São Paulo, domingo, 15 de março de 1998

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O tradutor de Márquez e Machado

BETTY MILAN
especial para a Folha , em Nova York

Gregory Rabassa é conhecido nos Estados Unidos como "O Tradutor", desde que traduziu "Cem Anos de Solidão", de Gabriel García Márquez, e "O Jogo da Amarelinha", de Julio Cortázar. Ele é também autor de uma tese sobre o romance brasileiro e tradutor de alguns dos principais autores do país, como Jorge Amado, Clarice Lispector ("A Maçã no Escuro") e Machado de Assis, de quem traduziu recentemente "Memórias Póstumas de Brás Cubas".
Para saber o que significa traduzir do português para o inglês e quais as dificuldades que a literatura brasileira encontra para se impor no mercado americano, a Folha o entrevistou na Queens College (Nova York), universidade onde leciona.

Folha - Por que a literatura espanhola teve uma penetração maior no mundo do que a brasileira?
Rabassa -
Por causa da geografia. Porfírio Dias, o ditador mexicano, dizia: "Pobre México, tão longe de Deus e tão perto dos Estados Unidos". Os europeus vêem a América Latina com os olhos dos americanos, que estão mais próximos do México e de Cuba. Além disso, existe a imigração. Seja como for, os melhores escritores que eu conheço são brasileiros -Machado de Assis, por exemplo.
Folha - Autores como Jorge Amado e García Márquez foram bem aceitos no mundo inteiro. Por quê?
Rabassa -
Vou responder com um clichê: escreveram livros bons. Além disso, existe o realismo mágico. Jorge Amado faz a fantasia se tornar realidade, uma estátua adquirir vida. O engraçado é que a estátua é católica e, quando se torna viva, passa a ser um orixá. Jorge Amado é um bom narrador e García Márquez também.
Folha - O que há de comum entre os autores latino-americanos?
Rabassa -
As lendas, o folclore. O conceito de América Latina é artificial. O Brasil, onde vivi dois anos, é tão diferente da América espanhola quanto dos EUA. São três culturas diferentes. Parecem iguais por causa da etnicidade e da arquitetura.
Folha - Qual é a especificidade das culturas latino-americanas de línguas portuguesa e espanhola?
Rabassa -
Acho que é mais fácil escrever certas coisas em português do que em espanhol. A língua portuguesa do Brasil é uma língua em aberto. O espanhol é uma saia justa. A grandeza de um autor da língua portuguesa está em saber controlar a língua. A de um autor de língua espanhola está em conseguir romper com ela. São duas posições inteiramente diferentes. Jorge Amado diz que ele se deixa levar pela língua. Já Gabriel García Márquez precisa romper com ela.
Folha - Quais os maiores problemas que você encontrou ao traduzir do português e do espanhol?
Rabassa -
É mais difícil traduzir do português por causa da liberdade dos brasileiros com a língua. Brincam com ela. Há ainda o vocabulário. Com Jorge Amado, por exemplo, foi complicado traduzir as palavras relativas ao sexo masculino, pois há muitos termos.
Folha - O que o tradutor deve fazer para que sua tradução seja boa?
Rabassa -
Primeiramente fazer o significado passar. Depois, o espírito. Às vezes, uma palavra tem o mesmo significado e não tem o mesmo espírito. Em terceiro lugar, a tradução deve soar bem. Não é fácil conseguir isso tudo. García Márquez escreve tão bem que é bem traduzido. O grande escritor indica ao tradutor a direção a ser seguida.
Folha - Há muitas escolas de tradução nos EUA?
Rabassa -
Não sei se a gente pode realmente ensinar a tradução, que não é um ofício, é uma arte. Podemos apenas ser bons guias, mas há departamentos de tradução no país inteiro. Gostaria de ensinar a traduzir do português, mas não há alunos.
Folha - Qual é a situação dos tradutores aqui?
Rabassa -
Está melhorando. Só que existe hoje um problema comercial. Não há mais quem queira publicar traduções. Primeiramente, porque não vendem, e, em segundo lugar, porque é preciso pagar pela tradução. É difícil traduzir um autor novo.
Folha - Na segunda metade do século a literatura perdeu espaço. E, agora, como vai ser?
Rabassa -
Posso ser negativo demais, mas acho que a leitura vai se tornar um hábito de uma pequena minoria. A literatura faz pensar, mas as pessoas não estão mais tão interessadas nisso.


Betty Milan é escritora, autora de "O Papagaio e o Doutor" e "Paris Não Acaba Mais" (Record).



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