São Paulo, domingo, 15 de fevereiro de 2009

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Geografia do medo

De Londres ao Cairo, de Pequim a São Paulo, pesquisa indica que está surgindo uma nova ansiedade global

FRANK FUREDI

Vivemos em uma era de medo? Estará o medo, mais que a esperança, moldando a imaginação cultural do início do século 21?
Esta nova era já ofereceu ao mundo uma série de convites apocalípticos ao pânico, começando pelo bug do milênio. Em 2005, a gripe aviária foi comparada a "uma combinação de aquecimento global com HIV/ Aids" por autoridades de saúde da ONU, prevendo uma pandemia que poderia matar até 150 milhões de pessoas.
Essa constante promoção de advertências dramáticas sobre a sobrevivência humana sugere que o mercado do medo está próspero.
Em 2008, cidadãos de dez grandes cidades do mundo foram pesquisados pelo Fórum Social Mundial (FSM) para ver como Londres, Paris, Roma, Moscou, Nova York, Mumbai, Pequim, Tóquio, São Paulo e Cairo vivenciam o medo e a insegurança. O relatório final, chamado "Medo nas Megacidades", revela muito sobre a situação da ansiedade global. Enquanto a experiência da preocupação é universal, o relatório mostra como em alguns centros urbanos, como São Paulo e Cairo, a incerteza muitas vezes se transmuta em puro medo. Das cidades ocidentais, Roma veio a ser a menos otimista -e Londres, curiosamente, a mais.

Problemas locais
Dos grandes centros asiáticos, Pequim não apenas teve nota alta em confiança como também foi a única cidade cujos moradores disseram que seus temores tinham de fato diminuído nos últimos anos: o dinamismo econômico parece ter tido um impacto significativo em sua visão.
De modo geral, não são as ameaças globais que as pessoas mais temem. Em todo o mundo, as ansiedades se concentram em problemas locais e individuais que afetam diretamente a vida cotidiana -a morte, a perda de um ente querido e o sofrimento físico e mental encabeçam a lista. A ansiedade sobre a ameaça de terrorismo, por exemplo, era mais pronunciada em Nova York; mas mesmo lá um número maior de pessoas tinha medo de não conseguir manter seu padrão de vida.
Mesmo antes da recente fusão do sistema bancário, as preocupações com o desemprego e a segurança econômica afetavam uma porcentagem significativa dos entrevistados, assim como a apreensão sobre tornar-se vítima de violência e comportamento antissocial.
De modo geral, os que responderam à pesquisa se preocupavam mais com perder suas casas ou empregos ou ser vítimas de crime do que com um ataque terrorista.
Cidadãos do Cairo e de São Paulo podem sentir o medo de maneira diferente dos de Paris e Londres, mas em todos esses lugares são os medos individualizados que predominam.

Cada época, seu medo
Os temores do século 21 formam um contraste acentuado com os de séculos anteriores. Em toda a história, as comunidades tendem a experimentar seus medos em comum. No século 20, as pessoas que viveram no entreguerras temiam o desemprego e o envelhecimento. Na década de 1950, foi o medo da guerra nuclear que exercitou a imaginação pública. No período da pesquisa do relatório, o termo "esmagamento do crédito" havia acabado de entrar na consciência pública, mas os enormes tumultos que arrasaram o sistema bancário em setembro ainda estavam por vir. A crise financeira global hoje apresenta uma ameaça que ecoa diretamente as incertezas sociais e econômicas preexistentes. Em reação à crise, está surgindo uma linguagem global do medo: esta é uma ameaça que captou a imaginação do público da Rússia à China, passando pela Austrália e a Europa Ocidental. A reação é evidente mesmo nas sociedades asiáticas, cujas economias estão relativamente sólidas. A fusão econômica global será experimentada não apenas como uma ameaça ao indivíduo, mas como um desastre que afeta toda a comunidade global. As percepções vão variar de cultura para cultura.


FRANK FUREDI é professor de sociologia na Universidade de Kent (Reino Unido). A íntegra deste texto saiu na "New Statesman". Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves .


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