São Paulo, domingo, 14 de janeiro de 2001

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MILLÔR

No cassino da vida pública brasileira é considerado modelo de probidade o que tem só um ás na manga

1) Slogan
Seja gentil com um fumante. Ele vai morrer.
Este slogan, que dizem por aí ser do Ziraldo, é do Fausto Wolff.

2)Tem um médico na casa?
Esse governo anda muito doente, cada vez mais fraco, com recaídas constantes. E é tratado com medidas provisórias. O que precisa é de reconstituinte.

3) Godot
- Presidente FhC, aí na porta tem um cara faminto e todo esfarrapado esperando pelo senhor há mais de seis anos.

4) Futebol imortal
Lembram-se de 78? O Brasil, usando a maravilhosa téquinica da retranca, não perdeu uma partida. Mas perdeu a Copa. Isto é, perdeu a Copa invicto. Tínhamos descoberto uma coisa extraordinária: a invictória.

5) De que se ri a hiena?
Rindo largo, como sempre feliz da vida entre um passeio no Brasil e um giro pelo mundo, o chefe de vocês nunca deixa um microfone em paz, e nunca esquece de censurar o pessimismo de "alguns" brasileiros. Estimulando o pecinismo dos que o cercam.

6) Análise
Numa dessas raras vezes em que falou diretamente ao povo, o Presidente de vocês defendeu, com a veemência e a verborragia de que ninguém dúvida, seus inatacáveis princípios socialistas (aqueles que tinha esquecido). Pressionado pela (desagradável) proximidade, perguntou a um dos pobres-diabos que vieram cumprimentá-lo o que tinha achado do discurso. "Maravilhoso, presidente", respondeu o simplão, "mas apesar de tudo que o senhor disse, e o senhor hoje foi maravilhoso, eu ainda prefiro o socialismo."

7) Parábola do medo e do plágio
Collor disse: "Deus poupou-me o sentimento do medo."
Juscelino já tinha dito isso muito antes.
Ambos, claro, estavam fazendo aquilo que se chama assobiar no escuro. Pois todos nós (diz o povo, que se chama de sábio, embora não o seja ou já teria deixado de ser povo) que temos centro esférico traseiro, temos medo. Deus não poupou a ninguém o tremebundo sentimento.
Quem vive, teme. Uns são mais covardes, outros mais afoitos, mas há hora de enfrentar e hora de fugir, como sabem os generais tornados gloriosos por grandes "retiradas" (em linguagem civil: "O último a escapar é mulher de padre."). Mesmo os mais bravos, quando vão em frente em situações extremas, vão deixando rastros escatológicos.
Eu, neste momento tenho dois grandes medos. Um, ter que agüentar o governo FhC até o fim. Outro ter que agüentar o que vem por aí até lá.
Mas esta nota vem a propósito do escritor Autran Dourado, em suas memórias sobre Juscelino, ter dito que a frase famosa é dele. Que coisa, seu! Que convicção. Eu, que vivi de cunhar essas besteiras durante toda a vida (anda por aí um livro meu com 5.000 frases) não arriscaria minha cabeça dizendo que qualquer frase é minha. Tudo que a gente pensa, por mais original que pareça, sempre alguém já pensou antes ou está pensando no mesmo momento em que pensamos. Afinal, são seis bilhões de seres humanos, pô!
Mais vamos lá: a ocasião mais antiga que eu conheço - há sempre uma mais antiga - em que a frase de Collor/Juscelino aparece é na Segunda cartinha (cartinha, na Bíblia, ganha grandiloqüência com o nome de Epístola) de Paulo a Timóteo: "Deus não nos deu o espírito do medo". (Timóteo II-1,7).
A cartinha é um amor, com coisas que só se escrevem pra pessoas de intimidade doméstica: "Démas me desamparou e foi para Tessalónica; Crescente para a Galácia; Tito para a Dalmácia. Todos me abandonaram. Só Lucas está comigo. À vinda, traze contigo a capa que deixei em Tróiade, em casa de Carpo, e os livros e principalmente os pergaminhos. Alexandre, o latoeiro, tem-me feito muitos males; guarda-te dele. Saúda a Prisca e a Aquila e a família de Onesíforo". Epístola? Uma cartinha, com as devidas fofocas.

Site do Millôr: www.uol.com.br/millor



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