplo?
TAIT - Ao criarmos material didático, usamos professores
universitários, é claro, mas
também profissionais do ramo
editorial para dar qualidade ao
que é escrito, visando melhor
compreensão pelo aluno.
FOLHA - Seu livro "Rethinking Learner Support in Distance Education"
(Repensando o Apoio ao Aluno na
Educação a Distância) conta essa experiência?
TAIT - Eu quis, nessa obra, entender as mudanças nas tecnologias utilizadas para apoio aos
estudantes. Aparecem questões importantes: primeiramente, precisamos ser realistas
sobre o acesso às novas tecnologias. Onde têm acesso: em casa, no trabalho?
No Reino Unido, há um dos
maiores índices de uso de tecnologias digitais na Europa. Na
área de pós-graduação, começamos a pressupor que os alunos têm acesso a novas tecnologias -como banda larga em casa- e podemos organizar nossos planos de acordo com isso.
Com a graduação, temos de
ser mais cuidadosos, mas mesmo assim temos acelerado a introdução de novas tecnologias.
Em alguns casos, é uma demanda dos alunos -especialmente
os mais jovens.
FOLHA - E é caro melhorar os métodos de apoio?
TAIT - Certamente criar cursos
com níveis significativos de
fontes de ensino é caro. É preciso dar conta disso por meio de
grandes quantidades de alunos.
Mas também depende de como
pensamos nos gastos.
Por exemplo: a evasão e a reprovação em certas universidades tradicionais é muito alto. Se
pudermos criar instituições
nas quais o sucesso dos alunos
seja mais freqüente, então o dinheiro será bem gasto.
FOLHA - Como transpor um programa de curso tradicional para a
forma de ensino a distância?
TAIT - É preciso repensar as
necessidades dos alunos, como
criar fontes de aprendizado específicas. Já houve erros simples, como simplesmente colocar apontamentos de aula na
web. Isso não é adequado; é
preciso haver uma pedagogia
por trás do ensino a distância, a
qual já está bem desenvolvida
teoricamente e na prática.
FOLHA - Critica-se o ensino a distância proposto por universidades
públicas brasileiras por usar verbas
que poderiam ser aplicadas em novas unidades de ensino.
TAIT - Se a motivação é simplesmente poupar dinheiro,
então a educação a distância
não vai funcionar. No entanto é
verdade que a demanda por
educação em países como o
Brasil é enorme e não pode ser
solucionada somente com a
construção de novos campi.
Para um país como o Brasil,
implantar uma eficiente educação a distância seria essencial
para prover duas coisas: oportunidades para pessoas que
possam se beneficiar da educação, que é necessária para qualquer sociedade moderna; e capacidade humana para o desenvolvimento socioeconômico.
Construir novos campi deve
ser parte do programa, mas
uma parte significativa tem de
ser a construção de sistemas de
educação a distância. Isso vale
para outros países em industrialização e em desenvolvimento, como África do Sul,
China, Índia -todos estes têm
iniciativas importantes de ensino a distância acontecendo.
FOLHA - Quais seriam as principais
contribuições do ensino a distância
para a educação em geral?
TAIT - Houve grandes contribuições, se se pensar no Reino
Unido nos últimos 35 anos. Em
primeiro lugar, percebeu-se
que alunos com formação educacional fraca podem ser muito
bem-sucedidos; em segundo,
que alunos adultos valem a pena e são importantes; em terceiro, que o uso de tecnologias
de apoio para o aprendizado
pode melhorar a qualidade.
Uma das coisas que o ensino
a distância fez nas universidades foi modernizar o sistema de
ensino superior como um todo.
Texto Anterior: MEC incentiva ensino "semipresencial" Próximo Texto: Educador central, o baiano Anísio Teixeira tem livro lançado Índice
|