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O tradutor de Márquez e
Machado
BETTY MILAN
especial para a Folha , em Nova York
Gregory Rabassa é conhecido
nos Estados Unidos como "O Tradutor", desde que traduziu "Cem
Anos de Solidão", de Gabriel García Márquez, e "O Jogo da Amarelinha", de Julio Cortázar. Ele é
também autor de uma tese sobre o
romance brasileiro e tradutor de
alguns dos principais autores do
país, como Jorge Amado, Clarice
Lispector ("A Maçã no Escuro") e
Machado de Assis, de quem traduziu recentemente "Memórias Póstumas de Brás Cubas".
Para saber o que significa traduzir do português para o inglês e
quais as dificuldades que a literatura brasileira encontra para se
impor no mercado americano, a
Folha o entrevistou na Queens
College (Nova York), universidade onde leciona.
Folha - Por que a literatura espanhola teve uma penetração maior
no mundo do que a brasileira?
Rabassa - Por causa da geografia. Porfírio Dias, o ditador mexicano, dizia: "Pobre México, tão
longe de Deus e tão perto dos Estados Unidos". Os europeus vêem a
América Latina com os olhos dos
americanos, que estão mais próximos do México e de Cuba. Além
disso, existe a imigração. Seja como for, os melhores escritores que
eu conheço são brasileiros -Machado de Assis, por exemplo.
Folha - Autores como Jorge Amado e García Márquez foram bem
aceitos no mundo inteiro. Por quê?
Rabassa - Vou responder com
um clichê: escreveram livros bons.
Além disso, existe o realismo mágico. Jorge Amado faz a fantasia se
tornar realidade, uma estátua adquirir vida. O engraçado é que a
estátua é católica e, quando se torna viva, passa a ser um orixá. Jorge
Amado é um bom narrador e García Márquez também.
Folha - O que há de comum entre
os autores latino-americanos?
Rabassa - As lendas, o folclore.
O conceito de América Latina é artificial. O Brasil, onde vivi dois
anos, é tão diferente da América
espanhola quanto dos EUA. São
três culturas diferentes. Parecem
iguais por causa da etnicidade e da
arquitetura.
Folha - Qual é a especificidade
das culturas latino-americanas de
línguas portuguesa e espanhola?
Rabassa - Acho que é mais fácil
escrever certas coisas em português do que em espanhol. A língua
portuguesa do Brasil é uma língua
em aberto. O espanhol é uma saia
justa. A grandeza de um autor da
língua portuguesa está em saber
controlar a língua. A de um autor
de língua espanhola está em conseguir romper com ela. São duas
posições inteiramente diferentes.
Jorge Amado diz que ele se deixa
levar pela língua. Já Gabriel García
Márquez precisa romper com ela.
Folha - Quais os maiores problemas que você encontrou ao traduzir do português e do espanhol?
Rabassa - É mais difícil traduzir
do português por causa da liberdade dos brasileiros com a língua.
Brincam com ela. Há ainda o vocabulário. Com Jorge Amado, por
exemplo, foi complicado traduzir
as palavras relativas ao sexo masculino, pois há muitos termos.
Folha - O que o tradutor deve fazer para que sua tradução seja
boa?
Rabassa - Primeiramente fazer
o significado passar. Depois, o espírito. Às vezes, uma palavra tem o
mesmo significado e não tem o
mesmo espírito. Em terceiro lugar, a tradução deve soar bem.
Não é fácil conseguir isso tudo.
García Márquez escreve tão bem
que é bem traduzido. O grande escritor indica ao tradutor a direção
a ser seguida.
Folha - Há muitas escolas de tradução nos EUA?
Rabassa - Não sei se a gente pode realmente ensinar a tradução,
que não é um ofício, é uma arte.
Podemos apenas ser bons guias,
mas há departamentos de tradução no país inteiro. Gostaria de ensinar a traduzir do português, mas
não há alunos.
Folha - Qual é a situação dos tradutores aqui?
Rabassa - Está melhorando. Só
que existe hoje um problema comercial. Não há mais quem queira
publicar traduções. Primeiramente, porque não vendem, e, em segundo lugar, porque é preciso pagar pela tradução. É difícil traduzir
um autor novo.
Folha - Na segunda metade do
século a literatura perdeu espaço.
E, agora, como vai ser?
Rabassa - Posso ser negativo
demais, mas acho que a leitura vai
se tornar um hábito de uma pequena minoria. A literatura faz
pensar, mas as pessoas não estão
mais tão interessadas nisso.
Betty Milan é escritora, autora de "O Papagaio e
o Doutor" e "Paris Não Acaba Mais" (Record).
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