São Paulo, domingo, 11 de fevereiro de 2001 |
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+ sociedade Pesquisadores discutem a possibilidade de fazer previsões científicas sobre acontecimentos futuros A matemática e as ciências sociais
Newton da Costa Francisco Antonio Doria especial para a Folha
Num artigo recente, "O Padrão
Invisível" (Mais!, 28/1/2001),
Mark Buchanan parece dizer
que não tem jeito, os fatos sociais são imprevisíveis e indescritíveis,
mesmo se usarmos para tal a mais poderosa das matemáticas. Mas não é bem assim.
Consideremos três exemplos:
Quem trabalha com o marketing eleitoral sabe que, no Brasil, as campanhas
presidenciais sempre começam com o
eleitorado dividido em três partes: um
terço à direita, um terço à esquerda e um
terço indeciso. Nas campanhas busca-se
o voto desses indecisos. Mas atenção: esse é um voto conservador. Mais vale deixar tudo como está, mesmo se as coisas
estão ruins, do que fazer mudanças que
podem piorar tudo (querem ler a respeito? Há um texto clássico, "A Escolha do
Povo", de Paul Lazarsfeld, publicado na
década de 40; e o mesmo vale também
para as eleições americanas).
Outro exemplo. Consideremos uma
assembléia de 500 pessoas, em que os votos individuais se dispersam de modo
aleatório. Um grupo coeso, de uns 20
participantes, conseguirá determinar 9
entre 10 votações nesta assembléia, votando sempre em bloco, segundo os seus
interesses (temos aqui um fenômeno estatístico, e para sua análise formal se exige alguma sofisticação matemática).
Epidemias acontecem em ciclos. Tal fato foi modelado matematicamente no
começo do século 20 por Alfred Lotka,
um químico alemão radicado nos EUA, e
Vito Volterra, matemático italiano. Foram os resultados nada óbvios do trabalho de Lotka e Volterra que levaram à
teoria por trás das campanhas periódicas
de vacinação para o controle das epidemias (você pensa que se fazem tais campanhas para imunizar cada indivíduo
vacinado? Não, porque isso é impossível.
O objetivo é a chamada "cobertura vacinal" da população).
O primeiro exemplo é simples e não
exige, para que o compreendamos bem,
nenhuma sofisticação intelectual além
do bom senso. Não é o caso dos outros
dois, nos quais se pedem conhecimentos
de estatística e de cálculo infinitesimal
para sua compreensão.
Podemos levar além a sofisticação, no
estudo dos modelos matemáticos para
sistemas sociais: Gregoire Nicolis e Ilya
Prigogine, num livro publicado em 1977,
"Self-Organization in Nonequilibrium
Systems" (Auto-Organização em Sistemas Longe do Equilíbrio), aplicam o
conceito de "quebra de simetria" a equações como as de Lotka e Volterra e assim
explicam, de modo muito engenhoso, o
surgimento das classes e estratificações
sociais, aí se incluindo a chamada classe
média, tão difícil de definir em ciências
sociais.
As idéias que Buchanan apresenta, à
exceção do estudo de fenômenos críticos
-o caso do monte de areia que despenca se juntamos um grãozinho a mais-,
já se acham, todas, no grande livro de
Lotka, "Elementos de Biologia Física",
publicado em 1924, sobre trabalhos feitos por seu autor, sobretudo, nas duas
décadas anteriores.
Mas a esperança de que, das equações
de Lotka, pudéssemos obter uma teoria
capaz de fazer previsões sobre o futuro
das sociedades, como se idealizou inclusive no ciclo de romances de ficção científica "Fundação", de Isaac Asimov, publicados desde a década de 50 do século
passado, começaram a desmoronar
quando, em 1963, Edward Lorenz descobriu o fenômeno do "caos determinístico": existem sistemas matemáticos determinísticos de comportamento na prática indistinguíveis daquele dos sistemas
aleatórios.
Por que qualificamos e dizemos "na
prática"? Em 1990 os autores deste artigo
mostraram que não existe, no caso geral,
nenhum algoritmo -receita matemática- para determinarmos se um sistema
é caótico ou não. Mais ainda: se formalizarmos axiomaticamente a teoria na
qual se estudam os fenômenos caóticos,
vai existir uma sentença matemática, "X
é um sistema caótico", impossível de
provar ou desprovar dentro do sistema
formal, se este for consistente.
É o fenômeno da incompletude de Gödel no âmbito da teoria do caos.
Newton C.A. da Costa é professor no departamento de filosofia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP e professor de fundamentos da computação e lógica da Unip (Universidade Paulista), autor, entre outros, de "O Conhecimento Científico" (Discurso Editorial). Francisco Antonio Doria é professor na Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro e autor, entre outros, de "Comunicação - Dos Fundamentos a Internet" (Revan). Texto Anterior: Relendo Saul Bellow Próximo Texto: + autores - Robert Kurz: A comercialização da alma Índice |
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