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"The Reel Civil War", que acaba de sair nos EUA, estuda como
os filmes de Hollywood retrataram a Guerra Civil americana
Homens gentis, escravos felizes
James McPherson
especial para "The NYT Book Review"
Para aprender história, nada melhor do que um bom filme de
Hollywood." Assim dizia o guia ao
estudo escolar do filme "Shenandoah" (1965), de Andrew McLaglen, sobre a Guerra Civil. Embora o filme relatasse a história de uma família no vale do
Shenandoah, no Estado de Virgínia, foi
rodado no Oregon, para ultraje de muitos habitantes da Virgínia. Quando questionado sobre o local escolhido, o diretor
declarou: "Não existe lugar mais parecido com a Virgínia do que o Oregon".
Para Bruce Chadwick, esse comentário
é uma metáfora que explica o grau de
precisão da maioria dos 800 filmes sobre
a época da Guerra Civil feitos desde 1903:
eles têm tanta semelhança com a realidade histórica quanto o Oregon tem com a
Virgínia. Mais de 600 desses filmes datam da era do cinema mudo, principalmente os anos de 1908-16, em torno das
comemorações do 50º aniversário da
guerra. Com poucas exceções, eram curtas feitos em um ou dois rolos. A grande
exceção foi "O Nascimento de uma Nação" (1915), um enorme avanço técnico e
artístico, que confirmou a fama de D.W.
Griffith como um dos mais importantes
diretores de todos os tempos.
Em "The Reel Civil War", Chadwick,
que leciona história e cinema na Universidade Rutgers, analisa em profundidade
o tratamento dado por Hollywood à
Guerra Civil. Ele apresenta argumentos
convincentes para retratar "O Nascimento de uma Nação" como o exemplo
paradigmático de como o cinema perpetuou mitos sobre o conflito, pelo menos
até a década de 1960
-mostrando um Sul feito de luar e magnólias,
mansões com pilares
brancos, lindas mulheres,
homens gentis e escravos
felizes, mundo esse que
foi destruído por uma
guerra na qual os brancos
do Sul perderam tudo exceto sua honra, mas lutaram heroicamente para
superar a espoliação posterior por políticos oportunistas vindos do Norte e seus ignorantes peões negros. Uma geração mais tarde, "E o Vento Levou" se tornaria o segundo grande exemplo da versão romantizada do Sul criada por Hollywood.
A maioria dos filmes sobre a Guerra
Civil, nos diz Chadwick, representou o
Sul como o lado oprimido e injustiçado,
fadado à derrota diante do contingente e
dos recursos maiores do Norte industrializado, mas lutando com honra contra sua derrota. Em muitos casos o lado
dos confederados é visto como vítima,
deixando subentendido que o Norte foi o
agressor. Quase nunca se menciona a
realidade histórica -que foram os confederados que iniciaram a guerra, ao disparar contra Fort Sumter.
O tema principal de muitos desses filmes é a reconciliação entre brancos do
Norte e do Sul após a guerra, reconciliação essa frequentemente selada por um
casamento (no caso de "O Nascimento
de uma Nação", dois casamentos) entre
noivo e noiva que estavam em lados
opostos durante a guerra. Ou, de maneira condizente com o tema da "guerra entre irmãos" subjacente a muitos desses
filmes, são dois irmãos (ou, ainda, pai e
filho) que se reconciliam e voltam a fazer
parte de uma só família, grande e feliz.
Esses filmes mostram os dois lados lutando corajosamente pelo que acreditavam ser certo. O fato de que a Confederação tenha combatido pela escravidão e a
destruição dos Estados Unidos como
país unido não pode ser mencionado, já
que isso atrapalharia a reconciliação.
Quando aparecem escravos nesses filmes, eles ou são crioulos despreocupados e confiantes na sorte ou amas-de-leite obesas. Enquanto isso, os escravos libertos são retratados como selvagens agressivos
ou parvos idiotas. "O Nascimento de uma Nação"
foi o pior, nesse aspecto. O
retrato que fez da Ku Klux
Klan como um agrupamento de cavaleiros brancos que salvou o Sul das
bestas negras inspirou a
fundação da segunda
Klan, uma força poderosa
a favor da intolerância na
década de 1920.
"O Nascimento de uma Nação" foi um
dos maiores sucessos de bilheteria de todos os tempos, tendo sido visto por 200
milhões de pessoas nos Estados Unidos e
no exterior, entre 1915 e 1946. Chadwick
exagera muito pouco quando o descreve
como "um filme abertamente racista que
caluniou os negros americanos de maneira pública e notória, ajudando a criar
uma divisão racial que perduraria por
gerações".
Além disso, diz ele, "as impressões digitais de "O Nascimento de uma Nação"
estão presentes por toda a parte em "E o
Vento Levou'". Uma colegial de Atlanta
assistiu ao filme de Griffith uma dúzia de
vezes e encenou sua própria peça amadora baseada nele; o nome dela era Margaret Mitchell. O relato fascinante que
Chadwick faz de como o livro de Mitchell
virou filme mostra que a maioria das cenas sobre uma Ku Klux Klan nobre e negros libertos malévolos foram cortadas
pelo produtor, David O. Selznick.
Os capítulos finais do livro, sobre as décadas passadas desde "E o Vento Levou",
tendem a perder um pouco do foco. Programas de televisão e minisséries recebem tanta atenção quanto filmes -em
alguns casos, até mais. Mesmo o musical
da Broadway "The Civil War", de 1999,
ganha espaço maior do que um filme legítimo sobre a Guerra Civil como "Sublime Tentação" ("Friendly Persuasion",
1956), que Chadwick descreve como
"um dos melhores filmes da época". Outros filmes feitos no pós-Segunda Guerra, como "The Horse Soldiers", são discutidos em poucas linhas. Um dos melhores, "Glória de um Covarde" ("Red
Badge of Courage", 1951), merece apenas
dois parágrafos, enquanto "Raízes"
("Roots"), que não foi nem filme nem algo que tratasse em primeiro lugar da
Guerra Civil, ganha um capítulo inteiro.
Mas o leitor não deve permitir que alguns equívocos menores, sem falar no
trocadilho sem graça do título ("The Reel
Civil War" -"reel" significa rolo, por
exemplo, de filme, mas se pronuncia como "real", verdadeira), diminuam as
qualidades reais deste livro esclarecedor.
James M. McPherson é professor de história na
Universidade Princeton e autor de "Battle Cry of
Freedom - The Civil War Era" (ed. Ballantine).
Tradução de Clara Allain.
The Reel Civil War
366 págs., US$ 27,50
de Bruce Chadwick. Ed. Knopf
(Estados Unidos).
Onde encomendar
Livros em inglês podem ser encomendados, em São Paulo, à
livraria Fnac (tel. 0/ xx/11/
3097-0022) e, no Rio de Janeiro,
à livraria Leonardo da Vinci (tel.
0/xx/ 21/ 533-2237).
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