São Paulo, domingo, 12 de abril de 1998

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PONTO DE FUGA
A pintura e história

JORGE COLI
especial para a Folha

Desde o século 17, largas telas constituíram o gênero pintura de história. As vanguardas de cem anos atrás, que logo se tornariam a arte da modernidade triunfadora, pareciam tê-las definitivamente vencido. Kiefer, de alguma maneira, as traz de volta. Ele as reencontra pela grandeza do formato, provocando impacto violento no espectador; ele evoca uma tradição barroca pelo efeito vertiginoso dos espaços, distinguidos à distância, e pela riqueza da matéria, oferecida ao olhar aproximado; ele incorpora, em seu universo, heróis e mitos, percebendo a história não por meio de uma depuração que se quis modernamente científica, mas na desordem da espessura do tempo, como o fazia a pintura de história. É verdade que este gênero foi claramente celebrante e as celebrações de Kiefer são muito mais misteriosas, mas aquela clareza assinalava também, para uma atenção mais cuidada, seus mistérios ocultos. Kiefer associa à história uma percepção material do tempo e opera como Cronos, criando forma para melhor dissolvê-la, com uma crueldade silenciosa e latente. Nisto, sugere um outro gênero, próprio ao século 18: a pintura de ruínas, sensível ao mesmo tema pelo viés da melancolia. Ou, ainda, sugere Goya, também pintor de história, do tempo, e da humanidade em destroços.

CENTELHA - Muitos maestros ilustres e vozes célebres tropeçaram ao interpretar a música de Rossini. O fluxo espontâneo de sua escrita exige pirotecnias vocais por parte dos cantores que devem possuir, nas óperas bufas, agilidade cênica para fazer face às situações hilariantes dos libretos. Sobretudo, é preciso leveza e brilho que suscitem uma impressão de naturalidade cintilante e consigam, por vezes, atenuar certos defeitos técnicos. Infelizmente, na medíocre, quase amadorística "Cenerentola", que reabriu o Theatro São Pedro, em São Paulo, não havia a menor sombra do espírito rossiniano.

TRASH - Titanic Cameron começou com "Piranha 2", Coppola, com "Dementia 13": filmes de terror modestos e sangrentos permitiram que surgissem alguns dos importantes cineastas atuais. O atual "Eu Sei O Que Vocês Fizeram no Verão Passado" revela um novo diretor, Jim Gillespie. O estilo é muito forte, lembrando Corman no modo de tratar os travellings flexíveis, com economia, gravidade e nenhum estetismo, onde o formato cinemascope é absolutamente necessário. O rigor do estilo faz com que o "slasher movie", por princípio convencional, adquira estatura clássica.


Jorge Coli é historiador da arte.
E-mail: coli@correionet.com.br



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