São Paulo, domingo, 14 de junho de 1998

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PONTO DE FUGA
Um kitsch moderno

JORGE COLI
especial para a Folha

Bourdelle, muito cedo, conseguiu impor-se, primeiro buscando deformações expressivas na tradição tardo-romântica de Rodin, depois entregando-se a uma vontade construtora de volumes maciços. Seu "Héraclès", de 1909, entrou definitivamente para o rol das esculturas celebérrimas e os relevos que concebeu para o teatro dos Champs-Élysées, muito precoces, anunciam as formas simplificadas que surgiriam bem mais tarde com o estilo art déco. Héracles -e não Hércules, como está no catálogo-, isto é, Grécia arcaica e não Roma clássica: no início do século, os primitivismos nutriam convicções contemporâneas.
Bourdelle soube conduzi-los a um espírito monumental que parecia então sólido e audacioso. O escultor fabricava obras que eram identificadas e assumidas como modernas, cujas múltiplas aparências são reveladas na excelente retrospectiva da Pinacoteca de S. Paulo. Tratava-se de modernidade aceita e oficial. Bourdelle não é um inspirado, como Rodin, nem um obsessivo, como Maillol: é um habilidoso que soube, algumas vezes, criar poderosamente, mas que, pelas facilidades dos compromissos e pela grandiloquência convencional, pôde atingir os limites do kitsch irrisório, como em "A França", de 1925, sem contar o grande relevo para o teatro de Marselha, de 1924, uma das mais hediondas esculturas de todos os tempos, felizmente não reproduzida sequer em fotografia na exposição de São Paulo. Bourdelle é um fascinante episódio da história do gosto moderno no século 20.

VAZAMENTO - O último Clint Eastwood passou como um meteoro e o último Godard foi projetado durante cinco dias em S. Paulo. Não temos um Rohmer há tempos e não há indícios de que o recente "On Connait la Chanson", de Resnais, chegue num futuro próximo. Resnais, leve e bem humorado, insiste numa de suas preocupações maiores, exposta em "Mon Oncle d'Amérique" com clareza demonstrativa: nossos comportamentos são determinados por parâmetros imaginários que conduzem a equívocos por onde foge a felicidade possível. "On Connait la Chanson" é uma falsa comédia musical, em que as canções são símbolos redutores dos sentimentos. Acreditamos neles, e com isso podamos nossas contradições e diversidades. Há aqui algo do teatro do século 18, no qual a elegância e o sorriso do estilo disfarçavam a amargura dos desencontros.

ORIGENS - Depois de Rodin e Maillol, a Pinacoteca de São Paulo completou, com Bourdelle, a trilogia dos grandes escultores franceses da virada do século. Ela poderia fazer vir agora os autores dos quais esses mestres derivaram: Rude, que inventou novas forças e novas eloquências, e Carpeaux, que encaminhou até Rodin novas tensões e novas sensualidades.

ALGEMAS - Ódio, amor, paixão são palavras imperfeitas. Chabrol sempre empregou o crime para conseguir filmar os fios invisíveis e indissolúveis, de natureza individual, familiar ou social, que unem algumas pessoas. Depois da terrível obra-prima que foi "Mulheres Diabólicas", "Negócios à Parte" diverte-se nas fronteiras da legalidade para fazer-nos intuir certos elos secretos e cúmplices. Vigorosa velha guarda da "Nouvelle Vague".


Jorge Coli é historiador da arte.
E-mail: coli@correionet.com.br



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