São Paulo, domingo, 13 de janeiro de 2008

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Memórias da guerra

Ex-número dois da KGB, general aposentado fala à Folha sobre como trabalhou no financiamento de partidos comunistas na América do Sul; Brasil nunca foi uma prioridade

IGOR GIELOW
ENVIADO ESPECIAL A MOSCOU

0 A América Latina foi uma "praça de armas" usada pela União Soviética na Guerra Fria contra os EUA, mas depois da crise dos mísseis de 1962 o conflito tornou-se indireto para evitar a repetição do risco de uma guerra nuclear. Apoio a guerrilhas anti-EUA na América Central, mais para espezinhar Washington do que para implantar o comunismo na região, era o modelo favorito de ação.
Isso só mudou em 1982, quando Moscou tentou fornecer foguetes e imagens de satélite aos argentinos durante o embate com os britânicos após a invasão das Malvinas, mas a operação fracassou. E, apesar de toda a retórica da ditadura militar sobre o perigo comunista, o Kremlin ignorou solenemente os movimentos de esquerda do Brasil entre 1964 e 1985, embora usasse dezenas de agentes baseados no país para espionar os vizinhos.
Quando se despede da reportagem em frente à estação de metrô Pushkinskaia, o autor das afirmações acima parece apenas mais um entre tantos idosos com sobretudo e boina pretos que se equilibram para não escorregar nas calçadas congeladas do centro de Moscou no começo de dezembro.
Mas o general aposentado Nikolai Sergeievitch Leonov é mais do que isso. Aos 79 anos, com expressão clara num espanhol irretocável, ele tem sua trajetória confundida com as quatro últimas décadas da Guerra Fria e da União Soviética. "Era apenas um oficial", diz, com a discrição essencial no ofício de quem foi o número dois do Comitê de Segurança do Estado, conhecido por sua temida inicial em russo, KGB, nos anos finais do comunismo.
Com as credenciais de quem apresentou ao Kremlin os jovens irmãos Raúl e Fidel Castro, e um certo médico argentino que se chamava Ernesto Guevara, Leonov foi o principal especialista em América Latina da instituição de 1956 até 1991 -quando deixou a KGB no posto de segundo homem da hierarquia, que ocupava desde 1983. No fim daquele ano, a União Soviética estava morta. O general se diz um democrata, mas defende o comunismo, dizendo que sua derrocada ocorreu devido a líderes fracos, não ao sistema.
Diplomata iniciante, Leonov conheceu Raúl Castro num navio em 1953, e encontrou Fidel e Che três anos depois no exílio mexicano. Apresentou-os ao poderoso vice-premiê soviético Anastas Mikoian em 1960, iniciando o contato oficial Moscou-Havana, e foi o intérprete de Fidel e Nikita Khruschov na famosa visita do cubano à União Soviética em 1963.
Leonov conversou com a Folha por uma hora e meia em 3 de dezembro, um dia depois da eleição parlamentar que pavimentou o projeto de manutenção de poder do presidente Vladimir Putin, a quem despreza.
Doutor em história e ex-deputado por um partido nacionalista, pretende dedicar-se apenas às aulas no Instituto Estatal de Relações Internacionais de Moscou. "Nunca se sabe o que pode acontecer", afirma, entre uma xícara de chá e outra no seu apartamento em um prédio erguido para altos oficiais na década de 70, na rua Malaia Dimitrovskaia.
No aparador de sua sala, ao lado de uma TV velha de 20 polegadas, há uma pilha de vídeos. Embaixo de todos, "007 - O Amanhã Nunca Morre". Um mestre da espionagem soviética fã de James Bond? "Não sei quem colocou isso aí", desconversa, mantendo a fleuma.

América Latina
"Nós usávamos os países americanos para trabalhar contra os EUA. Nos anos 60, 70 e 80, a América Latina era uma praça de armas, um lugar de onde se organizavam ações contra os EUA. O Brasil não era o melhor lugar para nós, do ponto de vista de inteligência, porque está muito longe dos EUA. O Brasil é um país grande, importante, mas o que nos interessava era o cinturão de países em volta dos EUA. México em primeiro lugar, depois logicamente Cuba, os países centro-americanos, onde sempre houve uma efervescência política: em países como Guatemala, os sandinistas da Nicarágua, o Panamá e a luta pelo canal."
Após a crise dos mísseis de 1962, quando EUA e URSS quase se enfrentaram após Moscou instalar foguetes e ogivas nucleares em território cubano, a idéia de um confronto direto caiu em desuso. Nos anos de Leonid Brejnev (1906-1982) como secretário-geral do PC soviético, a "coexistência pacífica" virou política de Estado que só insinuou uma inflexão na Guerra das Malvinas.

Guerra das Malvinas
Apesar de já ter citado o apoio militar soviético a Buenos Aires em duas entrevistas anteriores (uma em 1998 e outra em 2002), pela primeira vez Leonov detalhou do que se tratava a iniciativa de Moscou -já nos estertores da gestão Brejnev, que morreria no fim de 1982. Com a guerra já iniciada, em março daquele ano o adido soviético na capital argentina procurou o Ministério das Relações Exteriores da junta militar do general Leopoldo Galtieri. "Inicialmente, queríamos fornecer armamentos diretamente, mas os argentinos se recusavam a fazer algo entre governos diretamente. Queriam algo no nível de empresas", afirma Leonov.
Para ele, "os argentinos estavam muito arrogantes, porque achavam que a operação nas Malvinas ia ser fácil". "Contudo, estávamos dispostos a ir muito longe, muito mais do que se pensa. Eles precisavam de mísseis terra-ar, ar-mar e mar-mar, mas não se atreveram a comprar armamento soviético. Então tentamos fornecer imagens de satélite da movimentação britânica no Atlântico, mas acho que eles desconfiaram dos dados que nós enviamos e os contatos morreram", lembra.
Segundo Leonov, o Peru também tentou fornecer material bélico soviético, sem sucesso. O general, que à época era o diretor do Departamento Analítico-Informativo da KGB, afirma que dois motivos levaram a essa posição argentina. "Havia o fator ideológico, eles eram uma ditadura anticomunista. E havia a pressão dos EUA, que eram aliados dos ingleses, mas também apoiaram a junta. Eles perderam tudo: a guerra e o regime."

Brasil
"Em 35 anos de trabalho na inteligência, nunca ouvi nada sobre apoio com dinheiro ou armas a movimentos comunistas no Brasil", conta Leonov, contrariando assim todo o discurso dos militares brasileiros. Os movimentos locais tinham boas conexões com Havana, mas Moscou efetivamente era longe demais. "O Brasil era para nós um país aliado dos EUA, sendo de direita ou de esquerda, como Jango, as relações não se diferenciavam muito. Os contatos que tive com o Brasil, na segunda metade dos anos 70 e no começo dos 80, visavam melhorar as relações econômicas. Nós comprávamos muito cereal dos EUA e os militares brasileiros nos perguntavam: "Por que diabos vocês compram dos EUA? Por que vocês estão financiando o inimigo? Podemos produzir tudo de que precisam, como soja". Fazia sentido, mas nunca entendi por que o negócio não foi para a frente."
O Brasil, diz ele, era ótima fonte de agentes. Quantos? "Não posso falar, obviamente, mas era algo na casa de dezenas, parte sob a cobertura da embaixada soviética, outra parte composta pelos muitos simpatizantes comunistas, políticos, jornalistas e economistas em geral", diz. "Usávamos eles em operações fora, nunca no mesmo país. Então, quando precisávamos de informação do Peru, por muitos anos fechado para nós, utilizávamos um jornalista brasileiro."

O nazista em SC
Houve uma operação importante no Brasil em 1966, quando a KGB recebeu a informação de que Martin Bormann estava em Santa Catarina. Bormann foi o único nazista de alto escalão, secretário particular de Adolf Hitler, presente aos dias finais no bunker de Berlim cujo corpo nunca foi achado. Há relatos de que teria morrido tentando escapar da cidade depois do suicídio do führer em 1945, mas a ausência de provas levou a décadas de especulações -e a América do Sul era um refúgio notório de nazistas.
"Utilizamos um jornalista latino-americano para ir investigar, como se fosse fazer uma reportagem. Foi uma dica falsa, custou essa viagem para buscar informações e muitas outras. Desistimos depois de dois anos", diz Leonov, que diz desconhecer a informação divulgada nos anos 70 de que Bormann poderia ser um agente soviético infiltrado no topo da hierarquia do Terceiro Reich.

O encontro com Raúl
Raúl Castro e Leonov são amigos desde 1953, quando se encontraram durante uma viagem no navio italiano Andrea Gritti, que partira de Gênova em 5 de maio daquele ano com um grupo de estudantes latino-americanos que participaram do Festival da Juventude, na Romênia. Leonov ia para a Cidade do México, onde começaria sua carreira diplomática no exterior com 25 anos. Percebeu que um jovem apelidado de "Pulguita" carregava o livro "Poema Pedagógico", do pai da pedagogia do "novo homem" soviético, Anton Makarenko.
Era Raúl, que estudava direito em Havana e tinha 22 anos. Leonov o ensinou a jogar xadrez e, em troca, aprendeu tênis de mesa. Despediram-se na escala em Havana no dia 5 de junho e, um mês e meio depois, Raúl estava com Fidel e colegas participando do famoso assalto ao quartel de Moncada.
Em 1956, com três anos como terceiro-secretário na embaixada soviética na Cidade do México, Leonov encontrou acidentalmente Raúl numa rua. "Foi uma surpresa", diz. Raúl e os outros do assalto a Moncada haviam sido anistiados pela ditadura de Batista um ano antes e estavam exilados no México, sob intensa vigilância -na realidade, preparavam a volta no barco "Granma" para estabelecer a guerrilha da Sierra Maestra em dezembro daquele ano.

O encontro com Fidel
O primeiro contato de um agente soviético com o hoje ditador convalescente Fidel Castro ocorreu casualmente, cinco meses antes de os 82 revolucionários cubanos embarcarem em direção à Sierra Maestra. "Eu ia tomar um café com o Raúl perto da rua Emparán quando cruzamos com Fidel.
Ele não tinha ainda aquela barba característica, apenas um bigode. Percebi que ele não teve confiança alguma em mim, por ser estrangeiro. Sabe como é, louro na Cidade do México é americano para todo mundo."
Leonov tentou quebrar o gelo pedindo a Fidel uma cópia de seu discurso "A História Me Absolverá", declamado durante seu julgamento pelo assalto ao quartel de Moncada. "Para minha surpresa, ele disse que tinha uma cópia. E tinha, uma edição clandestina pequena, enrolada em papéis de propaganda de leite de magnésia", ri Leonov. "Mas ele só foi confiar em mim em 1960, quando fui com [o vice-premiê soviético Anastas] Mikoian a Havana. Abraçou-me e disse: "agora estou convencido", rindo."

Ernesto e o mito
"Numa tarde, fui visitar Raúl, que estava gripado. Ele morava na rua Emparán, número 49. Era junho de 1956 e levei presentes da embaixada, inclusive uma caixa de charutos cubanos. Ao lado da cama estava um sujeito bem-apessoado, que se apresentou como um médico argentino a serviço de Raúl. Ele disse se chamar Ernesto Guevara, o apelido Che só pegou muito anos depois. Parecia mais entretido com os charutos, mas quando entendeu que eu era soviético e da embaixada, tudo mudou. Passou a fazer um verdadeiro interrogatório. Ele era muito próximo do comunismo em pensamento. Queria saber como a URSS tinha criado uma geração de comunistas, como se extirpa da consciência humana a idéia de propriedade privada."
Animado, Leonov então ofereceu livros a Guevara. "Eu consegui para ele "Tchapaev", de Furmanov, "Um Homem de Verdade", de Boris Polevoi, e "Assim Foi Temperado o Aço", de Nikolai Ostrovski". Só que tudo acabou confiscado pela polícia mexicana, quando eles foram presos pouco depois", lembra. Entre os bens confiscados de Che havia um cartão de visitas de Leonov, o que levou o governo mexicano a "convidar" o soviético a se retirar. Ele foi a Moscou, onde abandonou a diplomacia até ser recrutado pela KGB em 1958.
Morto após ser capturado durante sua errática campanha guerrilheira na Bolívia, Che adorna o imaginário pop globalizado. "Isso só foi possível porque ele morreu. A morte na luta engrandeceu sua figura, ele virou um símbolo eterno de rebelde. É parecido, muito parecido com dom Quixote, com Jesus Cristo. Todos prontos para sacrificar a vida. E Che nunca se importava com a vida física", diz Leonov, que não ficou amigo de Che, mas próximo do argentino até sua morte em 1967.
"Uma vez, Che disse que, se algo de errado ocorresse com a revolução em Cuba, "não me procurem entre os exilados numa embaixada, como ocorreu na Guatemala [onde morava em 1954 e tentou participar da resistência a um golpe patrocinado pela CIA contra o esquerdista Jacobo Arbenz]. Procurem por mim morto'", diz o general, descartando, contudo, que Guevara fosse desequilibrado. "Ao contrário, ele era muito inteligente e calmo."

Comunismo em Cuba
A palavra "socialismo" só apareceu num discurso de Fidel Castro na véspera da invasão da baía dos Porcos por agentes americanos e cubanos no exílio em 1961. Em que momento, então, uma revolução considerada "burguesa" por Moscou passou a interessar ao Kremlin? "Logo após a vitória da revolução, em 1959. O interesse foi mútuo. Para Cuba, era necessário um aliado político e econômico para enfrentar os EUA. E a União Soviética precisava de um aliado político no quintal dos americanos. Teoricamente, a Revolução Cubana era importante porque não havia nenhum soldado ou conselheiro soviético por lá quando ela aconteceu. Então, ela era limpa, não era um confronto direto no começo." E o comunismo de Fidel? "Não, ele nunca foi comunista.
Os EUA criaram o comunismo cubano. Fidel fez sua primeira visita aos EUA, mas não foi recebido. Porém no programa de Fidel, anterior, já estavam todas as sementes de sua luta antiimperialista."

A crise dos mísseis
Para Leonov, foi o momento mais próximo de uma guerra nuclear que o mundo já viveu, mas paradoxalmente ele próprio nunca acreditou no conflito. Sua impressão foi reforçada quando leu toda a correspondência entre o premiê soviético Nikita Khruschov e o presidente americano John Fitzgerald Kennedy para se preparar para a visita de Fidel Castro a Moscou em 1963, na qual foi o intérprete entre os dois líderes. "Eu dizia: "Acalmem-se, companheiros. Cuba é importante, mas o mundo é mais".
Nem Khruschov nem Kennedy queriam isso, as cartas são claras. Nós falávamos: "Os americanos estão histéricos. Nós estamos acostumados a foguetes americanos aqui do lado, na Turquia, os júpiters [mísseis intermediários cuja retirada fez parte do acordo secreto para pôr fim à crise]'". "Estrategicamente, Moscou venceu, apesar de todos dizerem que havia capitulado.
Khruschov perdeu depois, ao ser deposto, e Kennedy, assassinado. Mas veja, Cuba existe até hoje, nem a União Soviética existe mais. Tudo isso é conseqüência da crise", sustenta Leonov, que à época estava no México. "Minha missão era organizar as informações sobre o sul dos EUA, descobrir se havia mobilização militar para uma invasão. Eu tinha dois agentes ótimos, que tinham inclusive acesso a aviões para fazer imagens aéreas."

Cuba hoje
"Eu vi Raúl em dezembro de 2006, conversamos bastante. Os cubanos não estão nem um pouco preocupados com o futuro, estão muito tranqüilos. Fidel está fora há um ano e meio, e o que aconteceu? Os EUA achavam que sem Fidel a ilha iria para o espaço. Nada aconteceu. Perguntei a Raúl e a outros, e todo mundo pareceu muito calmo". Essa é a avaliação, rósea, de Leonov.
Ele a defende: "Em primeiro lugar, o socialismo cubano não é rígido, é muito liberal, em especial na economia. Liberalizaram muitas profissões, como num país capitalista. Estão estudando o modelo chinês. Não há o risco de uma contra-revolução social, como aconteceu aqui na Rússia em 1991-92, mas logicamente algo irá mudar porque não é todo dia que surge um Fidel, uma figura de envergadura política tão grande. A coisa será mais coletiva. Não se vê Raúl como uma figura central, ele divide o trabalho, não faz sombra a ninguém."

Lee Harvey Oswald
Em uma tarde de outubro de 1963, Leonov foi chamado por dois funcionários da embaixada soviética no México, já que era o único por lá que falava algum rudimento de inglês.
"Disseram-me que tinha um americano esquisito pedindo asilo. Eu fui lá e o sujeito estava completamente perturbado, não conseguia nem dizer seu nome direito, tremia, enrolava a língua. Assustei-me quando ele me mostrou uma pistola que escondia sob o casaco. Eu chamei a segurança e disse para ele voltar outro dia. Nunca mais apareceu".
Quase dois meses depois, ele viu o jovem na manchete de um jornal mexicano. Era Lee Harvey Oswald, morto dois dias depois de ser preso, acusado de ter matado o presidente John Kennedy. "Tomei um susto enorme. Claramente ele não tinha condição de dar um tiro daqueles. Foi um bode expiatório, está na cara. Segundo nossas informações, Kennedy foi morto por sua atuação na crise dos mísseis, ou por militares ou por mafiosos cubanos. Ou por ambos", defende Leonov. Oswald tinha efetivamente uma ligação com a União Soviética, tendo emigrado para lá em 1959 e vivido em Minsk (hoje em Belarus) até 1962, quando ganhou fama ao virar o primeiro americano a "re-deserdar".

O ouro de Moscou
Segundo o ex-agente, o "ouro de Moscou" era bem menos abundante do que parecia.
"Sim, havia dinheiro para os PCs de todo o mundo. Mas era um apoio raquítico. Por exemplo, em valores atuais, a verba anual para PCs era algo em torno de US$ 60 mil [R$ 106 mil]. Servia para manter alguns funcionários, no máximo. Nosso interesse maior, de manter um Partido Comunista nos EUA, custava infrutíferos US$ 2 milhões ao ano. Meu encargo era entregar o dinheiro." E como era feita a entrega?
"Basicamente, por malote diplomático. Era dólar limpo, de comércio exterior, de operações bancárias e também dos comunistas soviéticos no exterior -os diplomatas, os jornalistas, os marinheiros, os membros de missões econômicas.
Havia uns 700 mil soviéticos trabalhando no exterior, e todos pagavam suas cotas ao partido, de cerca de 3% do salário. Daria algo como uns US$ 35 milhões ao ano, e praticamente tudo isso ia parar nos PCs. O comunismo era autofinanciado, podemos dizer. Pegávamos as notas, tirávamos cintas de identificação, trocávamos e enviávamos por malote para as embaixadas, mas nunca usávamos diplomatas para distribuir, seria burro".

Chávez e os militares
Leonov tem simpatia pelas causas públicas de Chávez, mas desconfia de seus planos. "Vi que ele perdeu o referendo, mas foi de 51% a 49%, então agora ele terá que corrigir sua política interna. Não sei o que é o tal socialismo do século 21. Chávez terá de confrontar os EUA em algum momento, porque tem petróleo, e a cada ano o perigo para Chávez será maior.
Mesmo que entregue tudo no prazo, basta ele sugerir coisas como fez recentemente, pedindo a exclusão do dólar da cotação do petróleo, para algo acontecer", disse. "O problema estratégico de Chávez não é comprar armamento russo, mas mudar a mentalidade militar. Como se sabe, mesmo hoje os militares são importantes, e na Venezuela eles são formados na escola americana. Antigamente, derrubavam governos -Jango, Allende, todos. É preciso entendê-los. Em 1973, nós quase vendemos armamentos a Pinochet [que era o comandante das Forças Armadas antes de tomar o poder no Chile], o comboio de três barcos já estava no mar quando Fidel me avisou que haveria um golpe. "Amanhã vão usar nossas armas contra o Palácio de la Moneda", disse a Moscou. Foi por pouco."

A Rússia de Putin
Em 2003, o general voltou à vida pública ao eleger-se deputado pelo partido Rodina, nacionalista. Via com simpatia as inclinações nacionalistas de Vladimir Putin. "Nunca vi Putin, apesar de dizerem que fui seu mentor. Mas ele foi se mostrando negativo. Não é um ditador, não tem talento para isso, mas alguém que cumpre o que a classe dominante diz", afirma.
Em 2006, o Rodina fundiu-se a dois partidos e passou a apoiar abertamente o Kremlin, fazendo Leonov desistir da carreira política ao fim do mandato, em 2007. Para ele, Putin repete o erro de Brejnev não fazendo investimento produtivo do dinheiro auferido com o preço alto do petróleo e do gás. "Nos anos 70, em vez de modernizar a economia, o Politburo fez um crime, construindo palácios caríssimos em todos os lugares para o partido. Agora investimos em papéis que podem perder o valor amanhã e não teremos nada com que competir, só armas atômicas."


NA INTERNET - Leia a íntegra desta entrevista em www.folha.com.br/080101


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