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"John, temos de dizer adeus"
Inglesa conta como levou o irmão para se submeter ao suicídio assistido em Zurique, em 2003
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DE GENEBRA
Lesley Close não gosta
de voar. Mas, na manhã de 26 de maio de
2003, a assessora administrativa britânica
subiu em um avião com o irmão, John, para a primeira viagem juntos ao exterior.
Era uma promessa que fizera
quatro meses antes a seu herói
de infância, que com nove anos
a mais lhe apresentara à bicicleta e ao violão.
Naquela tarde ainda, em um
apartamento no centro de Zurique na época usado pela associação Dignitas, John, um consultor de tecnologia da informação e ex-músico de 55 anos,
morreria. No momento e da
forma escolhidos por ele. Mas
não no lugar que preferia.
"John estava aborrecido em
ir para a Suíça. Ele achava que
deveria poder ter ficado em casa", diz Lesley à Folha.
Ela acha que o irmão -que
fora diagnosticado com uma
doença neurológica em 2001 e
vinha desde então assistindo à
degeneração de seu sistema
nervoso- teria morrido diante
de um canto envidraçado de
seu apartamento em Milton
Keynes, cidade acanhada ao
norte de Londres, "provavelmente durante o pôr do sol".
Não que John estivesse sozinho quando ergueu a mão para
receber de Erica (sobrenome
omitido), a acompanhante da
Dignitas encarregada de ajudá-lo, a dose extra de barbitúricos
numa seringa adaptada a seu
tubo de alimentação.
Tarde adorável
Lesley estava sentada a seu
lado, na cama. Peggie, a namorada que, entre idas e vindas, o
conhecia havia 27 anos, também. Margaret, a irmã mais velha, a quem coubera tomar conta dos dois mais novos, observava no quarto. E Michael, o
cunhado, completava a cena.
Dois dias antes, por sugestão
de Michael, John dera uma festa em um pub da cidade. Não foi
a tarde de sábado mais bonita.
"Mas foi uma tarde adorável", lembra Lesley. "John tinha medo de chorar e as pessoas terem a ideia errada" (um
dos problemas que a doença
traz é o descontrole sobre o
choro ou o riso, explica ela).
"E ele chorou, na festa, mas
ninguém entendeu errado."
Hoje uma ativista, ela diz que
não foi fácil então, mas aceitou
a decisão do irmão, em meados
de janeiro de 2003.
John Close foi o sétimo britânico a morrer na Dignitas (até o
fim de 2009, somavam 134), o
que levou a família a hesitar sobre as consequências legais e a
omitir a viagem ao máximo,
embora não a intenção.
A Inglaterra veta o suicídio
assistido e prevê 14 anos de prisão para quem ajuda alguém a
se matar. Mas a Justiça tem sido leniente com quem vai ao
exterior. Nenhum caso entre
esses culminou na prisão.
E, em fevereiro, a Procuradoria demarcou com diretrizes
uma espécie de território seguro para a prática, visando quem
vai morrer fora do país, já que
ter ajuda de médicos britânicos
para isso é inviável.
Mas quando John tomou sua
decisão, apenas dois britânicos
haviam morrido na Dignitas. O
primeiro foi Reg Crew, um ex-estivador de 74 anos de Liverpool cuja história, noticiada à
exaustão naquele inverno, inspirou o consultor, acometido
pela mesma doença.
Desde que soube da associação suíça até a morte por barbitúricos, foram menos de quatro
meses. Do diagnóstico à decisão, quase dois anos. O quadro
piorara rapidamente.
Quando tomou conhecimento da doença -um tipo de esclerose no qual os neurônios
motores se degeneram sem
causa determinada, atrofiando
músculos e disparando espasmos e reflexos-, John tinha dificuldade de falar ao telefone.
"Em janeiro de 2003, ele já ficava direto na cadeira de rodas
e não conseguia engolir, tinha
de usar um tubo de alimentação. Não podia falar. Não fazia
quase nada sozinho."
Foi aí que passou a ter uma
enfermeira em tempo integral.
"John sempre foi muito independente", diz Lesley.
A irmã ressalta que, por mais
seguro que o ex-músico estivesse da decisão, os percalços
não foram poucos. O mais difícil foi a esfera privada, com a
mãe, de formação cristã, se colocando contra a ideia. "John
era o único filho homem, o queridinho, e ela achava que suicídio é um pecado cuja punição é
não ir para o céu", diz Lesley,
que, como o irmão, não partilha
de crença nenhuma.
Por problemas de saúde -a
ex-enfermeira de guerra morreria algum tempo depois em
um asilo-, ela não pôde acompanhar o filho à Suíça.
Barbitúricos e seringa
Os Close desembarcaram no
aeroporto de Zurique no fim da
manhã de segunda-feira e foram recebidos por Ludwig Minelli, fundador da Dignitas e até
hoje o responsável direto pelos
pacientes. A despeito das descrições controversas a seu respeito, Lesley o retrata como "a
pessoa mais graciosa, encantadora, humana e misericordiosa" que já conheceu.
Seguiram os seis para a casa
de Minelli, que fazia as vezes de
escritório da Dignitas, onde o
ativista suíço bombardeou a família de perguntas. "A essa altura ele já tinha lido o histórico
médico, e queria ter certeza de
que John e todos nós sabíamos
o que estávamos fazendo."
Lesley entendia, e diz se sentir até hoje confortada. "Se eu
estivesse sofrendo o que meu
irmão estava sofrendo, desejaria que meu fim fosse sereno
assim. Foi impressionante."
Cada morte na Dignitas é
acompanhada por alguém com
credenciais médicas, que cuida
dos medicamentos. Foi por isso
que Erica entrou no quarto no
meio da tarde com os barbitúricos numa seringa.
"Ele ergueu a mão que funcionava, ávido. Peguei-a antes
que alcançasse a seringa e disse,
"John, temos de dizer adeus"."
A família havia falado tanto
durante o dia sobre como a droga agiria rápido que Lesley temia não ter tempo de dizer nada. Àquela altura, John só se
alimentava pelo tubo, e havia
quebrado o jejum no voo apenas com um pouco de líquido.
De estômago semivazio, ela
achava que os barbitúricos teriam efeito quase imediato.
"Peguei a mão dele, e os demais falaram. Quando chegou a
minha vez, eu queria dizer
mais", relata. "Mas a única coisa que eu conseguia falar é que
eu ia sentir tanto, tanto a falta
dele. O último som que ele ouviu foi meu choro."
John Close foi cremado. Pela
cremação, as drogas e os gastos
de manutenção sua irmã calcula ter pago 1.200 (no câmbio
de então, R$ 5.800) que tinha à
mão -menos, calcula ela, do
que a Dignitas gastara.
Lesley, Margaret, Michael e
Peggy nunca foram processados por ajudá-lo a morrer.
(LC)
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