São Paulo, domingo, 13 de junho de 2004

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Renato Janine Ribeiro

Quando me convidaram a escrever esta lista, pensei nos "Privilégios" (http://www.1001nuits.com/Nouvelles/
Insolite/stendhal01.htm
), que Stendhal escreveu para prazer próprio, alguns deles delirantes (ficar invisível uma vez por ano) e que começam com um som belíssimo: "Le corps et ce qui en sort, inodore", numa admirável aliteração em "ór". Gosto mais do som que da idéia, porque amo cheiros, inclusive os de quem amo. Tentei traduzir numa aliteração em "ôr", que daria "O corpo ou do corpo? Nada porco!". Mas vamos aos meus sonhos de ação:
1. Reduzir os livros que tenho a apenas cem. Desocupar estantes, dar os que li e não vou reler, os que não li e nunca vou ler. Só entra um livro novo quando sai outro. As memórias dos que li ficam onde devem ficar, na cabeça, porque, afinal, a gente risca os livros, mas quem relê o que riscou? Só que provavelmente nunca terei coragem de fazer essa faxina mental.
2. Alugar um carro num começo de setembro e passar três meses viajando pelos Estados Unidos, só para ver as cores das folhas caindo: de Vermont a Everglades, das Keys, por Nova Orleans e o Grand Canyon, até as Montanhas Rochosas, a Califórnia e terminando tudo em Vancouver, já no Canadá.
3. Amar sem medo, com alegria, uma mulher por muitos anos.
4. Ia dizer: ser amado sem medo, com alegria, por uma mulher durante muitos anos. Mas essa não é uma ação minha, e sim de outra pessoa. Não depende de mim. E aí me perguntei o que diferencia a ação da gente e o sonho de receber algo. A pergunta é o que quero fazer, não o que quero ter ou ganhar. Então, o eixo reside no que está a nosso alcance (se é que está!). Então, mudo esse desejo para: ter olho de lince, ágil como um gato, capaz de perceber a qualidade das pessoas com quem venha a me relacionar, no amor ou na amizade. Avalio bem as obras, nem sempre as pessoas. Já errei quanto às últimas.
5. Brincar muito com meu filho, que, aos 4 anos, me ensina muitas coisas.
6. Ouvir boa música. É um de meus maiores prazeres: sou mais da escuta que da visão.
7. Ter boa saúde. Nunca me importei muito com ela e vejo que quem a tem, sobretudo os jovens, não lhe dá a merecida importância. Felizmente, os médicos tomaram conta da mídia e multiplicam as dicas pelo rádio, TV, imprensa. O mundo pode ser mais saudável.
8. Escrever. Sem isso, minha vida fica fraca. Gosto de dar aula (ser professor é um modo de falar mais do que se escuta e isso de maneira mais discreta do que o dentista, que vence todo mundo no superávit da fala sobre a audição), mas, sobretudo, de escrever.
9. Agir. Tem sido essa uma das grandes questões teóricas com que trabalhei nos últimos anos, em filosofia política, em Maquiavel, até mesmo escrevendo sobre televisão. Agora que exerço a diretoria de avaliação da Capes [Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, do Ministério da Educação], vejo a chance de transformar idéias em atos. Essa chance de agir talvez seja boa para qualquer pessoa, mas para quem lida com a teoria política é especialmente importante e, sobretudo, porque acho que o problema do Brasil está na ação que fica travada e que a grande questão hoje é como gerar uma ação que seja inédita, criativa e emancipadora.
10. Ser feliz. Os filósofos dizem que a felicidade, "estado simples e permanente", lembra Rousseau, não se confunde com os picos e vales, excessos e deficiências, que marcam a vida dos prazeres. Não gosto do relativo moralismo que aparece nessa crítica ao prazer, mas ser feliz é sem dúvida uma arte: lutar pelo seu desejo e saber do que abrir mão no mesmo desejo. Sintonia fina.

Renato Janine Ribeiro é professor de ética e filosofia política na USP e autor de "A Universidade e a Vida Atual" (Elsevier-Campus).


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