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Pensador original, maníaco político
O filósofo analítico norte-americano Richard Rorty elogia passagens de
"O Ser e o Nada", mas ataca a tentativa fracassada de fundiro marxismo
com o existencialismo e o apoio dado ao ditador Josef Stálin
PAULO GHIRALDELLI JR.
ESPECIAL PARA A FOLHA
Um dos principais filósofos
norte-americanos, Richard Rorty fala à Folha
sobre seu primeiro contato
com a obra de Jean-Paul Sartre e discute a atualidade de seu pensamento. Ressalta, porém, que "a recusa de
Sartre em romper com o stalinismo
causou um dano real à vida intelectual francesa".
Autor de, entre outros, "A Filosofia e o Espelho da Natureza" (ed. Relume-Dumará), Rorty chamou a
atenção para a filosofia norte-americana mais que qualquer outro filósofo atual, dialogando com Jürgen Habermas, Jacques Derrida e outros.
Lecionou em várias universidades
dos EUA e se aposentou recentemente na cadeira de literatura comparada da Universidade Stanford.
Folha - Seu livro "A Filosofia e o Espelho da Natureza" começa com filosofia analítica, mas, de modo surpreendente, finaliza com várias menções a Sartre. Qual a razão de ter escolhido Sartre? Que tipo de dívida o sr.
tentou pagar ali?
Richard Rorty - O ensaio "O Existencialismo É um Humanismo" teve
um grande impacto sobre mim
quando o li pela primeira vez, quando adolescente. Fiquei impressionado com seu tratamento quase que
freudiano "do viscoso e pegajoso"
em "O Ser e o Nada" e por algumas
de suas ficções mais curtas.
Assim, sempre pensei a respeito de
Sartre como um escritor bem interessante. Mas acho seu último trabalho mais ou menos impenetrável.
Sua tentativa, na "Crítica da Razão
Dialética", de tratar o existencialismo como um "enclave dentro do
marxismo" foi um completo desastre. Nunca fui capaz de atravessar os
obstáculos do seu livro sobre Flaubert ou sobre Genet.
Folha - Seu artigo autobiográfico
"Trótski e as Orquídeas Selvagens"
mostra novamente Sartre, mas nesse
caso o sr. fala sobre política. O que
pensa sobre o Sartre filósofo e o Sartre político?
Rorty - O apoio de Sartre a Stálin
talvez seja mais desculpável do que o
de Heidegger a Hitler, mas não muito mais. Ambos foram egomaníacos
demais para poderem voltar os
olhos aos erros de seus passados e
reconhecê-los como tais. Mas pensadores originais são, freqüentemente, idiotas políticos. As observações de Nietzsche sobre eventos políticos de seu tempo são tão insensatas como as observações de Sartre e
de Heidegger sobre os eventos que
os rodearam. A recusa de Sartre em
romper com o stalinismo causou
um dano real à vida intelectual francesa. Sua atitude desdenhosa em relação a Raymond Aron, por exemplo, é difícil de perdoar.
Folha - O que era o tema "Sartre e os
Estados Unidos" quando o senhor era
um jovem filósofo?
Rorty - Muitos professores americanos de filosofia de minha geração
leram Sartre quando eram jovens e
não raro aconselharam a leitura de
tais escritos a seus alunos.
A recusa de
Sartre em romper com o stalinismo causou um
dano real à vida intelectual francesa
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Mas, mais tarde, aqueles de nós
que encontraram nele coisas interessantes vieram a pensar que, se alguém ensinou Nietzsche e Heidegger, não seria verdadeiramente necessário ensinar Sartre também. A
maioria das boas coisas em Sartre
poderia ser encontrada naquelas
duas outras figuras maiores.
Folha - Mas o que vale ser lido de
Sartre hoje?
Rorty - Há muitas partes de "O Ser
e o Nada" que são brilhantes e ainda
valem ser lidas. Mas o existencialismo nunca foi nada mais do que uma
invenção jornalística (semelhante ao
pós-modernismo, nesse sentido).
Duvido que, daqui há anos, as histórias da filosofia do século 20 usem o
termo existencialismo como uma
classificação. Agrupar Kierkegaard,
Nietzsche, Jaspers, Heidegger e Sartre sob uma mesma rubrica não é algo muito informativo.
Folha - E as relações entre pragmatismo e existencialismo? Vale a pena
falar dessas correntes hoje para os jovens que lidarão com a filosofia de
amanhã?
Rorty - O pragmatismo dispensa as
disputas metafísicas enquanto elas
não fazem nenhuma diferença prática. As figuras tradicionalmente chamadas existencialistas criticam a
metafísica como uma tentativa auto-enganosa de escapar do tempo e do
inesperado. As duas linhas de crítica
da tradição filosófica ocidental se
complementam bem.
Penso que ambas serão vistas pelos historiadores como uma parte de
um longo período de repúdio das
tentativas de "ver as coisas sob o aspecto da eternidade"; um repúdio
que começou com o historicismo de
Hegel e continuou nos dois séculos
seguintes.
Vejo os movimentos intelectuais
chamados existencialismo, pragmatismo e pós-modernismo como três
variedades do combate ao platonismo, do pensamento filosófico não-metafísico. Os mais importantes filósofos associados a tais movimentos -Nietzsche, James, Dewey, Heidegger, Sartre, Derrida e Foucault-
são todos muito importantes para a
leitura. Os indivíduos, por sua vez,
são mais atraídos por alguma versão
do antiplatonismo do que por outra,
mas isso se deve, de um modo mais
geral, às próprias idiossincrasias de
um e de outro leitor, dos interesses
de cada um.
Paulo Ghiraldelli Jr. trabalha no programa
de mestrado e doutorado interdisciplinar da
Universidade São Marcos (SP) e é autor de
"Caminhos da Filosofia" (DPA).
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