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PONTO DE FUGA
Um kitsch moderno
JORGE COLI
especial para a Folha
Bourdelle, muito cedo, conseguiu impor-se, primeiro buscando deformações expressivas
na tradição tardo-romântica
de Rodin, depois entregando-se
a uma vontade construtora de
volumes maciços. Seu "Héraclès", de 1909, entrou definitivamente para o rol das esculturas celebérrimas e os relevos
que concebeu para o teatro dos
Champs-Élysées, muito precoces, anunciam as formas simplificadas que surgiriam bem
mais tarde com o estilo art déco. Héracles -e não Hércules,
como está no catálogo-, isto é,
Grécia arcaica e não Roma
clássica: no início do século, os
primitivismos nutriam convicções contemporâneas.
Bourdelle soube conduzi-los
a um espírito monumental que
parecia então sólido e audacioso. O escultor fabricava obras
que eram identificadas e assumidas como modernas, cujas
múltiplas aparências são reveladas na excelente retrospectiva da Pinacoteca de S. Paulo.
Tratava-se de modernidade
aceita e oficial. Bourdelle não é
um inspirado, como Rodin,
nem um obsessivo, como Maillol: é um habilidoso que soube,
algumas vezes, criar poderosamente, mas que, pelas facilidades dos compromissos e pela
grandiloquência convencional,
pôde atingir os limites do
kitsch irrisório, como em "A
França", de 1925, sem contar o
grande relevo para o teatro de
Marselha, de 1924, uma das
mais hediondas esculturas de
todos os tempos, felizmente
não reproduzida sequer em fotografia na exposição de São
Paulo. Bourdelle é um fascinante episódio da história do
gosto moderno no século 20.
VAZAMENTO - O último Clint Eastwood passou como um meteoro e o último Godard foi projetado durante cinco dias em S. Paulo. Não temos um Rohmer há tempos e não há indícios de que o recente "On Connait la Chanson", de Resnais, chegue num futuro próximo. Resnais, leve e bem humorado, insiste numa de suas preocupações maiores, exposta em "Mon Oncle d'Amérique" com clareza demonstrativa: nossos comportamentos são determinados por parâmetros imaginários que conduzem a equívocos por onde foge a felicidade possível. "On Connait la Chanson" é uma falsa comédia musical, em que as canções são símbolos redutores dos sentimentos. Acreditamos neles, e com isso podamos nossas contradições e diversidades. Há aqui algo do teatro do século 18, no qual a elegância e o sorriso do estilo disfarçavam a amargura dos desencontros.
ORIGENS - Depois de Rodin
e Maillol, a Pinacoteca de São
Paulo completou, com Bourdelle, a trilogia dos grandes escultores franceses da virada do
século. Ela poderia fazer vir
agora os autores dos quais esses
mestres derivaram: Rude, que
inventou novas forças e novas
eloquências, e Carpeaux, que
encaminhou até Rodin novas
tensões e novas sensualidades.
ALGEMAS - Ódio, amor,
paixão são palavras imperfeitas. Chabrol sempre empregou
o crime para conseguir filmar
os fios invisíveis e indissolúveis,
de natureza individual, familiar ou social, que unem algumas pessoas. Depois da terrível
obra-prima que foi "Mulheres
Diabólicas", "Negócios à Parte"
diverte-se nas fronteiras da legalidade para fazer-nos intuir
certos elos secretos e cúmplices.
Vigorosa velha guarda da
"Nouvelle Vague".
Jorge Coli é historiador da arte.
E-mail: coli@correionet.com.br
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