São Paulo, Domingo, 13 de Junho de 1999
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Essência do classicismo

MAURICIO PULS
da Redação

Coordenado por Jacó Guinsburg, "O Classicismo" reúne um abrangente painel de ensaios sobre o estilo que marcou a arte ocidental do século 15 ao século 18.
Segundo João Alexandre Barbosa, o classicismo resulta de uma imbricação entre poética e poesia. O artista faz uma releitura da arte precedente, da qual retira os padrões para sua práxis artística. A partir de então, o poeta está "condenado a ver sempre seu trabalho individual à sombra da tradição".
Essa releitura possui dois sentidos: de um lado, valoriza a arte da Antiguidade pagã (Grécia e Roma); de outro, desvaloriza a arte cristã medieval. A metalinguagem clássica tem, portanto, um objetivo preciso: enaltecer a ordem burguesa em formação e criticar a ordem feudal em decomposição.
De fato, o classicismo expressa a ascensão da burguesia no interior da sociedade feudal, como mostra um belo ensaio de Giselle Beiguelman. É uma arte apolínea e objetiva, cujos elementos são o equilíbrio, a harmonia, a serenidade e a clareza. "É o domínio do diurno. Avesso ao elemento noturno, o classicismo quer ser transparente e claro, racional", esclarecem J. Guinsburg e Anatol Rosenfeld.
O clássico se propaga numa série de ondas por artes diversas. O que unifica essa pluralidade estética é, como diz Seincman, o objetivo de exprimir o máximo de significado em um mínimo de significante.
O estilo emerge na arquitetura, no século 15. Fernanda Fernandes analisa cuidadosamente sua gênese, com Brunelleschi e Alberti, e seu apogeu, com Bramante, Rafael, Michelangelo e Palladio, o qual define a beleza a partir da harmonia do todo e das partes, "de modo que os edifícios pareçam um inteiro e acabado corpo".
Não por acaso, o Renascimento converte o corpo humano na medida de todas as coisas, como assinala Annateresa Fabris. Nas artes plásticas, o classicismo começa com Donatello, Masaccio e Mantegna, atinge sua expressão máxima no século 16, com Leonardo, Rafael e Michelangelo, e continua com Guido Reni, Poussin e David. Em oposição à arte da "Idade das Trevas", ele visa refletir o homem e a natureza, "fazendo da imitação o objetivo supremo da arte".
Fabris mostra que essa imitação não busca reproduzir a aparência (o que é), mas a essência (o que deve ser). A beleza clássica é fruto de uma construção em que o artista seleciona, na realidade, só os elementos que se ajustam aos critérios de harmonia e equilíbrio.
No teatro, essa imitação da essência se expandiu no século 17, com Corneille, Moliére e Racine. "A verossimilhança é a regra maior do classicismo", explica João Roberto Faria. O objeto da poesia não é o verdadeiro, mas o verossímil: "Veja-se o quanto Racine modificou certos dados colhidos na história para tornar suas tragédias mais eficazes".
Para realçar o essencial, é preciso eliminar o acessório. Na literatura, o movimento tenta depurar do discurso tudo aquilo que parecia supérfluo, do vocabulário precioso aos excessos dramáticos do barroco, observa Aguinaldo José Gonçalves. A partir da França, o estilo influencia escritores ingleses (Pope), alemães (Goethe e Schiller) e brasileiros (Gonzaga, Claudio Manuel, Basílio da Gama).
O classicismo musical, que surge no século 18, é o tema dos bons estudos de Eduardo Seincman e Lauro Machado Coelho. Seincman indica que, com Haydn e Mozart, a música adquire mais clareza e simplicidade. Esse despojamento melódico e harmônico dá ao ouvinte "a possibilidade de refletir e reconstruir, no tempo mesmo da execução musical, aquilo que já fora anteriormente veiculado".
Com isso, a melodia sofre uma revolução: desenvolve-se a elaboração temática, mediante a qual um tema é reelaborado até converter-se em outro tema. Essa "auto-análise" confere maior densidade significativa à linguagem musical, que ganha independência em relação ao texto.
A coletânea encerra ainda um ensaio admirável de Franklin Leopoldo e Silva sobre filosofia clássica e artigos de Silvana Garcia, Vera Lúcia Felício, Ana Claudia de Oliveira e Kathia Castilho Cunha.



A OBRA
O Classicismo - Organização de Jacó Guinsburg. Ed. Perspectiva (av. Brigadeiro Luís Antônio, 3.025, CEP 01401-000, SP, tel. 011/885-8388). 389 págs. R$ 49,00.




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