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"Impressões de um Amador" reúne artigos sobre arte
e cultura escritos por Gonzaga Duque entre 1882 e 1909
Uma crítica dissidente
Orna Levin
especial para a Folha
Toda reunião de textos dispersos,
por princípio, estabelece uma ordenação de conjunto para uma
produção que, na origem, nasceu
como peça avulsa. Às vezes, o disperso
vem na condição de matéria jornalística,
concebido em sintonia com a imediatez
das coisas cotidianas. Outras vezes, trata-se de textos que foram publicados em revistas de circulação restrita. Uma coletânea de avulsos, necessariamente, procede à organização das unidades textuais,
criando uma cadeia de sentidos que expande as possibilidades dadas à leitura
do fragmento isolado. E do conjunto
surgem novas relações, seja dos textos
entre si, seja destes com os espaços onde
são veiculados.
É nesta preocupação de conservar a
multiplicidade do jogo de sentidos entre
o estado de dispersão dos textos e a totalidade resultante do conjunto, isto é, o livro, que reside, a meu ver, o ponto alto
do trabalho de organização dos dispersos de crítica de Gonzaga Duque (1863-1911). Em "Impressões de um Amador",
Vera Lins e Júlio Castañon Guimarães
procuram manter os vestígios da fragmentação inicial dos inúmeros artigos de
Gonzaga Duque publicados na imprensa, entre 1882 e 1909. Ao mesmo tempo,
tomam o livro que os colige como um
percurso de leitura de seu projeto crítico.
São matérias extraídas das colunas de
arte e cultura que ele manteve em "Gazetinha", "A Semana", "Kosmos" e "Diario
do Commercio", entre outros. A reconstituição da trajetória de intervenções
constantes e contínuas, embora em veículos diferenciados, permite o conhecimento mais aprofundado
de seu método crítico,
com as hesitações, avanços e contradições que lhe
são característicos.
Para garantir a reverberação dos escritos de circunstância, tanto a força
dos ensaios de reflexão
quanto o flagrante da crônica de época, os organizadores optaram pela disposição cronológica dos
textos, aliada ao seu agrupamento segundo os periódicos em que tiveram estampa.
Assim, o leitor pode acompanhar a visita do jovem Gonzaga Duque aos ateliês
e galerias e, mais adiante, vê-lo reivindicando o direito de comunicar suas impressões sobre a evolução dos estudos,
como os de Firmino Monteiro, Antonio
Parreiras e Castagneto.
Cético em relação ao meio burguês
brasileiro, tacanho e mal preparado, ele
defende a necessidade da crítica no estímulo ao aprimoramento dos artistas e à
educação do público. Nota-se, a propósito, a descrição minuciosa das telas, os comentários sobre a escolha dos temas e do
gênero, além dos juízos
sobre o talento e a competência dos expositores.
Como crítico, Gonzaga
Duque dedicou-se a refletir sobre a arte brasileira
com base em critérios estéticos modernos, que valorizavam a liberdade
criadora e a imaginação,
simpático que era ao impressionismo de Manet
(1832-1883). Tentou distanciar-se dos modelos acadêmicos e detectar os valores individuais, para os
quais sempre reservava um elogio entusiástico.
A recepção de quadros como "Fuga
para o Egito", de Almeida Jr., e "A Tarantela", de Bernardelli, atestam seu empenho em enaltecer os dissidentes pelo uso
dos pincéis, da cor ou da luz. Aliás, o espírito contestador e o tom de protesto
que atravessam muitos dos artigos é
também a ênfase central de seu romance
simbolista "Mocidade Morta" (1899),
que tem como tema o mundo dos artistas insubmissos.
Neste espectro tão amplo de textos, nos
quais Gonzaga Duque trata das artes
plásticas, das artes decorativas, da arquitetura e da literatura -nela reverencia a
originalidade excepcional de personalidades rebeldes, como Cruz e Souza e Lima Barreto-, encontramos as manifestações de uma voz independente, capaz
de dar apoio aos estreantes, protestar
contra a mentalidade vigente e questionar as políticas públicas. Sobretudo, uma
voz que representa a sensibilidade tocada por uma época de agitações, que vale
a pena conhecer.
Orna Messer Levin é professora da Universidade
Estadual de Campinas e autora do livro "Figurações do Dândi" (ed. Unicamp).
Impressões de um Amador
385 págs., R$ 36,00
de Gonzaga Duque. Júlio Castañon Guimarães e Vera Lins
(orgs.). Ed. UFMG (av. Antônio
Carlos, 6.627, Biblioteca Central, sala 405, campus Pampulha, CEP 31270-901, Belo Horizonte, MG, tel. 0/xx/ 31/ 3499-4650).
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