São Paulo, domingo, 13 de outubro de 2002

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CRÍTICA

por Hans Ulrich Gumbrecht

1. Não acredite em nenhum "método" ou (pior) "metodologia" -não porque os métodos ou as metodologias sejam intrinsecamente maus, mas simplesmente porque eles o impedem de pensar de modo independente e de desfrutar sua liberdade intelectual em uma dimensão de pensamento que não admita regularidades rígidas.

2. Não vá além da dimensão dos textos como seus objetos de referência sem pensar duas vezes, não porque outros objetos de referência além dos textos sejam intrinsecamente maus, mas simplesmente porque seus alunos e leitores têm o direito de supor que você é um especialista diplomado em alguma coisa -e porque essa coisa devem ser os textos literários-, mas também porque as analogias entre textos e outras mídias são em geral mais complexas do que tendemos a aceitar.

3. Não menospreze a qualidade material dos significantes -não porque o significado (que está "sob" os significantes) não deva ter importância, mas simplesmente porque a capacidade de levar em conta as superfícies é o que faz a diferença que produz a experiência estética.

4. Não se concentre basicamente no que parece familiar no conteúdo de um texto -não porque deva haver necessariamente alguma coisa errada em algo que você ache familiar, mas apenas porque a capacidade de levar em conta a alteridade é o que faz a diferença que produz a experiência histórica.

5. Não tente ser político -não porque exista algo (terrivelmente) errado em ser político, mas apenas porque, tendo escolhido a crítica literária como profissão, provavelmente você não será bom em política (lembre-se: Adolf Hitler foi um candidato frustrado à Academia de Artes de Viena que se transformou em político amador).

6. Não procure muito por construções de identidade social (ou outras) nos textos que você estiver analisando -não porque seja ruim ter uma ou outra identidade, mas simplesmente porque nós, intelectuais, tendemos a ter demasiadas.

7. Tente não ler traduções dos textos que você estiver analisando -não porque haja alguma coisa errada com as traduções, mas simplesmente porque, de outro modo, talvez você não possa reivindicar que é um especialista que merece ser pago como especialista.

8. Não diga a seus alunos como devem entender corretamente os textos que você está lendo para eles -não porque haja alguma coisa errada em compreendê-los corretamente, mas apenas porque é mais valioso tentar compreender por conta própria do que compreender corretamente.

Hans Ulrich Gumbrecht é teórico da literatura e professor no departamento de literatura comparada da Universidade Stanford (EUA). É autor de, entre outros, "Modernização dos Sentidos" (editora 34).
Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves.



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