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LIVROS
"Beleza em Jogo" mostra como a cultura de exercícios se instala em São Paulo
O culto ao físico
HÉLIO SCHWARTSMAN
especial para a Folha
Movimentar-se sem um objetivo vital, ou seja, fazer exercícios,
não é inato do homem. Ninguém
inseriria um "bug" desses no nosso programa genético. Cada sociedade cria (ou não) padrões para a atividade física segundo elementos de cultura.
A atual veneração pelos exercícios começou a tomar forma nos
anos 20. A glorificação de corpos
jovens por meio do esporte opunha-se à idéia de velhice e decadência personificadas na Primeira Guerra Mundial. No caso específico do Brasil, como mostra Mônica Raisa Schpun em "Beleza em
Jogo", é em São Paulo que esse
movimento se dá de forma mais
acentuada.
Na década de 20, a capital paulista reunia condições privilegiadas para que a idéia de cultura física se instalasse e crescesse. Em
primeiro lugar, o café transferiu
para a cidade uma oligarquia rural endinheirada e disposta a
construir uma imagem de modernidade. Em segundo, existia
uma forte presença de estrangeiros (em 1920, mesmo depois da
"naturalização tácita", eles ainda
representavam 35% da população), que trouxe consigo novas
práticas esportivas, como o futebol (trazido por ingleses e alemães).
O texto de Schpun, apesar de
sua estrutura acadêmica, é agradável e informativo. Citações de
jornais e revistas da época e a reprodução de charges dão um colorido especial. Mas a autora está
particularmente interessada em
mostrar que o esporte é organizado segundo uma lógica extremamente elitista, que se presta a funções de distinção social e de gênero. A demonstração é impecável.
Um exemplo eloquente é o do
Club Athletico Paulistano, reduto
da mais alta burguesia paulistana.
A agremiação tenta por todos os
meios manter o estatuto de amadorismo no futebol (seus jogadores eram recrutados entre os sócios); quando, em 1930, a tendência profissionalizante (que dava
maiores chances aos jogadores de
classes mais baixas) se instala definitivamente, o clube abandona
os estádios.
Como é quase a regra em textos
que abordam a questão dos gêneros, às vezes o feminismo militante ameaça ocupar o lugar do bom
senso. A uma dada altura, a autora parece queixar-se da existência
de categorias separadas para homens e mulheres em competições. Ela analisa, e muito bem,
por sinal, como os homens "se defendem" do surgimento de uma
tenista como Suzanne Lenglen
(1899-1938), que não perdeu nenhum set que disputou entre 1919
e 1926, além de ter conquistado
Wimbledon seis vezes.
Acontece que, em média, os homens são mesmo fisicamente
mais fortes que as mulheres, como mostram os resultados de
competições em que os/as atletas
enfrentam o relógio ou a régua.
Ainda que se possa acusar o caráter ideológico de discursos que
procuram traçar fronteiras "naturais" entre homens e mulheres,
essas fronteiras existem e são, pelo menos no que diz respeito à
força física, naturais, uma vez que
dadas pelo caráter androgênico
da testosterona. Mas já chega. Recaio aqui na mesma prática que
Schpun denunciava. Mas é claro
que nada disso muda os fatos da
natureza.
A autora não fica só na análise
do esporte. Outros temas relevantes para a diferenciação dos gêneros, como a cosmetologia, a moda
e a idéia de beleza, também são
abordados. Descobrem-se aí as
raízes de tendências que perduram até hoje, como a valorização
da esbeltez (a obesidade é identificada à decadência, à burguesia
parasita e inativa) ou a rejeição ao
envelhecimento, principalmente
o envelhecimento feminino, que,
diferentemente do masculino,
não traz consigo nem sequer a
idéia positiva de experiência.
Depois de ver como o exercício
físico se presta às mais nefandas
formas de impostura, o leitor talvez encontre mais uma justificativa para não praticá-lo senão em
caso de vida ou morte e, assim,
agir de modo natural, segundo a
sua programação genética.
A OBRA
Beleza em Jogo - Monica Raisa Schpun. Boitempo Editorial (av.
Pompéia, 1.991, CEP 05023-001,
SP, tel. 0/xx/11/3865-6947). 164
págs. R$ 23,00.
Hélio Schwartsman é formado em filosofia
pela USP.
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