São Paulo, domingo, 15 de setembro de 2002

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+ livros

Três estudos abordam os primórdios da TV no Brasil, seu impacto hoje e sua relação com a moda e o teatro

Tramas do espetáculo

A tendência a cair em uma negação mal-humorada, definida a priori, ou no seu oposto predominou até recentemente

Esther Hamburger
Crítica da Folha

A televisão está em foco em três novos lançamentos que abordam as peculiaridades do meio de comunicação eletrônica mais disseminado e menos estudado. A quantidade de títulos reforça o contraste entre popularidade e descaso que cerca o veículo, seja na imprensa escrita, seja na academia. Achar o tom adequado para escrever sobre televisão é um desafio colocado permanentemente a todos que lidam com o assunto. A tendência a cair em uma negação mal-humorada, definida a priori, ou no seu oposto, uma saudação morna -temperada à fofoca sobre a vida pessoal das estrelas-, predominou até recentemente. Os novos títulos sugerem que alternativas ainda estão em fase de gestação. Artigos de jornal são muitas vezes depreciativamente tidos como papel destinado a "embrulhar peixe" no dia seguinte -o que, se comparado com a imagem virtual da TV, que nem essa materialidade tem, pode ser bastante. A publicação em livro teria a função de eliminar essa transitoriedade. Trabalhos importantes da literatura moderna foram originalmente publicados como folhetins em jornais. Em livro, ganharam a forma de romances que se tornaram clássicos. No caso de críticas e crônicas de um autor, como Pauline Kael [crítica de cinema da "New Yorker", morta no ano passado", ou de uma revista, como a "Cahiers du Cinéma", a coletânea torna textos passados acessíveis ao leitor, coisa que a internet talvez torne obsoleta. "A Vida com a TV - O Poder da Televisão no Cotidiano" (organizada por Luiz Costa Pereira Jr.), coletânea de artigos de autores diversos escritos para o suplemento especializado de "O Estado de S. Paulo", não se encaixa em nenhuma dessas categorias. O livro carece de uma unidade de estilo, data, tema ou formato. Não sabemos qual é o período abrangido. A falta de datas em cada artigo prejudica a leitura, já que, ainda mais que o jornal, o assunto comentado, a TV, é datado. Ao se restringir ao caderno de TV, o livro deixa de fora textos de críticos daquele jornal, como Leila Reis. Dois novos livros são originalmente teses acadêmicas. "Figurino, uma Experiência na Televisão", de Adriana Leite e Lisette Guerra, aborda um aspecto particularmente estratégico no Brasil, onde a TV constitui referencial importante na disseminação de moda. O livro, com muitas ilustrações, coloridas e em preto-e-branco, tem na fotografia de Lisette Guerra um de seus atrativos. A tese de mestrado de Adriana Leite, defendida no departamento de design da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, se insere na linha dos estudos da indumentária, dimensão da existência que vem ganhando interesse com a valorização ideológica, historiográfica e sociológica dessa, entre outras dimensões da vida cotidiana. O acerto na escolha do tema e no projeto gráfico do livro não compensa, no entanto, a falta de articulação entre as imagens e o texto -e a generalidade de ambos. Em parte manual didático, útil aos candidatos a uma vaga no mundo da moda -e essa talvez seja uma qualidade do livro- , em parte súmula de trabalhos anteriores sobre a televisão, nem texto nem imagem conseguem se aprofundar na lógica fascinante do vestir e em suas implicações na TV.

Vários sujeitos
Já "O Espetáculo da Cultura Paulista -Teatro e TV em São Paulo, 1940-1950", do ator e professor da Universidade Estadual de Campinas David José Lessa Mattos, é originalmente uma tese de doutoramento defendida no departamento de história da USP. Baseado em extensa pesquisa e em sua memória de participante, o ator-pesquisador procura reconstituir e relacionar as tramas minuciosas que fizeram o teatro e a televisão no período selecionado.
A partir de depoimentos orais de diversos sujeitos da cena cultural da época, o autor descreve laços pessoais, conexões profissionais e ideológicas que marcaram as relações entre migrantes e paulistas, profissionais do rádio, do teatro, do cinema, do jornalismo e da TV.
O relato vale especialmente por aquilo que se refere ao rádio e aos primórdios da TV. O arrolar das principais figuras do rádio que fizeram os primeiros anos de TV, suas conexões com o universo efervescente do teatro, seu fascínio pelo cinema, sua filiação ideológica de esquerda, reúne dados que merecem consideração na análise das características técnicas e estéticas do teleteatro, gênero que à época merecia maior atenção do público e dos profissionais de TV do que as novelas, que posteriormente viriam a dominar a cena.
Os últimos capítulos do livro, especialmente, sistematizam em tom descritivo e pessoal informações que se encontram dispersas em valiosos depoimentos colhidos e armazenados por raros pesquisadores do assunto, em museus e centros culturais e na bibliografia existente. Desses novos livros, é o mais sugestivo para pesquisas futuras.


Esther Hamburger é antropóloga e professora na Escola de Comunicações e Artes da USP. É editora do site "Trópico" (www.uol.com.br/tropico).


A Vida com a TV
296 págs., R$ 33,00 Luiz Costa Pereira Jr. (org.). Ed. Senac (r. Rui Barbosa, 377, 1º andar, CEP 01060-970, SP, tel. 0/xx/11/ 3284-4322).



Figurino, uma Experiência na Televisão
240 págs., R$ 55,00 de Adriana Leite e Lisette Guerra. Ed. Paz e Terra (rua do Triunfo, 177, CEP 01212-010, SP, tel. 0/ xx/11/ 3337-8399).



O Espetáculo da Cultura Paulista
272 págs., R$ 33,00 de David José Lessa Mattos. Ed. Códex (alameda Ministro Rocha Azevedo, 456, 9º andar, CEP 01410-000, SP, tel. 0/ xx/11/ 3061-3563).



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