São Paulo, Domingo, 14 de Março de 1999
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PONTO DE FUGA

O pintor e a guerra

JORGE COLI
em Nova York

Exposição Picasso, de 1937 a 1945, na grande espiral do museu Guggenheim, em Nova York. O início do percurso já pulsa com obras altamente dramáticas. "Guernica" não está lá: o quadro, durante muito tempo exilado, hoje não sai mais da Espanha. A arte de Picasso, que, até então, fora indiferente às questões políticas, dá uma guinada com o bombardeio de Guernica pelos nazistas. Depois dessa obra maior, os comentários diretos sobre a guerra quase desaparecem de seus quadros. Mas o conflito determina uma nova expressividade e uma nova angústia nos retratos, naturezas-mortas, nus. À medida que se sobe pela rampa contínua do museu, os quadros sucedem-se, tensos, atormentados. As cores sombrias ou esmaltadas alternam-se, tornando-se evidente a lembrança de Van Gogh nas estruturas implacáveis, subvertidas por tensões dolorosas.
No final da guerra, porém, a efervescência criadora parece esfriar. As obras, sempre de grande qualidade, vibram menos. Depois de sua adesão ao Partido Comunista, em 1944, Picasso seria, às vezes, aplicadamente militante. Desses, "Le Charnier" é o quadro melhor, mas uma linearidade elegante tende a substituir-se ao horror do tema. O "Monumento aos Espanhóis Mortos" é quase uma caricatura. Picasso renasceria das cinzas da guerra -e das suas próprias- ao encontrar a luminosidade feliz de seu período mediterrâneo.

BARRO - Basta atravessar a Quinta Avenida para descobrir esse Picasso luminoso. O Metropolitan Museum apresenta uma admirável escolha de suas obras em argila, e o contraste com a sombria mostra do Guggenheim impressiona. São pequenas esculturas ou grandes vasos, é uma ciranda, graciosa e viva, de faunos, centauros, músicos, tânagras, pássaros. Nada mais eufórico. Logo depois da guerra, Picasso instala-se na Costa Azul e põe-se a trabalhar com oleiros de Vallauris, uma pequena aldeia de antiga tradição em cerâmica. Essa prática suscitaria nele os personagens saídos da mitologia e dos vasos gregos. É o momento mais sinceramente prazeroso de toda sua obra, hedonístico, anacreôntico. Um clima de felicidade plena que vai, essencialmente, até 1962. Depois, na velhice dos seus 80 anos, ele abandona a manipulação da argila. Tornar-se-ia mais e mais obcecado por uma sexualidade violenta e suas telas adquiririam uma brutalidade radical de signos e de feitura. A mão infalível do Picasso-oleiro, porém, soube, antes disso, ressuscitar os antigos e amáveis gênios do Mediterrâneo.

EMULSÃO - Os museus "de arte", de escultura e pintura, vêm investindo na fotografia. Guggenheim expõe pela primeira vez sua coleção, iniciada em 1993. As obras mais recentes sugerem uma concorrência com as grandes telas figurativas. São formatos enormes. Mostram tal precisão e acabamento que, às vezes, é preciso confirmar de perto não se tratar de óleo ou guache. É como se a fotografia quisesse negar suas características mais imediatas para enfrentar as salas dos museus.

GAY - Mapplethorpe dispunha, com cuidado, seus modelos, as luzes e os acessórios. Eram fotos de estúdio, "artísticas", buscando a perenidade da escultura, viés de diálogo entre a grande obra e o erotismo. O Guggenheim alterna suas imagens com as de Platt Lynes, um evidente precursor. De ambos, sem fronteira, passa-se aos "beefcakes" de Lon of New York, fotógrafo de revistas "atléticas" dos anos 50. Com 87 anos, Lon tem importante retrospectiva no Village (galeria Wessel+O'Connel). São rapagões musculosos e reluzentes apoiando-se em colunas gregas.


Jorge Coli é historiador da arte.
E-mail: M




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