São Paulo, Domingo, 13 de Junho de 1999
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O neurologista Oliver Sacks conta como foi criada e aprimorada a tabela que classifica elementos químicos da natureza
A história dos elementos

Reprodução
O alquimista Henning Brand reza após descobrir, 1669, o elemento fósforo, em quadro de 1771 do inglês Joseph Wright


OLIVER SACKS

Quando eu era menino, dizia-se que existiam 92 elementos. Eram todos diferentes e podiam combinar-se com outros elementos para formar milhões de compostos. Eram os "blocos básicos dos quais era feito o universo".
Sabia-se, ou desconfiava-se, que existiam parentescos entre alguns deles -o estanho e o chumbo, por exemplo, eram metais mais ou menos moles, fáceis de derreter, enquanto o cobre, a prata e o ouro eram metais "de cunhagem" e podiam ser transformados em lâminas tão finas que transmitiam luz verde ou azul.
Mas acho que nunca me ocorreu que todos os elementos pudessem ser aparentados até que, aos 12 anos de idade, fui ao grande Museu de Ciências, em South Kensington (recém-reaberto após a Segunda Guerra Mundial), e vi uma estante enorme, com o nome "A Tabela Periódica" pendurado no alto da escadaria, com amostras dos elementos organizadas numa grade complexa de "períodos" horizontais e "grupos" verticais. Ver a tabela foi uma das grandes experiências formadoras de minha infância e, com toda a força da sabedoria revelada, me fez enxergar a beleza da ciência. A tabela periódica parecia ser tão econômica e simples: tudo, os 92 elementos, reduzido a dois eixos -e no entanto, ao longo de cada eixo, via-se a sequência ordenada de diferentes propriedades. Pude intuir o profundo conhecimento que fora necessário para construir a tabela; mas, ao mesmo tempo, essa não me pareceu ser algo construído pelo homem, e sim uma realidade criada pela própria natureza.

Átomos, moléculas e confusões

A química começou a deixar para trás suas raízes alquímicas no século 18, em parte com a descoberta de grande número de novos elementos. Entre 1735 e 1826, nada menos do que 40 novos elementos foram acrescentados aos nove conhecidos na Antiguidade (cobre, prata, ouro, ferro, mercúrio, chumbo, estanho, enxofre e carbono) e aos quatro ou cinco descobertos durante a Idade Média (fósforo, arsênio, antimônio, bismuto e zinco). Com a descoberta acelerada de tantos novos elementos, todos os químicos passaram a se defrontar, forçosamente, com determinadas perguntas: quantos elementos existiam? Havia algum limite a seu número (nesse ponto entravam considerações teológicas: será que Deus, em sua divina economia, não teria utilizado o menor número possível de elementos? Ou será que ele, em sua generosidade divina, não teria usado o maior número possível?)? Será que todos os elementos eram aparentados, de alguma maneira? E, se isso fosse fato, como poderiam ser classificados?
Determinados parentescos entre elementos eram reconhecidos: o cloro, o bromo e o iodo -todos coloridos, voláteis e fortemente reativos- pareciam formar uma "família" natural de elementos, os "halogênios". O cálcio, o estrôncio e o bário, os chamados "metais alcalino-terrosos", formavam outra família, a dos metais de um tipo extremamente incomum: leves, moles, facilmente incendiáveis (todos queimavam com chamas brilhantemente coloridas) e intensamente reativos à água.
Em 1817, o químico alemão Dobereiner (amigo e professor de química de Goethe) observou que as massas atômicas dos metais alcalino-terrosos formavam uma série, na qual a massa atômica do estrôncio ficava a meio caminho entre as do cálcio e do bário. Mais tarde, ele descobriu que outras tríades desse tipo -lítio, sódio e potássio; enxofre, selênio e telúrio; cloro, bromo e iodo etc.- formavam sequências semelhantes de massa atômica. E também havia uma espécie diferente de tríades -ferro, cobalto e níquel; ósmio, irídio e platina etc.- nas quais os elementos possuíam propriedades semelhantes, mas massas atômicas quase idênticas.
Uma vez que Dobereiner chamara atenção para sua existência, essas tríades levaram muitos químicos a concluir que a massa atômica deveria representar uma característica fundamental de todos os elementos, relacionada estreitamente, embora de maneira ainda pouco conhecida, a suas propriedades físicas e químicas.
Mas ainda reinava uma confusão extrema com respeito a certos pontos básicos: confusão entre átomos e moléculas (eram as moléculas) de um elemento que estavam fisicamente presentes, mas seus átomos que se envolviam em interações químicas) e confusão sobre os poderes combinatórios (ou valências) dos diferentes átomos -e, em consequência disso, muitas massas atômicas aceitas como fato estavam erradas. O próprio Dalton, criador da hipótese atômica, cometeu erros nesse ponto, supondo, por exemplo, que a fórmula da água fosse HO e não H2O, o que o levou a atribuir ao oxigênio uma massa atômica que era metade do valor correto. A confusão era ainda pior com os compostos mais complexos. Na década de 50, chegaram a ser propostas 20 fórmulas diferentes para o ácido acético.
Boa parte dessa confusão poderia ter sido evitada ainda em 1811, quando Avogadro postulou que volumes iguais de gases (desde que sua temperatura e pressão fossem iguais) continham números iguais de moléculas. Mas as implicações desse princípio levariam mais de 40 anos para ser apreciadas, quando Cannizarro percebeu que ele poderia ser usado para calcular massas atômicas precisas. Finalmente, em 1860, foi realizada em Karlsruhe a primeira conferência internacional de químicos da história, com o objetivo expresso de esclarecer a confusão em torno dos átomos, moléculas, massas atômicas e valências, e a proposta de Cannizarro, apresentada com argumentos belíssimos, foi aceita, levando a um consenso. Finalmente, com massas atômicas corrigidas e uma idéia clara da valência, estava aberto o caminho para uma classificação abrangente dos elementos.
É um exemplo notável de sincronicidade o fato de que ao longo da década seguinte foram criadas nada menos do que seis classificações desse tipo, todas baseadas na descoberta da periodicidade. De Chancourtois, na França, Newlands e Odling, na Inglaterra, Meyer, na Alemanha, Hinrichs, nos EUA, e Mendeleiev, na Rússia, todos observaram que, se os elementos fossem organizados em ordem de massa atômica crescente, tornava-se evidente a existência de uma periodicidade de propriedades químicas e físicas.
O primeiro a dar-se conta disso foi o mineralogista francês De Chancourtois, 18 meses após a reunião de Karlsruhe. Ele o ilustrou, com 24 elementos, inscrevendo os elementos numa hélice traçada na superfície de um cilindro, de modo que os elementos com propriedades semelhantes se encaixassem um debaixo do outro. Mas, por várias razões -uma das principais foi o fato de a "Comptes Rendus" não ter publicado seu diagrama da hélice-, o sistema de De Chancourtois, sua "vis tellurique", foi completamente ignorado. Os quatro outros sistemas periódicos divulgados na década de 1860 tiveram destino semelhante, de modo que hoje falamos em Mendeleiev como o descobridor ou originador único do sistema periódico. Mas não há dúvida de que o sistema de Mendeleiev era de longe o mais abrangente e mais profundamente pesquisado, e que, com sua enorme audácia, ousou traçar previsões detalhadas sobre elementos ainda desconhecidos, coisa que nenhuma das outras classificações se aventurara a fazer.


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