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A ética da paixão
EM "O QUEBRA-CABEÇA DA SEXUALIDADE", O ESPANHOL JOSÉ ANTONIO MARINA RETRATA A UTOPIA DA FELICIDADE NAS RELAÇÕES AMOROSAS
MIRIAN GOLDENBERG
ESPECIAL PARA A FOLHA
É possível uma sexualidade feliz? Essa pergunta provocou o filósofo espanhol José
Antonio Marina a escrever o livro "O Quebra-Cabeça da Sexualidade". Um dos intelectuais mais famosos e lidos na Espanha, Marina escreveu
mais de 25 livros desde 1992,
quando iniciou sua carreira de
pesquisador independente.
"O Quebra-Cabeça da Sexualidade" é seu primeiro publicado no Brasil, apesar de não ser
o mais vendido de sua lista de
sucessos editoriais.
Nele, é possível encontrar
preocupações e idéias já presentes em livros anteriores, como a questão da ética como
meio mais inteligente de viver
e de fazer escolhas amorosas e
sexuais.
Saber prático
Para Marina, a ética é um saber prático sobre a felicidade. É
a inteligência colocada a serviço dos afetos, dos interesses e
das esperanças. A ética inventa
projetos de vida e indica os deveres necessários para realizá-los. À ética pertence tudo o que
é imprescindível para a felicidade e para a dignidade do próprio indivíduo e dos outros.
O autor é irônico e, ao mesmo tempo, sério em suas reflexões. Logo no início, constata a
verdade de nossos tempos: a família está em crise, o casamento está em crise, o amor está em
crise.
E provoca: "Espero que algum dia a crise entre em crise".
Para Marina, a vida a dois e a
vida familiar produzem alegrias e satisfações, mas, também, muita dor, sofrimento e
violência. Com a atual ausência
de modelos, as relações sexuais
e amorosas têm que ser reinventadas individualmente, o
que, na teoria, é maravilhoso,
mas, na prática, é fonte de conflitos e enormes dificuldades.
O amor tornou-se mais do
que nunca necessário para a felicidade e, ao mesmo tempo,
quase impossível de ser realizado. Ele analisa a tensão insuperável da atualidade.
Somos impulsionados por duas grandes motivações: o desejo de bem-estar (que é conservador, utilitário, calculista)
e a expansão de nossas possibilidades vitais (que é arriscada,
incômoda, instável, inovadora). No amor e no sexo queremos nos sentir, paradoxalmente, tranqüilos e exaltados, seguros e intensos, ternos e apressados, fiéis e livres, imanentes e
transcendentes.
Pró-liberação
"O Quebra-Cabeça da Sexualidade" é um manifesto em favor da liberação sexual. Para
Marina, o que mais se parece
com a sexualidade criadora e
feliz é uma conversa.
É impossível o diálogo lingüístico, amoroso e sexual para
aqueles que só sabem e gostam
do monólogo. A verdadeira
conversa tem um ar de liberdade compartilhada. Não é possível impor o seu rumo ou obrigar o outro a participar dela
sem desejo.
Não é um debate ou uma discussão, uma competição entre
dois indivíduos que acreditam
serem os donos da verdade ou
os proprietários do ser amado.
Ela é imprevisível, cheia de surpresas e descaminhos.
O mesmo acontece com a
conversa erótica. O monólogo
sexual, para Marina, é como
uma masturbação solitária que
exclui o outro amante. As conversas eróticas são estimulantes, podem ser intermináveis e
dependem do respeito e do cuidado com que se ouve e se presta atenção ao interlocutor.
É a capacidade não só de
compreender o que o outro diz,
mas de se deixar afetar pelo outro, em todos os níveis.
A partir da idéia de uma conversa erótica, Marina desenvolve outras questões que considera básicas para uma sexualidade feliz: o cuidado com o outro, a dignidade da convivência
e uma ética própria ao casal.
A vida amorosa, para ele, não
é fruto da casualidade nem pode existir com o descaso. O
amor tem que cumprir suas tarefas para ser feliz. O amor tem
uma ética própria.
O filósofo diz que não deveriam existir monólogos amorosos, mas que é muito raro encontrar um bom interlocutor.
Uma boa conversa
Apesar de tão rara (ou, quem
sabe, exatamente porque é rara), a conversa amorosa é um
modelo desejado em quase todas as culturas existentes, e a
sua ausência é vivida como um
enorme fracasso individual e
coletivo.
Marina acredita que nos enganamos ao dizer que o grande
valor de nossos tempos é a liberdade. Para ele, o grande valor é a autonomia, ou seja, a capacidade de escolher nosso
projeto de vida e realizá-lo.
Em uma relação amorosa,
certamente, perde-se em parte
a liberdade individual, mas, por
outro lado, pode-se conquistar
a autonomia, aumentar as possibilidades vitais e criativas de
cada um dos amantes, despertar poderes adormecidos ou
embrionários e construir um
novo modo de vida.
Em tempos de banalização
das relações amorosas, de extrema superficialização das
pessoas, da ditadura do orgasmo obrigatório, de indivíduos
infantis, chatos, preguiçosos,
covardes e fracassados no amor
e no sexo, o filósofo propõe a
valorização profunda e terna da
intimidade, a reciprocidade
equilibrada entre os amantes, o
cuidado, a admiração, a valorização e o respeito pelo outro, o
exercício da capacidade de se
deixar afetar e de afetar o ser
amado.
Ele acredita que, mais do que
necessário, é urgente desenvolver a capacidade de amar com
ética. Só assim responderia positivamente à sua pergunta inicial: sim, é possível uma sexualidade feliz!
MIRIAN GOLDENBERG é antropóloga e professora do Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia da Universidade Federal do RJ e autora de "Os Novos Desejos" (Record).
O QUEBRA-CABEÇA
DA SEXUALIDADE
Autor: José Antonio Marina
Tradução: Diana Araujo Pereira
Editora: Guarda-Chuva (tel. 0/xx/21/
2572-6103)
Quanto: R$ 38 (308 págs.)
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