São Paulo, Domingo, 12 de Dezembro de 1999


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+ 3 questões Sobre a MPB

1. O que já não dá para escutar na MPB?
2. O Brasil vive uma "democracia musical"?
3. A MP3 é a pedra no sapato da indústria fonográfica?
TOM ZÉ
responde

1.
Já sei, espera-se que eu diga que o axé e o pagode são ruins. Atendo à expectativa. A autocomplacência da feitura é indefensável. Mas por que, depois que já se levou à falência o INSS, destruir agora esse "plano de saúde"? O Ministério da Saúde tem outro melhor? A intuição da sociedade tem de criar instrumentos que tais, azeitando articulações, propiciando movimentos físicos necessários à preservação da saúde. Antes que a resistência física sucumba à poluição, aos alimentos nocivos e insuficientes, à pobreza enxertada pela difusão das drogas de mercado aberto -bebida, fumo... Em termos estéticos, se tanto axé já é decepcionante, junto dele está esse rock ruim, "traduzido" e aclimatado, no qual o insosso se encarrega de temperar os frutos. Mas o xis da questão foi cruzado agora em Seattle, com a segregação dos países ricos. Abertamente, sobretaxam sapatos e compram grão de café para exportar café solúvel. Com tais regras de jogo, o axé se transforma numa indústria mais que importante, gera trabalho e riqueza. Na Bahia, enquanto o turismo é responsável por 3,6% do PIB, a música perfaz 4,8%; são 85 mil pessoas vivendo de música no Estado. É uma Petrobras. Por mais malfeitos, o axé e até o rockinho ruim empregam muita gente neste país de desemprego. Mas o pior, esteticamente, é esse tipo de balada americana, soi-disant lírica, com a qual muito compositor se pretende e arroga brasileiro. É um gênero alienado, uma entropia, uma desvitalização lastimosa. Terrível principalmente quando seus advogados falam em "brasilidade", "brasileirismo". Em "brasilioticismo".

2.
Ainda prefiro a política das gravadoras que me alijaram por 20 anos. Ainda prefiro a política da concorrência, que me enterrou vivo em 1970. Prefiro-as ao modelo no qual só o situacionismo e os amigos do poder são executados -no bom sentido, como ressalvaria o chiste profundo. Posso falar com isenção, porque até hoje minhas canções não são executadas pelas rádios com grande frequência.

3.
Na minha gravadora, a Trama, o espírito da direção já fez a homeostase dessas anunciações apocalípticas. Nas conversas com João Marcelo Bôscoli brotam estimulantes formas de presença para quando a MP3 se converter num definitivo uso tecnológico.

LOBÃO
responde
1.
O ideal seria escutar tudo. É essa a proposta: diversidade de informação, de manifestação, de estilos e... como está escrito na última página do meu "Manifesto": "Que não haja mais gêneros".

2.
O país vive uma sombria ditadura cultural, talvez sem precedentes em sua história. Se formos analisar sob o ponto de vista histórico, o regime militar, com a sua truculência e fisionomia de vilão à la Tom Mix, acabou por "deixar vazar" uma série de talentos que, apesar de seriamente perseguidos, conseguiram, por meio de sacrifício e inventividade, burlar o estado de ausência de liberdade de expressão e deixar um legado surpreendente para a cultura do país. Nesse bojo podemos citar, entre tantos, Glauber, Caetano, Chico, Gil, Tom Zé, Macalé, Mutantes etc. Entretanto, nos dias de hoje, temos uma grande produção de coisas novas, bandas, compositores, videomakers, cineastas, poetas, enfim, um verdadeiro mundo à parte de um "mainstream" mais estéril do que três desertos. E como tanta diversidade cultural não vem à tona? Por que essa monocultura que nos envergonha com a sua abrangência e triste tradição nos sufoca de maneira tão "eficaz"? Essa "euforia" dos tais 500 anos de "descobrimento" (conquista feita por uma escória da Europa) seria um excelente momento, não para comemorar (pois não há o que comemorar), e sim refletir sobre tudo o que se passou, para que não se repita a mesma atitude predatória e ufanista que caracteriza o ideário estabelecido. Corremos o risco de sermos um povo maníaco depressivo... Sexista e, ao mesmo tempo, com os maiores índices de impotência do mundo. Evangélicos e, no entanto, anais-aeróbicos! Exportando matéria-prima, bunda e "exotique" primitivista, orgulhosos por sermos o país dos feriadões, do já tão escasso trabalho... Das fortunas de tão poucos e do constrangimento da miséria de todos nós -é impossível ser feliz sozinho!

3.
A MP3 é uma excelente ferramenta para ser usada com criatividade e ética. Precisamos falar mais sobre o assunto, inventar linhas de fuga, construir o drible, acenando com o falso óbvio e enfrentando o antagonista com a certeza de que nada pode deter pessoas felizes com a própria disciplina e com seu trabalho, pois, como dizia Renato Russo: "Disciplina é liberdade!".


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