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"Sex and the City" aos 60
Roteirista americana faz texto ágil e bem-humorado sobre dilemas da mulher que envelhece
VANGE LEONEL
COLUNISTA DA FOLHA
Imagine a personagem
Carrie Bradshaw [interpretada por Sarah Jessica
Parker], do seriado "Sex
and the City", aos 60
anos, mais velha e experiente.
Agora, tente imaginá-la escrevendo sobre seus temas prediletos (desejos de consumo, beleza, Nova York e decepções
amorosas) à luz do próprio envelhecimento.
À primeira vista, o livro de
Nora Ephron, "Meu Pescoço É
um Horror", pode parecer um
apanhado de reflexões fúteis de
uma perua nova-iorquina horrorizada por chegar aos 60.
Não é. Ou, pelo menos, não é
só isso.
Ephron é jornalista e roteirista de cinema (indicada ao
Oscar por "Harry e Sally - Feitos um para o Outro", "Silkwood - O Retrato de um Coração" e "Sintonia de Amor"), dona de um texto ágil, bem-humorado e inteligente.
Logo nos primeiros capítulos, quando fala do desgosto
com seu pescoço flácido e do
caos no interior de sua bolsa,
consegue arrancar gargalhadas
com suas tiradas cáusticas.
Leitores mais zelosos da correção política, porém, podem
se irritar com sua rendição a
estereótipos sexistas: ela entende que mulheres da idade
dela "devem" usar bolsa, "precisam" pintar os cabelos, "são
obrigadas" a consumir uma infinidade de cosméticos etc.
Faria bem a Ephron uma
conversinha com outra nova-iorquina sessentona, a roqueira punk Patti Smith, de cabelos
grisalhos, buço charmoso e
aparentemente livre de pressões sexistas.
Mas sejamos justos. Basta
avançar na leitura para constatar que Ephron, ao tentar se
submeter, acaba se atracando
com as supostas "obrigações
estéticas e comportamentais
da mulher que envelhece".
Ela confessa jamais ter usado
bolsas antes dos 40, até que se
deparou com a necessidade de
carregar coisas.
Resolve então comprar bolsas de tipos e tamanhos diferentes, mas não consegue se
adaptar e se revolta. É nesse dilema com os supostos "deveres
de uma perua" que Ephron encontra campo fértil para desenvolver seu humor.
O pós-vida
Quando discorre sobre tratamento de cabelos, ela sarcasticamente conclui que "não precisar mais se preocupar com os
cabelos é o que o pós-vida tem
de bom". Será? Vai ver os ventos celestiais e calores infernais
também deixam os fios ressecados...
Enfim, o inferno são os outros. O que incomoda Ephron é
pertencer a uma cultura que só
leva em conta quem é (ou se parece) jovem.
Desconfortável com a idade,
ela insinua que sua preocupação com juventude e beleza é
fruto das pressões de uma megalópole em que o mercado de
trabalho competitivo exige que
uma mulher de carreira esteja
sempre fresca e bela.
Na medida em que os capítulos avançam, porém, o humor
dá lugar à melancolia. As alfinetadas politicamente incorretas
do início desaparecem. Textos
como o de sua decepção com [o
ex-presidente] Bill Clinton seriam dispensáveis, não pela falta de humor, mas de inspiração.
Quando parte para rememorações quase proustianas, buscando o strudel de repolho desaparecido no tempo, a narrativa fica maçante. No capítulo final, recordando a morte da melhor amiga, em tom assustadoramente sério, porém tocante.
"Meu Pescoço É um Horror"
é um livro desigual. Qual Nora
Ephron é verdadeira? A hilariante cáustica do início ou a
cândida melancólica do final?
Provavelmente, as duas.
E talvez um dos méritos do livro seja exatamente este: expor
a dúbia natureza da piada. A
graça se desfaz, o segredo da
mágica se revela, a lona é desmontada e o palhaço chora sozinho no camarim.
Mas, mesmo tomada da mais
profunda tristeza, Ephron pontua aqui e ali com tiradas espirituosas. Vai ver é assim: de certas coisas é preciso rir para não
chorar.
MEU PESCOÇO É UM HORROR - E OUTROS PAPOS DE MULHER
Autor: Nora Ephron
Tradução: Lia Wyler
Editora: Rocco
Quanto: R$ 26,50 (132 págs.)
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