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Memórias da guerra
Ex-número dois da KGB, general aposentado fala à Folha sobre como trabalhou no financiamento de partidos comunistas na América do Sul; Brasil nunca foi uma prioridade
IGOR GIELOW
ENVIADO ESPECIAL A MOSCOU
0
A
América Latina foi
uma "praça de armas" usada pela
União Soviética na
Guerra Fria contra
os EUA, mas depois da crise
dos mísseis de 1962 o conflito
tornou-se indireto para evitar a
repetição do risco de uma guerra nuclear. Apoio a guerrilhas
anti-EUA na América Central,
mais para espezinhar Washington do que para implantar
o comunismo na região, era o
modelo favorito de ação.
Isso só mudou em 1982,
quando Moscou tentou fornecer foguetes e imagens de satélite aos argentinos durante o
embate com os britânicos após
a invasão das Malvinas, mas a
operação fracassou. E, apesar
de toda a retórica da ditadura
militar sobre o perigo comunista, o Kremlin ignorou solenemente os movimentos de esquerda do Brasil entre 1964 e
1985, embora usasse dezenas
de agentes baseados no país para espionar os vizinhos.
Quando se despede da reportagem em frente à estação de
metrô Pushkinskaia, o autor
das afirmações acima parece
apenas mais um entre tantos
idosos com sobretudo e boina
pretos que se equilibram para
não escorregar nas calçadas
congeladas do centro de Moscou no começo de dezembro.
Mas o general aposentado
Nikolai Sergeievitch Leonov é
mais do que isso. Aos 79 anos,
com expressão clara num espanhol irretocável, ele tem sua
trajetória confundida com as
quatro últimas décadas da
Guerra Fria e da União Soviética. "Era apenas um oficial", diz,
com a discrição essencial no
ofício de quem foi o número
dois do Comitê de Segurança
do Estado, conhecido por sua
temida inicial em russo, KGB,
nos anos finais do comunismo.
Com as credenciais de quem
apresentou ao Kremlin os jovens irmãos Raúl e Fidel Castro, e um certo médico argentino que se chamava Ernesto
Guevara, Leonov foi o principal
especialista em América Latina
da instituição de 1956 até 1991
-quando deixou a KGB no
posto de segundo homem da
hierarquia, que ocupava desde
1983. No fim daquele ano, a
União Soviética estava morta.
O general se diz um democrata,
mas defende o comunismo, dizendo que sua derrocada ocorreu devido a líderes fracos, não
ao sistema.
Diplomata iniciante, Leonov
conheceu Raúl Castro num navio em 1953, e encontrou Fidel
e Che três anos depois no exílio
mexicano. Apresentou-os ao
poderoso vice-premiê soviético Anastas Mikoian em 1960,
iniciando o contato oficial
Moscou-Havana, e foi o intérprete de Fidel e Nikita Khruschov na famosa visita do cubano à União Soviética em 1963.
Leonov conversou com a Folha por uma hora e meia em 3
de dezembro, um dia depois da
eleição parlamentar que pavimentou o projeto de manutenção de poder do presidente Vladimir Putin, a quem despreza.
Doutor em história e ex-deputado por um partido nacionalista, pretende dedicar-se
apenas às aulas no Instituto Estatal de Relações Internacionais de Moscou. "Nunca se sabe
o que pode acontecer", afirma,
entre uma xícara de chá e outra
no seu apartamento em um
prédio erguido para altos oficiais na década de 70, na rua
Malaia Dimitrovskaia.
No aparador de sua sala, ao
lado de uma TV velha de 20 polegadas, há uma pilha de vídeos.
Embaixo de todos, "007 - O
Amanhã Nunca Morre". Um
mestre da espionagem soviética fã de James Bond? "Não sei
quem colocou isso aí", desconversa, mantendo a fleuma.
América Latina
"Nós usávamos os países
americanos para trabalhar contra os EUA. Nos anos 60, 70 e
80, a América Latina era uma
praça de armas, um lugar de
onde se organizavam ações
contra os EUA. O Brasil não era
o melhor lugar para nós, do
ponto de vista de inteligência,
porque está muito longe dos
EUA. O Brasil é um país grande,
importante, mas o que nos interessava era o cinturão de países em volta dos EUA. México
em primeiro lugar, depois logicamente Cuba, os países centro-americanos, onde sempre
houve uma efervescência política: em países como Guatemala, os sandinistas da Nicarágua,
o Panamá e a luta pelo canal."
Após a crise dos mísseis de
1962, quando EUA e URSS quase se enfrentaram após Moscou
instalar foguetes e ogivas nucleares em território cubano, a
idéia de um confronto direto
caiu em desuso. Nos anos de
Leonid Brejnev (1906-1982)
como secretário-geral do PC
soviético, a "coexistência pacífica" virou política de Estado
que só insinuou uma inflexão
na Guerra das Malvinas.
Guerra das Malvinas
Apesar de já ter citado o
apoio militar soviético a Buenos Aires em duas entrevistas
anteriores (uma em 1998 e outra em 2002), pela primeira vez
Leonov detalhou do que se tratava a iniciativa de Moscou -já
nos estertores da gestão Brejnev, que morreria no fim de
1982. Com a guerra já iniciada,
em março daquele ano o adido
soviético na capital argentina
procurou o Ministério das Relações Exteriores da junta militar do general Leopoldo Galtieri. "Inicialmente, queríamos
fornecer armamentos diretamente, mas os argentinos se recusavam a fazer algo entre governos diretamente. Queriam
algo no nível de empresas",
afirma Leonov.
Para ele, "os argentinos estavam muito arrogantes, porque
achavam que a operação nas
Malvinas ia ser fácil". "Contudo, estávamos dispostos a ir
muito longe, muito mais do que
se pensa. Eles precisavam de
mísseis terra-ar, ar-mar e mar-mar, mas não se atreveram a
comprar armamento soviético.
Então tentamos fornecer imagens de satélite da movimentação britânica no Atlântico, mas
acho que eles desconfiaram dos
dados que nós enviamos e os
contatos morreram", lembra.
Segundo Leonov, o Peru
também tentou fornecer material bélico soviético, sem sucesso. O general, que à época era o
diretor do Departamento Analítico-Informativo da KGB,
afirma que dois motivos levaram a essa posição argentina.
"Havia o fator ideológico, eles
eram uma ditadura anticomunista. E havia a pressão dos
EUA, que eram aliados dos ingleses, mas também apoiaram a
junta. Eles perderam tudo: a
guerra e o regime."
Brasil
"Em 35 anos de trabalho na
inteligência, nunca ouvi nada
sobre apoio com dinheiro ou
armas a movimentos comunistas no Brasil", conta Leonov,
contrariando assim todo o discurso dos militares brasileiros.
Os movimentos locais tinham
boas conexões com Havana,
mas Moscou efetivamente era
longe demais. "O Brasil era para nós um país aliado dos EUA,
sendo de direita ou de esquerda, como Jango, as relações não
se diferenciavam muito. Os
contatos que tive com o Brasil,
na segunda metade dos anos 70
e no começo dos 80, visavam
melhorar as relações econômicas. Nós comprávamos muito
cereal dos EUA e os militares
brasileiros nos perguntavam:
"Por que diabos vocês compram
dos EUA? Por que vocês estão
financiando o inimigo? Podemos produzir tudo de que precisam, como soja". Fazia sentido, mas nunca entendi por que
o negócio não foi para a frente."
O Brasil, diz ele, era ótima
fonte de agentes. Quantos?
"Não posso falar, obviamente,
mas era algo na casa de dezenas, parte sob a cobertura da
embaixada soviética, outra parte composta pelos muitos simpatizantes comunistas, políticos, jornalistas e economistas
em geral", diz. "Usávamos eles
em operações fora, nunca no
mesmo país. Então, quando
precisávamos de informação
do Peru, por muitos anos fechado para nós, utilizávamos um
jornalista brasileiro."
O nazista em SC
Houve uma operação importante no Brasil em 1966, quando a KGB recebeu a informação
de que Martin Bormann estava
em Santa Catarina. Bormann
foi o único nazista de alto escalão, secretário particular de
Adolf Hitler, presente aos dias
finais no bunker de Berlim cujo
corpo nunca foi achado. Há relatos de que teria morrido tentando escapar da cidade depois
do suicídio do führer em 1945,
mas a ausência de provas levou
a décadas de especulações -e a
América do Sul era um refúgio
notório de nazistas.
"Utilizamos um jornalista latino-americano para ir investigar, como se fosse fazer uma reportagem. Foi uma dica falsa,
custou essa viagem para buscar
informações e muitas outras.
Desistimos depois de dois
anos", diz Leonov, que diz desconhecer a informação divulgada nos anos 70 de que Bormann
poderia ser um agente soviético
infiltrado no topo da hierarquia
do Terceiro Reich.
O encontro com Raúl
Raúl Castro e Leonov são
amigos desde 1953, quando se
encontraram durante uma viagem no navio italiano Andrea
Gritti, que partira de Gênova
em 5 de maio daquele ano com
um grupo de estudantes latino-americanos que participaram do Festival da Juventude, na
Romênia. Leonov ia para a Cidade do México, onde começaria sua carreira diplomática no
exterior com 25 anos. Percebeu
que um jovem apelidado de
"Pulguita" carregava o livro
"Poema Pedagógico", do pai da
pedagogia do "novo homem"
soviético, Anton Makarenko.
Era Raúl, que estudava direito em Havana e tinha 22 anos.
Leonov o ensinou a jogar xadrez e, em troca, aprendeu tênis de mesa. Despediram-se na
escala em Havana no dia 5 de
junho e, um mês e meio depois,
Raúl estava com Fidel e colegas
participando do famoso assalto
ao quartel de Moncada.
Em 1956, com três anos como terceiro-secretário na embaixada soviética na Cidade do
México, Leonov encontrou acidentalmente Raúl numa rua.
"Foi uma surpresa", diz. Raúl e
os outros do assalto a Moncada
haviam sido anistiados pela ditadura de Batista um ano antes
e estavam exilados no México,
sob intensa vigilância -na realidade, preparavam a volta no
barco "Granma" para estabelecer a guerrilha da Sierra Maestra em dezembro daquele ano.
O encontro com Fidel
O primeiro contato de um
agente soviético com o hoje ditador convalescente Fidel Castro ocorreu casualmente, cinco
meses antes de os 82 revolucionários cubanos embarcarem
em direção à Sierra Maestra.
"Eu ia tomar um café com o
Raúl perto da rua Emparán
quando cruzamos com Fidel.
Ele não tinha ainda aquela barba característica, apenas um bigode. Percebi que ele não teve
confiança alguma em mim, por
ser estrangeiro. Sabe como é,
louro na Cidade do México é
americano para todo mundo."
Leonov tentou quebrar o gelo pedindo a Fidel uma cópia de
seu discurso "A História Me
Absolverá", declamado durante seu julgamento pelo assalto
ao quartel de Moncada. "Para
minha surpresa, ele disse que
tinha uma cópia. E tinha, uma
edição clandestina pequena,
enrolada em papéis de propaganda de leite de magnésia", ri
Leonov. "Mas ele só foi confiar
em mim em 1960, quando fui
com [o vice-premiê soviético
Anastas] Mikoian a Havana.
Abraçou-me e disse: "agora estou convencido", rindo."
Ernesto e o mito
"Numa tarde, fui visitar Raúl,
que estava gripado. Ele morava
na rua Emparán, número 49.
Era junho de 1956 e levei presentes da embaixada, inclusive
uma caixa de charutos cubanos. Ao lado da cama estava um
sujeito bem-apessoado, que se
apresentou como um médico
argentino a serviço de Raúl. Ele
disse se chamar Ernesto Guevara, o apelido Che só pegou
muito anos depois. Parecia
mais entretido com os charutos, mas quando entendeu que
eu era soviético e da embaixada, tudo mudou. Passou a fazer
um verdadeiro interrogatório.
Ele era muito próximo do comunismo em pensamento.
Queria saber como a URSS tinha criado uma geração de comunistas, como se extirpa da
consciência humana a idéia de
propriedade privada."
Animado, Leonov então ofereceu livros a Guevara. "Eu
consegui para ele "Tchapaev",
de Furmanov, "Um Homem de
Verdade", de Boris Polevoi, e
"Assim Foi Temperado o Aço",
de Nikolai Ostrovski". Só que
tudo acabou confiscado pela
polícia mexicana, quando eles
foram presos pouco depois",
lembra. Entre os bens confiscados de Che havia um cartão de
visitas de Leonov, o que levou o
governo mexicano a "convidar"
o soviético a se retirar. Ele foi a
Moscou, onde abandonou a diplomacia até ser recrutado pela
KGB em 1958.
Morto após ser capturado
durante sua errática campanha
guerrilheira na Bolívia, Che
adorna o imaginário pop globalizado. "Isso só foi possível porque ele morreu. A morte na luta
engrandeceu sua figura, ele virou um símbolo eterno de rebelde. É parecido, muito parecido com dom Quixote, com Jesus Cristo. Todos prontos para
sacrificar a vida. E Che nunca
se importava com a vida física",
diz Leonov, que não ficou amigo de Che, mas próximo do argentino até sua morte em 1967.
"Uma vez, Che disse que, se
algo de errado ocorresse com a
revolução em Cuba, "não me
procurem entre os exilados numa embaixada, como ocorreu
na Guatemala [onde morava
em 1954 e tentou participar da
resistência a um golpe patrocinado pela CIA contra o esquerdista Jacobo Arbenz]. Procurem por mim morto'", diz o general, descartando, contudo,
que Guevara fosse desequilibrado. "Ao contrário, ele era
muito inteligente e calmo."
Comunismo em Cuba
A palavra "socialismo" só
apareceu num discurso de Fidel Castro na véspera da invasão da baía dos Porcos por
agentes americanos e cubanos
no exílio em 1961. Em que momento, então, uma revolução
considerada "burguesa" por
Moscou passou a interessar ao
Kremlin? "Logo após a vitória
da revolução, em 1959. O interesse foi mútuo. Para Cuba, era
necessário um aliado político e
econômico para enfrentar os
EUA. E a União Soviética precisava de um aliado político no
quintal dos americanos. Teoricamente, a Revolução Cubana
era importante porque não havia nenhum soldado ou conselheiro soviético por lá quando
ela aconteceu. Então, ela era
limpa, não era um confronto
direto no começo."
E o comunismo de Fidel?
"Não, ele nunca foi comunista.
Os EUA criaram o comunismo
cubano. Fidel fez sua primeira
visita aos EUA, mas não foi recebido. Porém no programa de
Fidel, anterior, já estavam todas as sementes de sua luta antiimperialista."
A crise dos mísseis
Para Leonov, foi o momento
mais próximo de uma guerra
nuclear que o mundo já viveu,
mas paradoxalmente ele próprio nunca acreditou no conflito. Sua impressão foi reforçada
quando leu toda a correspondência entre o premiê soviético
Nikita Khruschov e o presidente americano John Fitzgerald
Kennedy para se preparar para
a visita de Fidel Castro a Moscou em 1963, na qual foi o intérprete entre os dois líderes.
"Eu dizia: "Acalmem-se,
companheiros. Cuba é importante, mas o mundo é mais".
Nem Khruschov nem Kennedy
queriam isso, as cartas são claras. Nós falávamos: "Os americanos estão histéricos. Nós estamos acostumados a foguetes
americanos aqui do lado, na
Turquia, os júpiters [mísseis
intermediários cuja retirada
fez parte do acordo secreto para pôr fim à crise]'".
"Estrategicamente, Moscou
venceu, apesar de todos dizerem que havia capitulado.
Khruschov perdeu depois, ao
ser deposto, e Kennedy, assassinado. Mas veja, Cuba existe
até hoje, nem a União Soviética
existe mais. Tudo isso é conseqüência da crise", sustenta
Leonov, que à época estava no
México. "Minha missão era organizar as informações sobre o
sul dos EUA, descobrir se havia
mobilização militar para uma
invasão. Eu tinha dois agentes
ótimos, que tinham inclusive
acesso a aviões para fazer imagens aéreas."
Cuba hoje
"Eu vi Raúl em dezembro de
2006, conversamos bastante.
Os cubanos não estão nem um
pouco preocupados com o futuro, estão muito tranqüilos.
Fidel está fora há um ano e
meio, e o que aconteceu? Os
EUA achavam que sem Fidel a
ilha iria para o espaço. Nada
aconteceu. Perguntei a Raúl e a
outros, e todo mundo pareceu
muito calmo". Essa é a avaliação, rósea, de Leonov.
Ele a defende: "Em primeiro
lugar, o socialismo cubano não
é rígido, é muito liberal, em especial na economia. Liberalizaram muitas profissões, como
num país capitalista. Estão estudando o modelo chinês. Não
há o risco de uma contra-revolução social, como aconteceu
aqui na Rússia em 1991-92, mas
logicamente algo irá mudar
porque não é todo dia que surge
um Fidel, uma figura de envergadura política tão grande. A
coisa será mais coletiva. Não se
vê Raúl como uma figura central, ele divide o trabalho, não
faz sombra a ninguém."
Lee Harvey Oswald
Em uma tarde de outubro de
1963, Leonov foi chamado por
dois funcionários da embaixada soviética no México, já que
era o único por lá que falava algum rudimento de inglês.
"Disseram-me que tinha um
americano esquisito pedindo
asilo. Eu fui lá e o sujeito estava
completamente perturbado,
não conseguia nem dizer seu
nome direito, tremia, enrolava
a língua. Assustei-me quando
ele me mostrou uma pistola
que escondia sob o casaco. Eu
chamei a segurança e disse para
ele voltar outro dia. Nunca
mais apareceu".
Quase dois meses depois, ele
viu o jovem na manchete de um
jornal mexicano. Era Lee Harvey Oswald, morto dois dias depois de ser preso, acusado de
ter matado o presidente John
Kennedy. "Tomei um susto
enorme. Claramente ele não tinha condição de dar um tiro daqueles. Foi um bode expiatório,
está na cara. Segundo nossas
informações, Kennedy foi morto por sua atuação na crise dos
mísseis, ou por militares ou por
mafiosos cubanos. Ou por ambos", defende Leonov.
Oswald tinha efetivamente
uma ligação com a União Soviética, tendo emigrado para lá em
1959 e vivido em Minsk (hoje
em Belarus) até 1962, quando
ganhou fama ao virar o primeiro americano a "re-deserdar".
O ouro de Moscou
Segundo o ex-agente, o "ouro
de Moscou" era bem menos
abundante do que parecia.
"Sim, havia dinheiro para os
PCs de todo o mundo. Mas era
um apoio raquítico. Por exemplo, em valores atuais, a verba
anual para PCs era algo em torno de US$ 60 mil [R$ 106 mil].
Servia para manter alguns funcionários, no máximo. Nosso
interesse maior, de manter um
Partido Comunista nos EUA,
custava infrutíferos US$ 2 milhões ao ano. Meu encargo era
entregar o dinheiro."
E como era feita a entrega?
"Basicamente, por malote diplomático. Era dólar limpo, de
comércio exterior, de operações bancárias e também dos
comunistas soviéticos no exterior -os diplomatas, os jornalistas, os marinheiros, os membros de missões econômicas.
Havia uns 700 mil soviéticos
trabalhando no exterior, e todos pagavam suas cotas ao partido, de cerca de 3% do salário.
Daria algo como uns US$ 35
milhões ao ano, e praticamente
tudo isso ia parar nos PCs. O
comunismo era autofinanciado, podemos dizer. Pegávamos
as notas, tirávamos cintas de
identificação, trocávamos e enviávamos por malote para as
embaixadas, mas nunca usávamos diplomatas para distribuir, seria burro".
Chávez e os militares
Leonov tem simpatia pelas
causas públicas de Chávez, mas
desconfia de seus planos. "Vi
que ele perdeu o referendo,
mas foi de 51% a 49%, então
agora ele terá que corrigir sua
política interna. Não sei o que é
o tal socialismo do século 21.
Chávez terá de confrontar os
EUA em algum momento, porque tem petróleo, e a cada ano o
perigo para Chávez será maior.
Mesmo que entregue tudo no
prazo, basta ele sugerir coisas
como fez recentemente, pedindo a exclusão do dólar da cotação do petróleo, para algo acontecer", disse.
"O problema estratégico de
Chávez não é comprar armamento russo, mas mudar a
mentalidade militar. Como se
sabe, mesmo hoje os militares
são importantes, e na Venezuela eles são formados na escola
americana. Antigamente, derrubavam governos -Jango,
Allende, todos. É preciso entendê-los. Em 1973, nós quase
vendemos armamentos a Pinochet [que era o comandante das
Forças Armadas antes de tomar o poder no Chile], o comboio de três barcos já estava no
mar quando Fidel me avisou
que haveria um golpe. "Amanhã
vão usar nossas armas contra o
Palácio de la Moneda", disse a
Moscou. Foi por pouco."
A Rússia de Putin
Em 2003, o general voltou à
vida pública ao eleger-se deputado pelo partido Rodina, nacionalista. Via com simpatia as
inclinações nacionalistas de
Vladimir Putin. "Nunca vi Putin, apesar de dizerem que fui
seu mentor. Mas ele foi se mostrando negativo. Não é um ditador, não tem talento para isso,
mas alguém que cumpre o que a
classe dominante diz", afirma.
Em 2006, o Rodina fundiu-se
a dois partidos e passou a
apoiar abertamente o Kremlin,
fazendo Leonov desistir da carreira política ao fim do mandato, em 2007. Para ele, Putin repete o erro de Brejnev não fazendo investimento produtivo
do dinheiro auferido com o preço alto do petróleo e do gás.
"Nos anos 70, em vez de modernizar a economia, o Politburo fez um crime, construindo
palácios caríssimos em todos os
lugares para o partido. Agora
investimos em papéis que podem perder o valor amanhã e
não teremos nada com que
competir, só armas atômicas."
NA INTERNET - Leia a íntegra desta
entrevista em
www.folha.com.br/080101
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