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O pesquisador francês Dominique Wolton defende a comunicação de massa do desprezo das elites intelectuais
Os meios democráticos
BETTY MILAN
especial para a Folha
A comunicação de massa encontra em Dominique Wolton
um especial defensor. O ensaísta
francês considera que ela está essencialmente ligada à emancipação do Ocidente e aos processos
democráticos. Para ele, constitui
um paradoxo das elites intelectuais defender a democracia, mas
desprezar o rádio e a televisão, como diz na entrevista abaixo.
Wolton, nascido em 1947, é pesquisador no CNRS (Centro Nacional de Pesquisa Científica), em
Paris, onde dirige o Laboratório
de Comunicação e Política e a revista "Hermes: Cognição, Comunicação e Política". Entre seus livros recentes, estão "Internet et
Après?" (Internet e Depois?,
1999), "Penser la Communication" (Pensar a Comunicação,
1998) e "Eloge du Grand Public"
(Elogio do Grande Público, 1992).
Folha - Gostaria que o senhor
falasse das principais mudanças
introduzidas pela comunicação
no decorrer do século 20.
Dominique Wolton - A comunicação é indissociável do movimento de emancipação dos indivíduos, da liberdade de consciência, da liberdade de palavra: não
existe democracia sem liberdade
de informação e de comunicação.
Existem portanto dois movimentos paralelos, um que é de ordem
cultural e outro, de ordem política. O interessante é analisar como
esses dois movimentos se articularam na democracia de massas.
Não podemos pensar na emancipação do Ocidente sem pensar no
rádio e na televisão. Sou um dos
raros pesquisadores favoráveis à
comunicação de massas por considerar que está associada à democracia. A crítica que eu faço
aos intelectuais é que eles são pela
democracia de massas, mas paradoxalmente desprezam o rádio e a
televisão.
Folha - Esse desprezo não estaria ligado ao fato de que eles
não sabem fazer uso dos meios
de comunicação de massas?
Wolton - Essa é a tese otimista.
Acho que as elites são sobretudo
elitistas e se sentiram despossuídas pelo rádio e pela televisão.
Acharam que a cultura de massas
ia colocar em questão a cultura do
livro, o que não é verdade. Cada
uma dessas culturas desempenha
um papel. O desafio é ligar a democracia de massas à comunicação de massas. Nós precisamos
nos perguntar quais são as informações, os divertimentos, os jogos, a cultura que devemos dar às
pessoas para que elas se sintam simultaneamente consumidoras,
cidadãs, membros de uma coletividade nacional...
Folha - Foi exatamente o que
aconteceu durante a Copa do
Mundo.
Wolton - Claro. A função principal da mídia é estabelecer o laço
social. A mídia é hoje o único recurso por meio do qual as pessoas
sentem que pertencem a uma comunidade nacional.
Folha - A manipulação da informação moderna supõe um
conjunto de mecanismos de
aprendizagem complexa e de
adaptação rápida e não está ao
alcance de todos. Por isso mesmo pode criar um conflito violento na sociedade, pode engendrar grandes tensões. Como
o senhor vê isso?
Wolton - As desigualdades sociais reaparecem na comunicação. Por isso eu sou favorável, do
ponto de vista teórico, à mídia de
massas, porque aí a mesma mensagem é enviada a todo o mundo.
Isso não basta para chegar a uma
igualdade social, mas tem a vantagem de fazer com que todos participem da mesma coisa. Por isso
eu temo, na evolução dos sistemas audiovisuais, a tendência
agora existente de considerar que
o rádio e a televisão são meios de
categoria menor e que todos os
programas interessantes deveriam aparecer na mídia temática.
Isso é perigoso, porque tudo que é
cultural não será mostrado ao povo. Então nós teremos um sistema
de comunicação com duas velocidades, um para os pobres e outro
para os ricos. A história do rádio e
da televisão até agora felizmente
evitou isso. O que interessa é justamente o leque de programas, ou
seja, você tem numa semana 60
programas, você só está interessado em 10, mas os outros 50 programas existem paralelamente e
têm tanta legitimidade quanto os
que você quer ver. O interesse de
um jornal é que a gente tem tudo
no mesmo dia. Você está interessado só no esporte, mas de repente você descobre outra coisa porque ela está no jornal. É preciso
dar o máximo de informação a todo o mundo, e cada um que fique
com o que quiser.
Folha - Os EUA difundem, sob
todas as formas possíveis, a sua
retórica, os seus comportamentos, os seus problemas, a sua
violência compulsiva... Eles absorvem as grandes culturas da
civilização ocidental e liberam
uma energia caótica nos domínios cultural e moral por intermédio dos meios de comunicação. Como se opor a tal poder?
Wolton - A comunicação é o
problema mais sério do próximo
século. A questão toda é a regulamentação. Os americanos dizem
que é preciso desregulamentar.
Querem isso para difundir livremente a cultura americana. Ora, a
resistência das identidades nacionais é fundamental. A Europa reivindica a "exceção cultural", a revalorização do direito autoral, a
regulamentação das indústrias, a
preservação do serviço público. O
risco de que a Europa perca a sua
identidade não existe porque a
Europa é muito mais antiga do
que os EUA, mas a dominação
pode ocorrer. O risco não é grave
para a Europa, mas é para as outras áreas culturais do mundo, a
África, a Ásia, a América Latina,
que têm menos recursos técnicos
e culturais para resistir.
Folha - As grandes civilizações
-chinesa, indiana, muçulmana- não estão ameaçadas no
que diz respeito à perda da
identidade cultural, devido à
tradição, à demografia e à proteção linguística. A Europa parece estar mais sujeita à descaracterização do que a Ásia.
Wolton - A força da globalização é tal que mesmo as grandes civilizações estão ameaçadas. São as
mesmas mensagens audiovisuais
que circulam.
Folha - Mais ameaçadas do
que a Europa?
Wolton - Sim, porque nós, europeus, somos pequenos, mas temos dez línguas. Portanto o problema da comunicação e das diferenças culturais nós conhecemos.
Não nos entendemos mesmo entre nós. A gente se entende para
fazer a Europa econômica. Agora,
para chegar à Europa política é
muito difícil. E será ainda mais difícil chegar à Europa cultural.
Acho que a batalha da Europa
contra os EUA vai ser útil para o
mundo inteiro.
Folha - Mas a Europa pode se
tornar presa dos EUA devido à
sua riqueza material.
Wolton - É bem por isso que os
EUA querem ter a mão posta sobre a Europa. Porque para a indústria da comunicação americana nós somos o primeiro mercado do mundo: 360 milhões de habitantes, com um alto nível de vida e um bom nível cultural, é um
mercado formidável. Quanto
mais rapidamente nós obrigarmos os americanos a aceitarem as
identidades das outras culturas,
mais rapidamente salvaguardaremos a possibilidade de uma comunidade internacional respeitosa das diferenças.
Folha - E o senhor acaso acha
que o Brasil pode desempenhar
um papel importante contra a
dominação americana?
Wolton - Essencial. Vocês são
muito numerosos, vocês são multirraciais, têm uma inteligência
extraordinária da comunicação.
Na América Latina, o Brasil equivale à Europa. Há uma incrível inteligência acumulada no Brasil.
Betty Milan é escritora e psicanalista, autora
de "O Papagaio e o Doutor" (Record), entre
outros. A entrevista acima, em versão ampliada, faz parte do livro "O Século", lançado
na última semana pela Record.
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