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Barack DESAFINANDO
EM ENTREVISTA EXCLUSIVA À FOLHA, A JORNALISTA AMERICANA JUDITH MILLER DIZ QUE O CANDIDATO DEMOCRATA COMEÇA A SE COMPLICAR EM SUAS
DECLARAÇÕES E AVALIA QUE A ELEIÇÃO ESTÁ EM ABERTO; PARA ELA, JORNALISTAS DEVEM TER DIREITO A MANTER SUAS FONTES NO ANONIMATO
Toda vez que Obama é
mais específico
em suas ações, ele arrisca alienar parte
de seu eleitorado; acho que
o que veremos
é McCain
forçá-lo cada vez mais
a ser específico
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Alex Brandon - 9.jun.2008/Associated Press
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Barack Obama, candidato do Partido Democrata às eleições presidenciais de 4 de novembro, prepara-se para embarcar em avião em Raleigh
SÉRGIO DÁVILA
DE WASHINGTON
Barack Obama realiza
a primeira campanha presidencial temática desde a do
democrata Jimmy
Carter, em 1976. Toda vez que
foge do tema vago -"mudança"- e é mais específico, mete-se em confusão. Foi o caso
quando resolveu "afinar" sua
posição em relação à Guerra do
Iraque, ao dizer que ouviria os
comandantes militares antes
de tomar decisões.
Quem afirma é a jornalista
Judith Miller, autora de "Germes - Armas Biológicas e a
Guerra Secreta da América"
(com William Broad e Stephen
Engelberg, 2001, lançado no
Brasil pela Ediouro), "One, by
One, by One - Facing the Holocaust" (Um, por Um, por Um
-Encarando o Holocausto, Simon & Schuster, 1990), "Saddam Hussein & the Crisis in
the Gulf" (Saddam Hussein e a
Crise no Golfo, com Laurie
Mylroie, Random House, 1990)
e "God Has Ninety Nine Names - Reporting from a Militant Middle East" (Deus Tem
99 Nomes - Relatando de um
Oriente Médio Militante, Simon & Schuster, 1997).
Para o bem e para o mal, a
jornalista norte-americana de
60 anos, que fez fama nas quase três décadas em que trabalhou no "New York Times", esteve diretamente envolvida nas
principais questões políticas de
seu país na última década, mais
de uma vez como personagem.
No caso mais polêmico, ajudou a vender a tese do presidente George W. Bush da necessidade da invasão do Iraque,
em 2002 e 2003, ao fazer uma
série de reportagens sobre as
supostas armas de destruição
em massa de Saddam Hussein.
No mais recente, em 2005,
passou quase três meses na prisão por se recusar a nomear
uma fonte que revelou a identidade de uma agente da CIA, um
crime federal nos EUA.
Ao sair, passou a militar por
uma lei que proteja a confidencialidade das fontes jornalísticas. Leia abaixo os principais
trechos de sua conversa por telefone com a Folha, de sua casa
de veraneio nos Hamptons, no
litoral de Nova York.
FOLHA - O que a sra. acha que
acontecerá em novembro [quando
ocorrerão as eleições presidenciais
nos EUA]?
JUDITH MILLER - Na verdade, não
gosto de corridas de cavalos (risos). Mas o dinheiro está claramente em Barack Obama.
Não só porque ele é um verdadeiro fenômeno em visibilidade, em comunicação. Ele tem
uma mensagem de esperança
muito vaga, mas que inspira
muitos pessoas e passa muita
credibilidade. O público está
exausto dos republicanos.
A campanha de John McCain
(republicano) é uma confusão.
Ele é um indivíduo admirável,
mas não muito bom de campanha. Além disso, há oito anos
vem fazendo isso, disputando
como independente. E existe o
fato de ele ser o candidato da situação, com a economia desse
jeito. Como é possível um candidato democrata não vencer?
Por outro lado, se aprendi algo sobre campanhas, é que tudo
pode acontecer. Uma nova polêmica pode aparecer, preocupações sobre Obama que não
sabemos ainda ou só sabemos
na superfície... Isso pode mudar completamente o cenário.
Eleições num país democrático são o fenômeno mais imprevisível do mundo.
FOLHA - A sra. falou que as propostas de Obama são vagas. Isso não levará necessariamente à frustração
de fatia dos eleitores, caso eleito?
MILLER - É uma campanha temática, como foi a de Jimmy
Carter [1977-81]. Na época, o
tema era "levar a honestidade
de volta à Casa Branca".
Agora, é "mudança". Toda
vez que Obama é mais específico, ele se mete em problemas
com uma ou outra facção do
Partido Democrata. As declarações recentes dele em relação à
Guerra do Iraque, por exemplo.
É óbvio que ele está vendo
uma virada da situação no Iraque. Não vitória, pois não sei o
que será definido como vitória
lá, mas a violência está caindo, a
escalada está funcionando. O
que Obama sugeriu é que ouviria os comandantes militares
para então tomar sua decisão
sobre quando retirar as tropas
-o que faz sentido, já que ele
não visita o país há dois anos.
Quando sugere isso, começa
a ser comparado a George W.
Bush, o que incendeia o debate,
e ele tem de recuar. Ou seja, cada vez que é mais específico em
suas ações, ele arrisca alienar
parte de seu eleitorado.
Assim, acho que o que veremos é McCain forçá-lo cada vez
mais a ser específico, assim que
o republicano colocar sua casa
em ordem, claro. Isso resultará
numa maior definição de sua
candidatura ou em ajudar o
candidato republicano.
FOLHA - A sra. já decidiu em quem
votará?
MILLER - Barack Obama escreveu um livro muito bom, que é
sua primeira biografia, "Origem dos Meus Sonhos" [ed.
Gente]. Não a segunda, "Audácia da Esperança" [ed. Larousse], já política demais.
É verdadeiro, não sei se outro
político teria coragem de escrevê-lo. Mas não decidi, ainda. A
essa altura posso dizer que estou assistindo e esperando.
FOLHA - Alguns analistas vêem,
em caso de eleição de Obama, o início de uma nova era política nos
EUA, como foi a eleição de John Kennedy, em 1960, ou de Ronald Reagan, em 1980...
MILLER - Se for eleito, é bem
provável que tenha maioria folgada nas duas casas do Congresso. Isso lhe dará muito poder. Por outro lado, pelos pronunciamentos recentes e por suas votações mais recentes, ele não parece ser do tipo revolucionário...
FOLHA - Hillary Clinton reclamou
de que sofreu sexismo durante a
campanha, e Bill Clinton reclamou
da parcialidade da imprensa. A sra.
concorda com o casal?
MILLER - Totalmente, e acho
uma desgraça. Ela era uma das
candidatas mais fortes e com
mais chances de vencer as eleições. Ela limparia a Casa Branca. De início, eu não a apoiava,
mas mudei de opinião ao ver
que ela queria poder político e
sair das asas de Bill Clinton.
E já tinha conseguido isso,
pois não apenas se tornou senadora por Nova York como é
uma das mais populares em um
Estado com eleitores tradicionalmente difíceis.
Mas Hillary foi vítima de preconceito sexual. O que foi dito
sobre ela nunca seria dito sobre
um candidato homem e certamente não sobre um candidato
negro. E como a imprensa manipulou o "fator Bill"?
Ela não podia vencer, porque
ele faria sombra, era um dos argumentos. Ou então, caso ele
sumisse, "onde está Bill, porque ele foi colocado de lado?".
Era impossível. Mas uma verdade deve ser dita: ela estava lutando contra um dos mais carismáticos oradores que esse
país já viu desde John Kennedy. E ela não é uma grande
oradora.
Por fim, comandava uma equipe completamente desajustada...
FOLHA - Desde que saiu da prisão,
em 2005, a sra. milita por uma lei federal que dê ao repórter o direito de
proteger a identidade de suas fontes. Como vai essa batalha?
MILLER - O número de intimações judiciais expedidas a jornalistas para que revelem suas
fontes tem crescido exponencialmente nos EUA. Os promotores perceberam que é muito
mais fácil intimidar os repórteres do que fazerem eles próprias suas investigações.
Isso tem de parar. A discussão sobre se o jornalista tem ou
não direito ao mesmo privilégio de outros profissionais é velha, eu sei.
Mas, se esse país afirma que
advogados não devem testemunhar contra seus clientes, médicos não devem testemunhar
contra seus pacientes e que,
agora, trabalhadores sociais
não são obrigados a testemunhar contra seus clientes, sem contar maridos contra mulheres e vice-versa, isso certamente nos dá o direito [de fazê-lo].
Há uma legislação em andamento no Congresso, mas ela
protege mais a fonte do que o
jornalista. Ainda assim, tenho
trabalhado em tempo integral
para que essa lei seja aprovada.
A Câmara dos Representantes [deputados federais] aprovou a lei por uma margem à
prova de veto presidencial, e o
Senado passou sua versão pela
Comissão de Justiça. Agora esperamos que o Senado a vote.
FOLHA - A série de reportagens que
a sra. fez sobre o suposto programa
de armas de destruição em massa
de Saddam Hussein ajudou o governo Bush a vender ao público a necessidade da invasão ao Iraque. O
"New York Times" publicou posteriormente longa matéria em que se
desculpava publicamente pela qualidade dessas reportagens...
MILLER - Qual é a pergunta?
FOLHA - A imprensa norte-americana se portou muito mal ao ser
acrítica no período pré e imediatamente pós-guerra, não é?
MILLER - Discordo fortemente
da tese de que os repórteres
aceitaram acriticamente as informações que o governo lhes
fornecia. Isso não aconteceu.
Há hoje três investigações independentes que dizem que a
inteligência de que o governo
dispunha na época era falha.
O que nós podíamos fazer então? Pegar as informações dadas pelo governo e dizer: "Discordo totalmente"? Havia uma
discussão legítima sobre se
Saddam tinha ou não armas de
destruição em massa ou se estava atrás de tê-las. Havia uma
discussão legítima sobre se o
Iraque estava ou não ligado ao
ataque do 11 de Setembro.
Culpar o mensageiro nesse caso é buscar um bode expiatório. O país, como um todo, estava aterrorizado. Isso elevou a
números recordes os índices de
aprovação do presidente e os de
apoio à guerra mesmo antes da
invasão. Foi isso que levou o
Congresso a votar em imensa
maioria a autorização do presidente para a guerra.
FOLHA - Mas, ao divulgar inteligência falha, os jornais contribuíram
para o estado geral.
MILLER - Mas havia muito poucas pessoas contestando essa
inteligência. Dizer que fomos
ingênuos é descaracterizar o
que aconteceu. Ainda há muito
ressentimento em relação à
guerra e a esse governo para
termos uma discussão isenta.
Mas não vale reescrever a
história e dizer que deveríamos
ter sido mais céticos. Fui tão
cética quanto os fatos e minhas
fontes permitiam. Já disse e repito: nós, jornalistas, somos tão
bons quanto nossas fontes.
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