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O economista britânico John Gray fala
sobre a flexibilização dos mercados de
trabalho e sobre o atual estágio do capitalismo
Uma nova balança de poderes
José Galisi Filho
especial para a Folha
Ao entender o atual estágio do capital como uma
"religião civil mundial americana", o economista britânico John Gray, 52, parece reconhecer na vocação fáustica do turbocapitalismo
-expressão do historiador americano Edward Luttwak, para designar a aceleração integral do mercado
sem nenhuma barreira protecionista, salvo a lógica pura da concorrência-, uma aposta em que todos, sem
exceção, saem perdendo no fim. E, ao contrário de organizações como o Fundo Monetário Internacional, o
Banco Mundial e a massa amorfa de especuladores pulverizada nas Bolsas do planeta, Gray considera as consequências desse jogo nefastas para a sobrevivência da
própria democracia e aponta para o risco de que a "bolha" desse capital especulativo irreal venha a explodir
antes do que se imagina.
Considerado no início dos anos 80 um dos conselheiros mais influentes da então primeira-ministra britânica Margaret Thatcher, John Gray transformou-se nas
últimas duas décadas num dos críticos mais estridentes
da Nova Direita e seus discípulos neoliberais.
Professor de Assuntos Europeus na London School of
Economics, Gray é o autor de "Falso Amanhecer - Os
Equívocos do Capitalismo Global"" (Editora Record) e
de "Isaiah Berlin", que está sendo lançado neste mês pela Ed. Bertrand Brasil. Na entrevista a seguir, entre outros temas, ele fala sobre o crescente desemprego nos
países da União Européia e sobre a suposta hegemonia
econômica dos EUA.
Dez anos depois da queda do Muro, as altas taxas de desemprego e o baixo crescimento forçam a União Européia
a acelerar as privatizações e a desregulamentação de
serviços em direção ao modelo anglo-saxônico. Como será, a médio prazo, esse novo mercado de trabalho flexibilizado europeu?
A flexibilidade do mercado de trabalho pode ser alcançada de várias maneiras, não apenas pelas defendidas pelos economistas neoliberais. É verdade que a
flexibilização está sendo promovida por políticas
neoliberais em alguns países da Europa continental.
Mas eu não acredito que algum deles adote totalmente o sistema do mercado de trabalho anglo-saxão. Nem é necessário que o façam. A Áustria tem
um desemprego menor que o dos Estados Unidos.
Qual será o destino do Estado nacional que nasceu com a
Revolução Industrial inglesa?
Os Estados nacionais perderam parte de seus poderes, como a influência que tinham sobre a economia
no período keynesiano. Ao mesmo tempo, eles estão
reforçando alguns outros poderes, como os que se
relacionam ao monitoramento dos cidadãos e ao
controle da imigração. Não é totalmente verdadeiro
que os Estados-nações estejam se tornando progressivamente menos poderosos. Ao contrário, são instituições transnacionais como a ONU (Organização
das Nações Unidas) que estão se tornando mais fracas. Embora eles continuem sendo abalados por
tempestades nos mercados mundiais, os Estados soberanos permanecerão os agentes decisivos no sistema internacional em um futuro previsível.
A crise dos tigres asiáticos, que, porém, já parece superada, e a da Rússia vêm exigindo cada vez mais uma ampla
reforma e a institucionalização dos fluxos financeiros.
Existe algum mecanismo de controle em vista?
Não tenho certeza se a crise asiática terminou. Tanto
a China como o Japão ainda enfrentam problemas
não resolvidos de deflação. Até agora a crise teve o
efeito positivo de enfocar o pensamento na necessidade de reformar o sistema financeiro global. Mas
não aconteceu nada realmente significativo. Não há
sistemas de prevenção de crises implantados atualmente. No futuro, assim como no passado, o sistema
financeiro internacional reagirá aos fatos adversos
por meio do gerenciamento das crises.
Não é perigoso achar que o livre mercado e o desenvolvimento tecnológico levam o mundo à mesma direção?
É tolice não respeitar o livre mercado. Tanto seus
efeitos socialmente destrutivos como sua produtividade são prodigiosos. Mas não é o único tipo de capitalismo, e ele não tem superioridade a longo prazo
sobre os outros tipos de capitalismo no uso que faz
das novas tecnologias. Como enfatizo em "Falso
Amanhecer", o resultado da contínua transformação tecnológica é atirar no fluxo todas as formas de
capitalismo. A globalização não tem um único vencedor a longo prazo. Cada sociedade deve se adaptar
à sua própria maneira.
O sr. reconhece diferentes modelos de capitalismo simultâneos no sistema internacional. Que espécie de capitalismo o presidente Fernando Henrique Cardoso estaria
administrando no Brasil?
Não tenho conhecimento detalhado dos desenvolvimentos no Brasil. No entanto minha impressão é de
que Fernando Henrique Cardoso compreende a necessidade de combinar a modernização econômica,
que é inseparável da atual globalização, com uma
política ativa para a renovação da coesão social. Esse
me parece o único projeto político humano hoje.
Depois de um boom de oito anos consecutivos, a hegemonia americana nunca pareceu tão inconteste na forma
de uma "nova religião civil mundial", como o sr. aponta:
ao liberalismo de Roosevelt, seguiu-se a utopia do mercado alucinado. Os seus prognósticos e o temor de um
"supercrash" não estariam levando em conta apenas um
momento muito peculiar da economia americana?
É inegável o espetacular boom americano. Mas ele
repousa principalmente num mercado de ações
imensamente supervalorizado. Como o tão admirado mercado de trabalho americano reagirá a uma
correção de 40% ou 60% em Wall Street? Essas projeções não são impossíveis. Uma correção ainda
maior ocorreu em Wall Street na década de 70.
A suposta hegemonia econômica americana desaparecerá quando a atual bolha estourar. É verdade
que os EUA se beneficiaram de sua dedicação às novas tecnologias, mas os países da União Européia os
estão alcançando rapidamente. Nos próximos anos
é bem possível que eles superem os EUA no desenvolvimento e na aplicação da tecnologia de telefonia
móvel. Ao contrário da opinião convencional, o modelo econômico americano não dá aos Estados Unidos uma vantagem duradoura na nova tecnologia.
Quais são, para o sr., os principais defeitos da Terceira
Via, ao qual seu nome aparece sempre vinculado?
O pensamento da Terceira Via está certo em que
muitas das antigas estratégias social-democratas
perderam a eficácia. Elas não são adequadas a uma
época de contínua transformação tecnológica. Ainda que o "laissez-faire" global não fosse hegemônico
como ainda o é hoje, a social-democracia tradicional
não teria futuro. Eu ainda não descarto um deslocamento em grande escala do capitalismo global, causado pela súbita deflação da bolha econômica americana. Mas o principal defeito da Terceira Via é o seu
desprezo pelas questões ambientais. Existe necessidade urgente de uma teoria de modernização ecológica. As alternativas reais nos próximos 10 ou 20
anos se concentrarão na necessidade de transcender
idéias antiquadas de crescimento econômico.
José Galisi Filho é mestre em teoria literária pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e doutorando em germanística na Universidade de Hannover (Alemanha).
Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves.
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