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Em "A Cultura do Dinheiro", o crítico Fredric Jameson investiga o que chama de terceiro estágio do capitalismo
A equação da pós-modernidade
Ricardo Musse
especial para a Folha
Os trabalhos de Fredric Jameson
sobre o pós-modernismo outorgaram legitimidade intelectual e despertaram interesse
por uma série de sintomas que pareciam
apenas características de uma moda efêmera. Ao contrário de seus predecessores, entre os quais se destacam Lyotard e
Habermas, Jameson procurou entender
o pós-modernismo não só como teoria
epistemológica ou estética, mas também
como fenômeno social.
Abordando a pós-modernidade como
signo cultural de um novo estágio na história do capitalismo, consumou uma inflexão de esquerda num conceito e numa
discussão cujas origens remetiam à manutenção da ordem existente, como
mostrou com propriedade Perry Anderson, em "As Origens da Pós-Modernidade" (Ed. Jorge Zahar).
Em sua obra mais sistemática e ambiciosa sobre o assunto, "Pós-Modernismo - A Lógica Cultural do Capitalismo
Tardio" (ed. Ática), de 1991, Jameson
procura, num afã totalizante de inspiração hegeliana, estabelecer a topografia
dessa nova sensibilidade, moldada, segundo ele, pelo esmaecimento do sentido histórico, pela espacialização do que
outrora era temporal e pela transmutação, no processo de reificação, das coisas
em imagens.
Análise formal e histórica
Mas,
apesar da intensidade da análise, havia
algo de insatisfatório nesse livro. Primeiro, certa dificuldade em seguir o preceito
marxista, reiterado por ele próprio, de
apontar a investigação para as contradições da nova ordem social. Depois, uma
insuficiente utilização, na determinação
específica do funcionamento em ato dessa nova lógica cultural, de seu principal
achado teórico, a tese de que a estrutura
do capitalismo tardio promove uma dissolução da autonomia da esfera cultural,
gerando uma prodigiosa expansão até o
ponto em que tudo na vida social -do
valor econômico e do poder do Estado às
práticas individuais e à estrutura da psique- passa a ser considerado cultural.
Tudo isso assoma ao primeiro plano
do livro, num visível descompasso entre
análise formal e histórica.
Para superar esses impasses, Jameson
seguiu a pista -aberta, mas não desenvolvida naquela obra- segundo a qual a
descrição e a decodificação de uma época pós-moderna nada mais foram do que
uma precoce e insuficiente tentativa de
compreender a nova fase do capitalismo.
A virada de Jameson pode ser documentada em um artigo seu publicado no número especial da revista "Monthly Review", dedicado ao pós-modernismo
(editado em livro como "Em Defesa da
História", ed. Jorge Zahar).
Enquanto todos os participantes seguiam a vereda aberta por ele, procurando identificar a lógica cultural da sociedade atual, Jameson, por sua vez, procurava entender -na mesma chave de antes, tomando-a como um fenômeno cultural sintomático da nova fase do capitalismo- a moda intelectual subsequente: a
globalização.
"A Cultura do Dinheiro", recém-lançado pela
ed. Vozes, congrega seis ensaios, três deles pinçados do livro "Cultural Turn"
(ed. Verso, EUA), dois publicados posteriormente na "New Left Review".
Nesse movimento em que desloca a
ênfase do pós-modernismo para a globalização, da cultura para a economia, Jameson encontrou o que faltava em seu livro de 1991, uma adequada descrição daquilo que nomeia como terceiro estágio
do capitalismo. As análises de Ernest
Mandel, em "O Capitalismo Tardio" (ed.
Abril) -um livro de 1972, redigido no
momento da inflexão que conduziu o capitalismo a uma nova fase-, cedem lugar à recente teoria de Giovanni Arrighi,
exposta principalmente em "O Longo
Século 20" (ed. Contraponto, 1996).
Na versão de Arrighi, os
movimentos do capitalismo, descontínuos e em
perpétua expansão, se
cristalizam em um esquema cíclico que se desloca
ao longo de nações e espaços geográficos distintos:
a hegemonia migrou das
cidades italianas para a
Holanda, daí para a Inglaterra e, no século 20, para os EUA.
Mas o que interessou a Jameson, particularmente, foi a descrição do movimento interno de cada ciclo, uma tríade em
que primeiro ocorre "a implantação de
capital que busca investimentos numa
região nova; em seguida, o desenvolvimento produtivo da região em termos de
indústrias e manufaturas; e, finalmente,
uma desterritorialização do capital na indústria pesada para possibilitar sua reprodução e multiplicação na especulação financeira". Assim, o que geralmente
se denomina globalização seria apenas
um aspecto de um processo mais profundo, o ingresso do capitalismo no terceiro estágio, de expansão financeira.
Com esse diagnóstico do presente histórico, Jameson recompõe alguns fios
que pareciam soltos em suas análises. A
abstração inerente ao capitalismo financeiro possibilita uma equalização entre
análise histórica e formal. A lógica cultural do presente não se apresenta mais como um fechado universo foucaultiano,
mas como expressão, na esteira da tradição marxista, da dialética da modernidade. Por fim, a tese da colonização do real
pela cultura, simultânea à subordinação
da produção cultural à lógica da mercadoria, pode ser desdobrada em todas as
suas implicações.
Não se trata apenas de restabelecer, em
outro patamar, a conexão entre economia e cultura, desplugada desde o declínio do marxismo ocidental em meados
dos anos 70, mas também de precisar, à
luz de um novo contexto, a função da crítica. O predomínio do capital financeiro
intensificou a dissolução da autonomia
do estético, já prevista por Adorno e
Horkheimer no conceito de indústria
cultural, a tal ponto que inviabilizou o
projeto comum de artistas modernistas e
marxistas ocidentais de expressarem as
contradições inerentes à modernidade.
No momento atual, a associação, a reciprocidade entre crítica cultural e crítica
social, a possibilidade de "pensar dialeticamente a evolução do capitalismo como um progresso e uma catástrofe ao
mesmo tempo" parece ter se tornado
uma tarefa solitária da crítica.
A Cultura do Dinheiro
208 págs., R$ 21,00
de Fredric Jameson. Trad. Marcos César Soares e Maria Elisa
Cevasco. Ed. Vozes (r. Frei Luís,
100, CEP 25689-900, Petrópolis,
RJ, tel. 0/xx/ 24/ 4237-5112).
Ricardo Musse é professor no departamento de
sociologia da USP.
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