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O neurologista Oliver Sacks conta como foi criada e aprimorada a tabela que
classifica elementos químicos da natureza
A história dos elementos
Reprodução
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O alquimista Henning Brand reza após descobrir, 1669, o elemento fósforo, em quadro de 1771 do inglês Joseph Wright |
OLIVER SACKS
Quando eu era menino, dizia-se que existiam 92 elementos.
Eram todos diferentes e podiam combinar-se com outros elementos para formar milhões de compostos. Eram os "blocos
básicos dos quais era feito o universo".
Sabia-se, ou desconfiava-se, que existiam parentescos entre
alguns deles -o estanho e o chumbo, por exemplo, eram
metais mais ou menos moles, fáceis de derreter, enquanto o
cobre, a prata e o ouro eram metais "de cunhagem" e podiam
ser transformados em lâminas tão finas que transmitiam luz
verde ou azul.
Mas acho que nunca me ocorreu que todos os elementos
pudessem ser aparentados até que, aos 12 anos de idade, fui ao
grande Museu de Ciências, em South Kensington (recém-reaberto após a Segunda Guerra Mundial), e vi uma estante enorme, com o nome "A Tabela Periódica" pendurado no alto da
escadaria, com amostras dos elementos organizadas numa
grade complexa de "períodos" horizontais e "grupos" verticais. Ver a tabela foi uma das grandes experiências formadoras de minha infância e, com toda a força da sabedoria revelada, me fez enxergar a beleza da ciência. A tabela periódica
parecia ser tão econômica e simples: tudo, os 92 elementos,
reduzido a dois eixos -e no entanto, ao longo de cada eixo,
via-se a sequência ordenada de diferentes propriedades. Pude
intuir o profundo conhecimento que fora necessário para
construir a tabela; mas, ao mesmo tempo, essa não me pareceu ser algo construído pelo homem, e sim uma realidade
criada pela própria natureza.
Átomos, moléculas e confusões
A química começou a deixar para trás suas raízes alquímicas
no século 18, em
parte com a descoberta de grande número de novos elementos.
Entre 1735 e 1826, nada menos do
que 40 novos elementos foram
acrescentados aos nove conhecidos na Antiguidade (cobre, prata,
ouro, ferro, mercúrio, chumbo,
estanho, enxofre e carbono) e aos
quatro ou cinco descobertos durante a Idade Média (fósforo, arsênio, antimônio, bismuto e zinco). Com a descoberta acelerada
de tantos novos elementos, todos
os químicos passaram a se defrontar, forçosamente, com determinadas perguntas: quantos elementos existiam? Havia algum limite a seu número (nesse ponto
entravam considerações teológicas: será que Deus, em sua divina
economia, não teria utilizado o
menor número possível de elementos? Ou será que ele, em sua
generosidade divina, não teria
usado o maior número possível?)?
Será que todos os elementos eram
aparentados, de alguma maneira?
E, se isso fosse fato, como poderiam ser classificados?
Determinados parentescos entre
elementos eram reconhecidos: o
cloro, o bromo e o iodo -todos
coloridos, voláteis e fortemente
reativos- pareciam formar uma
"família" natural de elementos,
os "halogênios". O cálcio, o estrôncio e o bário, os chamados
"metais alcalino-terrosos", formavam outra família, a dos metais
de um tipo extremamente incomum: leves, moles, facilmente incendiáveis (todos queimavam
com chamas brilhantemente coloridas) e intensamente reativos à
água.
Em 1817, o químico alemão Dobereiner (amigo e professor de
química de Goethe) observou que
as massas atômicas dos metais alcalino-terrosos formavam uma
série, na qual a massa atômica do
estrôncio ficava a meio caminho
entre as do cálcio e do bário. Mais
tarde, ele descobriu que outras
tríades desse tipo -lítio, sódio e
potássio; enxofre, selênio e telúrio; cloro, bromo e iodo etc.-
formavam sequências semelhantes de massa atômica. E também
havia uma espécie diferente de
tríades -ferro, cobalto e níquel;
ósmio, irídio e platina etc.- nas
quais os elementos possuíam propriedades semelhantes, mas massas atômicas quase idênticas.
Uma vez que Dobereiner chamara atenção para sua existência,
essas tríades levaram muitos químicos a concluir que a massa atômica deveria representar uma característica fundamental de todos
os elementos, relacionada estreitamente, embora de maneira ainda pouco conhecida, a suas propriedades físicas e químicas.
Mas ainda reinava uma confusão extrema com respeito a certos
pontos básicos: confusão entre
átomos e moléculas (eram as moléculas) de um elemento que estavam fisicamente presentes, mas
seus átomos que se envolviam em
interações químicas) e confusão
sobre os poderes combinatórios
(ou valências) dos diferentes átomos -e, em consequência disso,
muitas massas atômicas aceitas
como fato estavam erradas. O
próprio Dalton, criador da hipótese atômica, cometeu erros nesse
ponto, supondo, por exemplo,
que a fórmula da água fosse HO e
não H2O, o que o levou a atribuir
ao oxigênio uma massa atômica
que era metade do valor correto.
A confusão era ainda pior com os
compostos mais complexos. Na
década de 50, chegaram a ser propostas 20 fórmulas diferentes para
o ácido acético.
Boa parte dessa confusão poderia ter sido evitada ainda em 1811,
quando Avogadro postulou que
volumes iguais de gases (desde
que sua temperatura e pressão
fossem iguais) continham números iguais de moléculas. Mas as
implicações desse princípio levariam mais de 40 anos para ser
apreciadas, quando Cannizarro
percebeu que ele poderia ser usado para calcular massas atômicas
precisas. Finalmente, em 1860, foi
realizada em Karlsruhe a primeira
conferência internacional de químicos da história, com o objetivo
expresso de esclarecer a confusão
em torno dos átomos, moléculas,
massas atômicas e valências, e a
proposta de Cannizarro, apresentada com argumentos belíssimos,
foi aceita, levando a um consenso.
Finalmente, com massas atômicas
corrigidas e uma idéia clara da valência, estava aberto o caminho
para uma classificação abrangente
dos elementos.
É um exemplo notável de sincronicidade o fato de que ao longo
da década seguinte foram criadas
nada menos do que seis classificações desse tipo, todas baseadas na
descoberta da periodicidade. De
Chancourtois, na França, Newlands e Odling, na Inglaterra,
Meyer, na Alemanha, Hinrichs,
nos EUA, e Mendeleiev, na Rússia, todos observaram que, se os
elementos fossem organizados em
ordem de massa atômica crescente, tornava-se evidente a existência de uma periodicidade de propriedades químicas e físicas.
O primeiro a dar-se conta disso
foi o mineralogista francês De
Chancourtois, 18 meses após a
reunião de Karlsruhe. Ele o ilustrou, com 24 elementos, inscrevendo os elementos numa hélice
traçada na superfície de um cilindro, de modo que os elementos
com propriedades semelhantes se
encaixassem um debaixo do outro. Mas, por várias razões -uma
das principais foi o fato de a
"Comptes Rendus" não ter publicado seu diagrama da hélice-, o
sistema de De Chancourtois, sua
"vis tellurique", foi completamente ignorado. Os quatro outros
sistemas periódicos divulgados na
década de 1860 tiveram destino
semelhante, de modo que hoje falamos em Mendeleiev como o
descobridor ou originador único
do sistema periódico. Mas não há
dúvida de que o sistema de Mendeleiev era de longe o mais abrangente e mais profundamente pesquisado, e que, com sua enorme
audácia, ousou traçar previsões
detalhadas sobre elementos ainda
desconhecidos, coisa que nenhuma das outras classificações se
aventurara a fazer.
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