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PONTO DE FUGA
O bastão e a bola
JORGE COLI
especial para a Folha
em Nova York
Stephen King transcreve o
mundo. Sua maestria em recriar objetos, pessoas, relações
cotidianas faria dele um grande
escritor realista, uma espécie
de Balzac do século 20. Mas
Stephen King citou uma frase
de Gertrude Stein sobre Los
Angeles: "Não há aqui aqui".
Suas realidades estão num cruzamento incessante e instável.
Elas desovam, no mais das vezes, o sobrenatural. Há muito
que não se tinha um romance
tão perfeitamente construído e
tão belo como seu último livro,
"The Girl Who Loved Tom
Gordon". Ele foge um pouco
dos parâmetros de suas outras
obras. É curto, quase uma novela, em que nada, em verdade,
ultrapassa os limites de uma
explicação racional. Talvez, assim, a obra não tenha encontrado, por parte de seus leitores, os ecos habituais tão unanimemente favoráveis. Também, por conter sua imaginação, o autor revela melhor a
natureza da própria escrita.
Nada é transcendente a ela. O
conto iniciatório de uma menina perdida em perigosa mata,
consolando-se com a adoração
que nutre por um jogador de
beisebol, parte das situações
familiares mais comuns, da
mais banal classe média. Os
momentos terríveis da história
não atuam como metáforas e,
além do que está sendo contado, nada indicam, embora paire sempre uma interrogação
sobre a natureza do divino. A
resposta, no entanto, não escapa do que é vivido pela narração. Ela está dentro das palavras, na imanência de um boné, de um walkman ou de uma
mochila.
JEDI - O tom militarista termina num triunfo "romano", como os que Mussolini podia sonhar. O menino predestinado é sabe-tudo e cheio de si; mais irritante ainda é a sua educação guerreira. Os alienígenas e os robôs são muito mais convincentes como atores do que os humanos. Jar Jar Binks, um anfíbio gozado e simpático, meio rasta, com calças pata-de-elefante, rouba a cena e engendrou a ira de alguns fãs de "Guerra nas Estrelas" (foi lançada, na Internet, uma muito séria "International Society for the Extermination of Jar Jar Binks"). A trama é frouxa e não tem importância nenhuma. Apesar de tudo isso, "Guerra nas Estrelas: Episódio 1 - A Ameaça Fantasma" guarda uma sedução onírica. São maravilhosos os cenários, reais, como o do suntuoso palácio de Caserta, ou inventados por computadores. É fascinante a multiplicação dos seres mais inverossímeis que povoam a galáxia. Existe muita nostalgia nessa curiosa situação narrativa que faz descobrir o início de uma epopéia cinematográfica, há tempos na memória de tanta gente. O filme falha em alguns momentos espetaculares, como a corrida, tão convencional. Mas o velho encanto permanece agindo.
ÉTER - Uma reflexão mais
longa revelaria afinidades e diferenças entre a última obra de
Stephen King e o universo dos
simbolistas. A trama, além dos
contos de fada, lembra Mélisande fugindo na floresta. Mas
são os poderes dos objetos evocados no texto que se sintonizam com as ressonâncias misteriosas obtidas por certos escritores daqueles tempos. Maeterlinck, com algum artifício,
fazia as vibrações fugirem das
palavras em direção a algo que
se queria mais profundo. Em
Stephen King a profundidade
encontra-se na coisa e no dito.
FIN-DE-SIÈCLE - Não há, nesse
"Guerra nas Estrelas", uma luta
do bem contra o mal. É mais uma
questão de alianças, de amigos e
inimigos. Os Jedi concentram uma
essência do bem, mas surgem como solução militar para as intermináveis tramóias políticas de um
parlamento, isto é, para as falhas
da democracia. São samurais solitários capazes de consertar o sistema, com risco de derrapagem da
república para o império, da democracia para a ditadura.
Jorge Coli é historiador da arte.
E-mail: coli20@hotmail.com
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