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Estado confidencial
PROFESSOR NA UNIVERSIDADE DE EDIMBURGO, JEFFREYS-JONES DIZ QUE GOVERNOS
ESTÃO QUASE SEMPRE POR TRÁS DOS CASOS DE ESPIONAGEM E AFIRMA
QUE SOFREU RETALIAÇÕES DO FBI POR TER ESCRITO UMA HISTÓRIA CRÍTICA DA AGÊNCIA
A Agência de Segurança Nacional dos EUA tem satélites que podem grampear qualquer ligação de telefone no mundo todo
Shutterstock
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MARCELO NINIO
DE GENEBRA
Os governos quase
sempre estão por
trás das ações de
seus serviços de
espionagem, mas
usam a tese do agente "fora de
controle" para não assumir
responsabilidades.
A opinião é do galês Rhodri
Jeffreys-Jones, professor da
Universidade de Edimburgo
(Escócia) especializado em história da espionagem norte-americana.
Ele cita o exemplo do lendário e controvertido J. Edgar
Hoover (1895-1972), que comandou por 48 anos o FBI, a
polícia federal dos EUA, e fazia
escutas ilegais de inimigos políticos com o apoio tácito do
presidente Franklin Roosevelt.
Jeffreys-Jones, que acaba de
lançar nos EUA "The FBI - A
History" (FBI - Uma História,
Yale University Press, 320
págs., US$ 18, R$ 32), diz que os
tempos de Hoover estão voltando nos EUA e em outros
países, como no Reino Unido,
com os poderes do governo
avançando progressivamente
no terreno das liberdades civis.
E comenta um episódio pessoal desse tipo de controle, no
qual, segundo ele, o FBI tentou
censurar seu livro sobre a história da agência, que em 2008
completa cem anos.
FOLHA - Como é o histórico de escutas ilegais das agências de inteligência dos EUA?
RHODRI JEFFREYS-JONES - Uma suspeita parecida com a que cerca
a Abin rondou J. Edgar Hoover.
Quando era diretor do FBI ele
teria grampeado pessoas influentes para desencorajá-las a
criticar a agência.
Casos como esse e o do Brasil
sempre levantam a discussão
sobre se os serviços secretos se
tornaram fortes demais ou se
saíram do controle. Mas a verdade é que eles nunca estão fora de controle -são sempre
controlados pela Casa Branca.
FOLHA - O governo sempre esteve
por trás de casos como o de Hoover e
de outros abusos mais recentes?
JEFFREYS-JONES - A Casa Branca
deu encorajamentos tácitos.
Não há nada documentado em
papel. O presidente Franklin
Roosevelt, nos anos 30 e 40,
certamente encorajou J. Edgar
Hoover a fazer escutas telefônicas ilegais de opositores políticos. Um exemplo é o debate sobre se os EUA deveriam entrar
na Segunda Guerra.
Hoover grampeou as conversas de senadores americanos
que se opunham à entrada dos
EUA na guerra, ao lado da
França e do Reino Unido, e informava o presidente sobre
suas táticas políticas.
FOLHA - Usava os dados também
para chantageá-los?
JEFFREYS-JONES - J. Edgar Hoover era muito sutil e inteligente. Ele não chantageava diretamente. O que fazia era mostrar
aos adversários informações
confidenciais sobre os colegas
deles. Dessa forma, os assustava e conseguia sua submissão.
As informações poderiam ser
de natureza pessoal, como um
filho ilegítimo ou práticas homossexuais. As pessoas tinham
muito medo de serem expostas.
FOLHA - Há exemplos recentes
desse tipo de prática?
JEFFREYS-JONES - O problema é
que esse tipo de prática é muito
facilmente ocultável. Nos anos
1970, informações sobre essas
práticas chegaram à imprensa,
houve uma grande investigação
sobre a CIA e o FBI, e foi criada
uma nova legislação.
Por exemplo, em 1978, a Lei
de Inteligência de Segurança
Estrangeira foi sancionada com
o objetivo de estabelecer padrões legais para a escuta telefônica. Em casos em que precisavam usar grampos para contra-espionagem, os agentes recorriam a cortes secretas, e o
FBI ou a polícia local ou a CIA
tinham que convencer os juízes
da necessidade do grampo.
Desde então, essa práticas e
as possíveis chantagens passaram para os bastidores. Mas,
sob o governo do presidente
George W. Bush, a situação mudou. É sabido que o FBI, junto
com a Agência de Segurança
Nacional e outras partes da comunidade de inteligência dos
EUA, usa métodos ilegais, ignorando essas cortes especiais.
E, se são descobertos, eles
podem pedir permissão de forma retroativa para grampear
telefones e e-mails.
Infelizmente estamos voltando à situação parecida com
os tempos de J. Edgar Hoover.
Cada vez mais as liberdades civis estão perdendo para os poderes do governo, não só nos
EUA, mas também aqui, no
Reino Unido.
FOLHA - As novas tecnologias aumentaram muito esses poderes?
JEFFREYS-JONES - A Agência de
Segurança Nacional dos EUA
tem satélites que podem grampear, por exemplo, qualquer ligação de telefone fixo ou celular do mundo.
Nesse sentido, as ferramentas são muito mais poderosas
do que anos atrás. Mas em termos de utilidade de toda essa
informação, que eles mantêm
armazenada, é um problema.
Porque acaba-se coletando tanta informação que fica difícil
analisá-la apropriadamente.
Além disso, não há no serviço
secreto americano tradutores
suficientes em idiomas vitais,
como o árabe. Uma massa
enorme de dados está sendo
acumulada, mas não é útil como deveria ser.
Ao mesmo tempo, a coleta
desses dados é muito perigosa
para as liberdades civis, principalmente quando caem em
mãos erradas.
Um exemplo são dados pessoais sobre a saúde de alguém,
doenças hereditárias que possa
haver em sua família, coisas assim. Esse é o tipo de informação que as agências coletam. E,
se essas informações chegam às
mãos de companhias de seguro,
a pessoa já não consegue fazer
um seguro.
É algo muito sensível.
FOLHA - Os governos dos EUA tentaram impor limites a suas agências
de inteligência ou preferiram mantê-las "fora de controle", para não
assumirem suas enrascadas?
JEFFREYS-JONES - Essa tese de
que as agências estão fora do
controle do governo é controvertida, porque se trata de uma
possibilidade problemática.
Mais grave, contudo, é quando o governo controla suas
agências de espionagem, mas
bota a culpa nelas se algo dá errada. Foi o que ocorreu, por
exemplo, com o 11 de Setembro.
Mas a verdade é que os governos quase sempre sabem o que
seus serviços secretos estão fazendo. Se não sabem, deveriam
assumir a responsabilidade por
isso. Não sei exatamente os detalhes do caso brasileiro, mas
culpar as agências de inteligência é uma forma de fugir à responsabilidade.
Uma outra tática usada por
governos é recompensar o fracasso. Se algo dá errado, eles
pagam aos responsáveis para
mantê-los calados enquanto,
em público, falam mal das
agências.
FOLHA - O sr. teve um incidente recente com a inteligência americana,
quando o FBI ordenou a retirada do
logotipo da agência da capa de seu
livro. Por que o sr. acha que há outras intenções por trás disso?
JEFFREYS-JONES - O FBI sob J.
Edgar Hoover era muito pouco
tolerante com qualquer tipo de
crítica. E acho que [no caso do
meu livro] o FBI mais uma vez
tenta estrangular a crítica. Ele
tem algumas críticas, mas é um
livro bem equilibrado. Neste
ano o FBI completa cem anos.
Outro livro foi lançado sem
problema com o logotipo do
FBI na capa, mas mostra a
agência de forma bem mais positiva. Acho que o que querem é
projetar o livro que lhes é mais
favorável.
FOLHA - Para liberar o livro com o
logotipo, o FBI exigiu fazer uma "revisão" da obra, o que o sr. não aceitou por considerar uma tentativa de
censura. Que partes o sr. desconfia
que eles censurariam se pudessem?
JEFFREYS-JONES - Eles ficaram
muito irritados porque escrevi
que o FBI sempre teve problemas com racismo. Outra parte
que causou desconforto foi a
que mostra que a luta contra o
terrorismo se tornou ineficiente pelo fracasso do FBI e da CIA
em trocar informações.
ONDE ENCOMENDAR - Livros em
inglês podem ser encomendados pelo site
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