São Paulo, domingo, 11 de fevereiro de 2007

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"Sex and the City" aos 60

Roteirista americana faz texto ágil e bem-humorado sobre dilemas da mulher que envelhece

VANGE LEONEL
COLUNISTA DA FOLHA

Imagine a personagem Carrie Bradshaw [interpretada por Sarah Jessica Parker], do seriado "Sex and the City", aos 60 anos, mais velha e experiente. Agora, tente imaginá-la escrevendo sobre seus temas prediletos (desejos de consumo, beleza, Nova York e decepções amorosas) à luz do próprio envelhecimento.
À primeira vista, o livro de Nora Ephron, "Meu Pescoço É um Horror", pode parecer um apanhado de reflexões fúteis de uma perua nova-iorquina horrorizada por chegar aos 60. Não é. Ou, pelo menos, não é só isso.
Ephron é jornalista e roteirista de cinema (indicada ao Oscar por "Harry e Sally - Feitos um para o Outro", "Silkwood - O Retrato de um Coração" e "Sintonia de Amor"), dona de um texto ágil, bem-humorado e inteligente. Logo nos primeiros capítulos, quando fala do desgosto com seu pescoço flácido e do caos no interior de sua bolsa, consegue arrancar gargalhadas com suas tiradas cáusticas.
Leitores mais zelosos da correção política, porém, podem se irritar com sua rendição a estereótipos sexistas: ela entende que mulheres da idade dela "devem" usar bolsa, "precisam" pintar os cabelos, "são obrigadas" a consumir uma infinidade de cosméticos etc. Faria bem a Ephron uma conversinha com outra nova-iorquina sessentona, a roqueira punk Patti Smith, de cabelos grisalhos, buço charmoso e aparentemente livre de pressões sexistas.
Mas sejamos justos. Basta avançar na leitura para constatar que Ephron, ao tentar se submeter, acaba se atracando com as supostas "obrigações estéticas e comportamentais da mulher que envelhece". Ela confessa jamais ter usado bolsas antes dos 40, até que se deparou com a necessidade de carregar coisas.
Resolve então comprar bolsas de tipos e tamanhos diferentes, mas não consegue se adaptar e se revolta. É nesse dilema com os supostos "deveres de uma perua" que Ephron encontra campo fértil para desenvolver seu humor.

O pós-vida
Quando discorre sobre tratamento de cabelos, ela sarcasticamente conclui que "não precisar mais se preocupar com os cabelos é o que o pós-vida tem de bom". Será? Vai ver os ventos celestiais e calores infernais também deixam os fios ressecados... Enfim, o inferno são os outros. O que incomoda Ephron é pertencer a uma cultura que só leva em conta quem é (ou se parece) jovem.
Desconfortável com a idade, ela insinua que sua preocupação com juventude e beleza é fruto das pressões de uma megalópole em que o mercado de trabalho competitivo exige que uma mulher de carreira esteja sempre fresca e bela. Na medida em que os capítulos avançam, porém, o humor dá lugar à melancolia. As alfinetadas politicamente incorretas do início desaparecem. Textos como o de sua decepção com [o ex-presidente] Bill Clinton seriam dispensáveis, não pela falta de humor, mas de inspiração. Quando parte para rememorações quase proustianas, buscando o strudel de repolho desaparecido no tempo, a narrativa fica maçante. No capítulo final, recordando a morte da melhor amiga, em tom assustadoramente sério, porém tocante.
"Meu Pescoço É um Horror" é um livro desigual. Qual Nora Ephron é verdadeira? A hilariante cáustica do início ou a cândida melancólica do final? Provavelmente, as duas. E talvez um dos méritos do livro seja exatamente este: expor a dúbia natureza da piada. A graça se desfaz, o segredo da mágica se revela, a lona é desmontada e o palhaço chora sozinho no camarim. Mas, mesmo tomada da mais profunda tristeza, Ephron pontua aqui e ali com tiradas espirituosas. Vai ver é assim: de certas coisas é preciso rir para não chorar.


MEU PESCOÇO É UM HORROR - E OUTROS PAPOS DE MULHER
Autor:
Nora Ephron
Tradução: Lia Wyler
Editora: Rocco
Quanto: R$ 26,50 (132 págs.)



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