São Paulo, domingo, 12 de outubro de 2008

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max meu amor

Da fuga da corte de Nicolau 2º, na Rússia czarista, até a abertura da primeira loja em Los Angeles, em 1908, Max Factor se tornaria peça decisiva para a evolução da indústria do cinema

Cecil B. de Mille admirou as perucas de Factor, mas disse que não podia comprá-las e sugeriu alugá-las

Com o nome de Pan-Cake devido ao recipiente em forma de panela e à forma de bolo, ele foi sua maior invenção; as mulheres no estúdio o roubavam para uso pessoal

O barbarismo atual do piercing foi precedido na década de 1890 por uma mania de anéis nos mamilos

Margaret Chute/Getty Images
Max Factor demonstra um de seus produtos para a atriz Dorothy Mackaill

JOHN UPDIKE
A feliz história de Max Factor, como é entusiasticamente narrada por Fred E. Basten em "Max Factor - The Man Who Changed the Faces of the World" [Max Factor - O Homem Que Mudou as Faces do Mundo, ed. Arcade, US$ 24,95, R$ 54, EUA], começa, como um filme, em um momento de extrema energia e perigo:
"Em uma noite de inverno em fevereiro de 1904, Max Faktor, com 27 anos, abraçava-se a sua mulher e aos três filhos pequenos em uma floresta russa, mais assustado por sua família, que tinha mantido em segredo por quase cinco anos, do que por causa do vento e da neve ou mesmo dos homens do czar, que se aproximavam chamando seu nome.
Alguns dias antes, Max Faktor era um favorito da família real, estimado pela corte. Agora estava sendo caçado como um fugitivo."
O envolvimento do pequeno ("mal alcançava 1,5 metro") judeu polonês com o czar tinha avançado no ritmo rápido de um conto de fadas. Um dos dez filhos de um operário têxtil nas fábricas de Lodz, ele fora criado por seus irmãos e tinha escassa educação formal.
Aos sete anos, mandaram-no vender laranjas, amendoins e doces no saguão do Teatro da Czarina, em Lodz; mais tarde, disse que foi sua "apresentação ao mundo do faz-de-conta".
Aos oito, trabalhava como auxiliar de farmácia e aprendeu um pouco de química; com apenas nove tornou-se aprendiz do principal peruqueiro e cosmeticista da cidade.
Quatro anos depois estava suficientemente hábil para entrar na equipe do cabeleireiro Anton, de Berlim, e aos 14 tinha se mudado para Moscou, onde trabalhou para Korpo, o cosmeticista da Grande Ópera Imperial Russa.
Em seu 18º aniversário, Faktor foi servir quatro anos no Exército russo; foi escolhido para o corpo hospitalar e assumiu a função de enfermeiro. "Eu não gostava, mas aprendi muito", disse mais tarde.
Dispensado aos 22, abriu uma lojinha no subúrbio moscovita de Riazan, "fabricando e vendendo seus próprios cremes, ruges, fragrâncias e perucas". Segundo Basten, um membro de uma trupe teatral de passagem parou em sua loja a caminho de uma apresentação à família imperial e, "dentro de poucas semanas, o negócio de Max teve um impulso régio em vendas e ele foi adotado pela corte de verão".

Darling da nobreza
Os cortesãos o aprovaram tanto que ele mal tinha tempo para sua loja -"toda a minha atenção foi para suas necessidades individuais, mostrando-lhes como realçar seus pontos positivos e ocultar os menos bons", lembrou.
Os aristocratas pagavam bem e o introduziram em seu mundo luxuoso, mas eram possessivos: ele não podia deixar a corte sem escolta e devia se limitar a breves visitas semanais a sua loja; casou-se às escondidas e gerou três filhos em cinco anos.
Enquanto isso, o anti-semitismo crescia na Rússia. Em 1903, o czar Nicolau 2º "ordenou um sítio aos judeus, que ele tanto temia e detestava, e queimou suas aldeias". Max sonhava com a América, onde um irmão e um tio haviam se estabelecido em St. Louis, às vésperas da Feira Mundial [1904].
Um general amigo notou o humor deprimido do esteticista da corte e, sabendo da família secreta de Max, o ajudou a fugir. Antes de uma consulta ao médico pessoal do general, Max se cobriu de maquiagem amarelada -um toque especial de conto de fadas.
Sua aparência doentia lhe valeu uma recomendação oficial para três meses de recuperação em Karlsbad, cidade termal na distante Boêmia, que os membros da corte costumavam freqüentar. Mas guardas russos o acompanharam, por isso Max sempre fingia mancar; ao claudicar pela praça principal de Karlsbad, quem ele encontraria junto à fonte senão sua mulher, Esther, e seus três filhos!
Em um piscar de olhos, eles desapareceram na floresta boêmia (não russa, como no parágrafo inicial) e, caminhando sobretudo à noite, viajaram "o que pareceram infinitas milhas" -centenas e centenas, devem ter sido, até o litoral mais próximo -"até que chegaram a uma clareira na floresta".
"Diante deles havia um porto, de onde o navio a vapor Molka 3 partiria rumo à América. Max pagou alegremente a passagem. Dinheiro não era problema. Com o passar dos anos, tinha economizado quase US$ 40 mil, que carregava em uma bolsinha." Não havia necessidade de passaportes na época, na grande onda da imigração. Um oficial da alfândega se enganou e escreveu "Factor" em vez de "Faktor".
A América não foi fácil para Max e sua bolsa mágica: seu inglês era inexistente no início e continuou com forte sotaque.
Um sócio de língua inglesa, que o ajudou a montar uma loja na feira de St. Louis, sumiu com o dinheiro; sua mulher, menos de dois anos depois de ter seu quarto filho, caiu morta na rua.

Perucas e bigodes
Ele mandou buscar uma segunda mulher na Rússia, e ela, Helen, depois de lhe dar o quinto rebento, mostrou-se tão temperamental que ele teve de se divorciar.
Mas ele havia aberto uma barbearia em St. Louis que prosperava. Em 1908, casou-se com uma vizinha, Jennie Cook, e rumou para a Califórnia para tentar a sorte fornecendo cosméticos e perucas a um novo tipo de diversão, o cinema.
Naquele tempo faziam-se filmes curtos em toda a Los Angeles, sob os céus sempre azuis, e Max, de sua lojinha próxima ao centro ("Loja Capilar Antisséptica de Max Factor. Perucas sob encomenda. Trabalho de alto nível"), avistou pessoas "assombrosas" passando.
Seguiu-as até um terreno baldio onde estavam encenando e filmando uma briga de bar. Max ficou curioso sobre o que elas tinham no rosto:
"Algumas usavam maquiagem de teatro, enquanto outras usavam preparados feitos por elas mesmas: estranhas misturas de vaselina e farinha, toucinho e amido de milho ou creme frio e páprica. As mais aventureiras chegavam a experimentar pó de tijolo moído com vaselina ou toucinho para conseguir um visual cor de pele."
Essas pastas, aplicadas com três milímetros de espessura, formavam uma máscara que rachava sob a tensão da expressão facial; isso não importava à distância de um teatro ao vivo, mas, nos planos fechados dos filmes, apareciam as menores rachaduras.
Em 1914, trabalhando no laboratório de sua loja, Factor criou "uma pintura teatral em forma de creme, em vez de bastão, de consistência ultrafina, completamente flexível na pele e produzida em 12 tons de gradação precisa".
Os comediantes dos filmes mudos -Charles Chaplin, Buster Keaton, Fatty Arbuckle- foram os primeiros a experimentá-la e "voltaram não apenas para dar a Max sua entusiástica aprovação como para que lhes aplicasse pessoalmente a nova maquiagem".
Depois havia as perucas. Max convenceu Cecil B. de Mille, que estava na cidade dirigindo o western de grande escala "Amor de Índio", de que perucas e acessórios capilares feitos minuciosamente de cabelo humano verdadeiro (135.168 fios amarrados individualmente eram usados em uma peruca média Max Factor, com 60 mil em uma barba e apenas 7 mil em um bigode falso) eram mais fotogênicos que "substitutos ineficazes como palha, estofo de colchão, serragem, musgo, lã, folhas de tabaco e até pêlo de cabra do estofamento do Ford T!".
De Mille admirou as perucas de Factor, mas disse que não podia comprá-las e sugeriu alugá-las. O depósito necessário para garantir as dispendiosas perucas foi objeto de impasse, que Factor, recorrendo não pela última vez a seu bando de filhos úteis, contornou -dispensando o depósito e fazendo De Mille contratar seus três filhos como "pontas" indígenas, pagando-lhes US$ 3 por dia; no fim de cada dia, recolhiam as perucas do pai ou tinham seu pagamento retido.
Em 1916, a Max Factor & Company crescera o suficiente para mudar-se para uma sede maior, no prestigioso edifício Pantages, "no centro de tudo".
Era um sucesso após outro. Como diz Basten -um ex-assistente no departamento de relações públicas da empresa-, Max criou cílios postiços para Phyllis Haver, que estava cansada de receber tortas atiradas no rosto e queria passar para papéis "vamp".

Dinheiro em tubos
Criou uma maquiagem amarela para clarear a pele de Rudolph Valentino, de modo que o ator, que moía os pigmentos para acelerar o processo, pôde escapar de papéis secundários de vilão moreno.
Max conteve a tempestuosa Pola Negri, gritando-lhe em polonês, língua natal de ambos. Quando saturou seu espaço no edifício Pantages, mudou-se para uma nova loja, na rua South Hill, e chamou-a de House of Make-Up [Casa da Maquiagem].
O termo teatral "make-up" (Max sempre insistiu no hífen) fora considerado arriscado, mas, por insistência do filho Frank, passou a usá-lo em seus produtos, e ganhou o mundo.
Esnobado quando visitou os escritórios na Alemanha da Leichner, de cuja maquiagem em bastão ele era um antigo distribuidor nos EUA, Factor passou um telegrama aos filhos: "Comecem a vender maquiagem em tubos", e, claro, os tubos foram mais um sucesso.
Para os esforços suarentos de Douglas Fairbanks, inventou "a primeira maquiagem corporal à prova de transpiração" e também "inventou o inverso -o suor cinematográfico-, simplesmente combinando partes iguais de água e óleo mineral".
Para a produção de "Ben Hur", ele e sua equipe produziram mais de 2.200 litros de maquiagem azeitonada para combinar o exército de pálidos pontas locais com os pontas mais escuros já filmados na Itália.
Max superou o persistente problema do derretimento da pomada labial sob as luzes quentes dos estúdios pressionando firmemente dois polegares no lábio superior da atriz e depois um polegar no lábio inferior, assim criando o sensacional novo visual dos lábios "picados por abelha".
Para Joan Crawford ele criou "the smear" [a gosma].
Parecia não haver limite para os trabalhos que Hollywood podia impor a esse diminuto Hércules. Cada avanço técnico na arte cinematográfica representava um novo problema de maquiagem.
Quando o som chegou, no final dos anos 1920, os microfones "captavam o ruído das lâmpadas de arco de carbono -a iluminação-padrão usada nas filmagens (...) havia 15 anos".
As novas lâmpadas de tungstênio eram silenciosas, mas também muito mais quentes, e forneciam uma luz mais suave. "O antigo filme ortocromático, que fora usado desde o nascimento da indústria do cinema, não era sensível o suficiente para registrar adequadamente os rostos sob a nova iluminação."
Portanto, "o antigo filme foi substituído por filme pancromático, supersensível e mais veloz, mas este fazia os rostos parecerem bem mais escuros, como que na sombra. O novo filme tornou imediatamente obsoletos todos os artigos da linha de maquiagem para cinema da Max Factor".

Batom escuro
Max e Frank trabalharam durante meses para testar e aperfeiçoar uma fórmula totalmente nova em um amplo leque de tons, que refletissem o grau de luz correto exigido pelo novo filme sensível.
Só havia um problema. Como ela fora criada para filme em preto-e-branco, parecia bizarra na vida real. Por exemplo, as atrizes usavam batom marrom-escuro, que no filme parecia vermelho.
Essa nova maquiagem pancromática, Frank admitiu, era "horrorosa de ver" à luz do dia. Por sua invenção, Max Factor recebeu um certificado especial da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas em reconhecimento por sua contribuição à "pesquisa de iluminação incandescente".
Frank lembrou: "Eu nunca havia visto meu pai ao mesmo tempo tão feliz e tão à beira das lágrimas".
O dr. Herbert Kalmus, formado no MIT [Instituto de Tecnologia de Massachusetts], vinha desenvolvendo o filme Technicolor desde 1912.
Sua primeira versão de sucesso em duas cores (verde e vermelho) foi utilizada no longa-metragem de Douglas Fairbanks "O Pirata Negro", em 1926, e sua forma em três cores foi exibida em desenhos da Disney do início dos anos 30 e em um curta de ação de 1934, "La Cucaracha". Todos os que viam Technicolor, incluindo Kalmus e Max, "percebiam que havia algo errado":
"Os cineastas estavam usando a maquiagem pancromática de Max, criada para filmes em preto e branco (...). Apesar de fina e transparente, sua base gordurosa deixava um leve brilho na pele, que refletia as cores ao redor. Se um ator estivesse parado perto de cortinas vermelhas, por exemplo, seu rosto teria um tom vermelho."
Bette Davis, Carole Lombard, Joan Crawford, Greta Garbo, Norma Shearer e Claudette Colbert foram das primeiras estrelas que se recusaram a aparecer sob uma luz tão desfavorável. Talvez Max estivesse pensando nessa rebelião quando desceu de uma calçada e foi atingido por um caminhão de entregas.

Bolo especial
Enquanto ficou acamado, Frank correu entre os laboratórios Factor e a companhia Technicolor e, quando seu pai voltou, apoiado em uma bengala, tinha quase resolvido o problema do reflexo. Basten conta:
"Juntos, aperfeiçoaram a fórmula original até que a maquiagem ficasse mais porosa, permitindo que o ar penetrasse e a pele respirasse. Eles também superaram sua ligeira tendência à granulosidade, de modo que não soltasse partículas depois de aplicada. (...) A nova maquiagem, que os Factors chamaram de série T-D, era em forma sólida. Quando aplicada com uma esponja úmida, oferecia um acabamento fosco transparente enquanto ocultava pequenas imperfeições da pele. O projeto foi de enorme complexidade, como Max admitiu em um comunicado."
O preparado totalmente refinado, com o nome alterado para Pan-Cake, devido ao recipiente em forma de panela e a forma de bolo, talvez tenha sido a maior invenção de Max Factor; não apenas tornou palatável o Technicolor como as mulheres no estúdio o roubavam para seu uso pessoal.
Baseado na percepção espectroscópica de que a pele contém inúmeros tons, mas é "essencialmente uma cobertura translúcida com relativamente pouca cor própria", o Pan-Cake era escuro demais para ser usado à noite.
No início, Max resistiu à demanda popular para que fosse produzido em tons mais claros, dizendo que era feito para o cinema, mas Frank promoveu seu amplo lançamento comercial. "Imediatamente, tornou-se o artigo mais vendido e com maior rapidez da história dos cosméticos", superando todas as 65 imitações que se anunciavam com a agora palavra mágica "cake".
Pouco depois disso, Max estava na Europa com seu filho Davis, aproveitando as oportunidades criadas pelo sucesso internacional de sua empresa, quando recebeu uma ameaça de morte (que modestamente exigia US$ 200; senão...) que o irritou e o fez voltar para casa.
Morreu em sua cama em 1938, aos 61 anos.
A Max Factor & Company não morreu com ele; Frank alterou legalmente seu nome para Max, para suavizar a transição. Sob o novo Max, a empresa forneceu a maquiagem cobre-esverdeada que Margaret Hamilton usou como a Bruxa Má do Oeste em "O Mágico de Oz", assim como a cor dos Munchkins e dos seis que passam correndo na seqüência do Cavalo de uma Cor Diferente.
Para as massas, ele produziu Tru-Color, "o primeiro batom perfeito do mundo (...), que não seca, mas é indelével", que foi testado na Máquina de Beijar -um equipamento com lábios de borracha, uma alavanca e um medidor de pressão.
Mas a idolatria de Basten perde o gás quando seu herói elegante, ambidestro (aplicava maquiagem com qualquer uma das mãos) e quimicamente criativo some da narrativa.
A empresa sobreviveu e desenvolveu maquiagem para televisão, mas seus dias de glória foram na era dourada dos estúdios de cinema, quando as estrelas davam seu apoio a produtos por apenas US$ 1. Seu glamour ajudava Max Factor e vice-versa.
Quando os palácios do cinema do país se esvaziaram e os estúdios cortaram seus custos, os Factor começaram a deixar as fileiras do que havia sido, desde que os meninos de Max se tornaram "índios judeus" para proteger as perucas alugadas, uma firma familiar.
Suas ações entraram no pregão da Bolsa de Nova York no início dos anos 1960, pouco depois que ela adquiriu a empresa francesa Parfums Corday.

Encalhe
Em 1973, esta foi adquirida pelo conglomerado Norton Simon, que dez anos depois foi tomado pela Esmark, que um ano depois se fundiu com a Beatrice Companies, que fez da Max Factor parte de sua divisão International Playtex e mudou sua sede para Connecticut.
Isso deixou encalhado em Hollywood o Max Factor Make-Up Studio, palácio art déco com escritórios, laboratórios e salas de maquiagem (para morenas, louras, ruivas e "moreninhas"), cuja inauguração em 1935, com refletores varrendo o céu e estrelas de Betty Grable a Bela Lugosi assinando um Pergaminho da Fama, foi a coroação da glória de Max Factor.
Hoje o prédio, restaurado, sobrevive como Museu da História de Hollywood de Donelle Dadigan -"construtora imobiliária de Beverly Hills e colecionadora apaixonada de memorabilia de Hollywood".
Mas é claro que nem toda a memorabilia do mundo trará de volta a Hollywood de Max Factor ou (e quem lamentaria?) a inocência de um meio cultural em que a maquiagem era um segredo vergonhoso, associado à prostituição.
Esta biografia destaca sua figura central, isolando-a quase totalmente da história dos cosméticos e da indústria da beleza, temas de grande interesse para historiadores sociais contemporâneos -quase todos mulheres, aliás.
Em "Read My Lips - A Cultural History of Lipstick" [Leia Meus Lábios - Uma História Cultural do Batom, 1998], de Meg Cohen Ragas e Karen Kozlowski, aprendemos que um papiro egípcio mostra uma mulher aplicando ruge nos lábios.
"Inventing Beauty" [Inventando a Beleza, 2004], de Teresa Riordan, indica que, à medida que a fotografia se tornou mais popular, de 1870 a 1900, os cosméticos também, e que, "enquanto a Grande Depressão se aprofundava, as vendas de cosméticos aumentavam constantemente", e que, nos anos 1950 e 60, a proliferação de substâncias sintéticas libertou os cosméticos dos problemas de óleos e solventes naturalmente pegajosos e odoríferos.
Riordan ilustra seu texto com aplicações de produtos de beleza que parecem saídas de um manual de tortura.
"Hope in a Jar - The Making of America's Beauty Culture" [Esperança em um Pote - A Criação da Cultura Americana da Beleza, 1998], de Kathy Peiss, refuta argumentos levantados com veemência pela contracultura dos anos 1960, sobre a manipulação e a banalização das mulheres pela indústria da beleza.
Ao contrário, indica que ela forneceu a multidões de mulheres necessitadas empregos respeitáveis como esteticistas, manicures e vendedoras, assim como permitiu que algumas empresárias, como Elizabeth Arden e Helena Rubinstein e as afro-americanas Annie Turnbo Malone e Madame C.J. Walker, que fabricavam produtos de tratamento capilar, liderassem empresas de sucesso.
Max, segundo Peiss, tornou-se um fator nessa indústria dominada por mulheres ao evitar o ar de dândi afeminado ligado aos cabeleireiros desde o século 18: "Fotos de Factor o mostram ao mesmo tempo como artista maquiador, químico e uma figura paterna". Para preservar essa imagem solene, seus publicitários o desencorajaram a dar entrevistas, devido a seu forte sotaque. O livro de Sally Pointer "The Artifice of Beauty" [O Artífice da Beleza, 2005] oferece uma história ampla e profunda dos cosméticos, remontando aos primeiros vestígios pré-históricos de ocre encontrados em tumbas. O leitor termina o livro convencido do incorrigível apetite humano, e particularmente feminino, por artigos que ressaltam a beleza. Pointer cita oito versos muito adequados de George Gascoigne [poeta inglês], em sua sátira de 1576 "The Steele Glas": "Vejam, vejam, elas nunca estão contentes,/ Com Deus, com a bondade, com qualquer ajuda da arte,/ Enrolam seus cachos, com ganchos e com tranças,/ Tingem seus cabelos, com vários truques sutis,/ Tintas e cremes, até que o mais belo rosto se estrague,/ Preenchem, ressaltam, frisam e perfumam:/ Elas se envolvem em almíscar, o bálsamo da natureza,/ E buscam a morte nos pratos mais delicados."

Sabonetes de chumbo
Enquanto Gascoigne escrevia, sua rainha, Elizabeth 1ª, envenenava sua tez com cerussita, um branqueador da pele baseado em chumbo usado na Roma Antiga e redescoberto no Renascimento. A cerussita persistiu no século 18 como ingrediente de poderosos sabonetes, mesmo depois que várias mulheres na moda morreram vítimas de suas toxinas. O barbarismo contemporâneo do piercing (na sobrancelha, na língua, no umbigo) foi precedido na década de 1890 por uma mania de anéis nos mamilos. Um usuário escreveu que "muitas damas se dispõem a suportar a dor passageira em nome do amor". Em nome do amor, e falando de modo geral, as mulheres norte-americanas do início do século 19, superando escrúpulos puritanos impostos por empregadores homens, maridos, editorialistas e legisladores (no Kansas, em 1915, foi apresentada uma lei que tornava ilegal mulheres de menos de 44 anos usarem cosméticos "para criar uma falsa impressão"), começaram a se pintar. Os filmes realçados pela maquiagem Max Factor não eram os únicos culpados, mas ajudaram a legitimar o artifício e suas falsas impressões. Suas imagens enaltecidas falavam às mulheres sobre um ser aperfeiçoado e atingível. Pelo que me lembro, anos atrás, um estudo científico que rastreou eletronicamente os movimentos dos olhos demonstrou que, durante a exibição de um filme, os olhos dos homens na platéia acompanhavam a mulher na tela. Mas os olhos das mulheres faziam o mesmo.

JOHN UPDIKE é escritor, autor do romance "Terrorista" (Companhia das Letras). Este texto foi publicado na "New Yorker". Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves .

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