|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Mulheres marcadas
Obra esmiúça a história
de campo de concentração nazista
onde 117 mil
prisioneiras
foram mortas
EVA BLAY
ESPECIAL PARA A FOLHA
Desvendar o Holocausto, negado pelos ignorantes, punir os nazistas assassinos foi um
processo que só se aprofundou
na Alemanha depois do julgamento de Eichmann [em 1961],
disse Hannah Arendt. E quanto
falta conhecer!
Sabia-se da presença de mulheres em todos os campos,
mas não que houvesse um
campo especialmente destinado a elas e a meninas forçadas
ao trabalho escravo.
É o que nos revela Rochelle
G. Saidel, em seu magnifico "As
Judias do Campo de Concentração de Ravensbrück".
Ravensbrück era um campo
só para mulheres. Rochelle Saidel, ao visitá-lo em 1980, constatou que se falava de todas as
prisioneiras, especialmente
das comunistas, e nada se dizia
sobre as judias, mesmo as judias comunistas.
Por que essa omissão? Esclarecer esta questão se tornou
seu objetivo. Durante 25 anos,
coletou documentos, ouviu sobreviventes, judias ou não, pesquisou bibliotecas em vários
países e voltou ao campo diversas vezes por ocasião das comemorações de sua libertação.
Rochelle descobriu que, de
cada 100 mulheres, pelo menos
20 eram judias. Os responsáveis pelo memorial do campo
tentavam se desculpar pela
omissão afirmando que faziam
uma classificação pelas nacionalidades, e não religião.
Paradoxo, pois as deportadas
de cada uma das "nacionalidades" o eram em decorrência da
condição judaica, mesmo as
que tivessem aderido a outras
religiões, e não devido à nacionalidade.
No campo havia comunistas,
antinazistas, social-democratas, homossexuais, criminosas,
prostitutas, ciganas, testemunhas de Jeová e judias.
Construído por prisioneiros
de campos de concentração
próximos, Ravensbrück recebeu a primeira leva de mulheres em 18 de maio de 1939.
A cada ano chegavam centenas de deportadas. Vieram de
Polônia, Áustria, França, Bélgica, Holanda, Noruega, Iugoslávia e outros países ocupados.
Um campo previsto para 3.000
mulheres chegou a ter 132 mil
prisioneiras durante seus seis
anos de existência.
Tifo e inanição
Mas a crueldade da morte
por tifo, tuberculose, inanição
ou monóxido de carbono dos
escapamentos de caminhões
não bastava e, em novembro de
1944, [o chefe da polícia nazista
Heinrich] Himmler ordenou
que se construíssem câmaras
de gás em Ravensbrück.
Das 132 mil mulheres que
passaram pelo campo, 117 mil
foram mortas. A Cruz Vermelha resgatou 7.500 prisioneiras,
enviando-as para a Suíça e a
Suécia no último momento da
dominação nazista.
Quando o Exército russo libertou o campo, em abril de
1945, restavam 3.000 mulheres
moribundas.
O livro descreve detalhadamente como as prisioneiras
realizavam um trabalho escravo. Construíam estradas, formavam uma fileira como animais para carregar pedras do
lago das circunvizinhanças e
depois as esmagavam com um
cilindro que exigia dez mulheres para ser movido; alinhavam
as pedrinhas à mão pelos caminhos do campo.
As mulheres trabalhavam
também fora do campo: foram
escravas da fábrica Siemens na
produção de armamentos.
Fome, frio, total ausência de
roupas adequadas ao rigoroso
inverno, falta de sapatos se somavam a chibatadas e ataques
de cães. Mulheres e meninas
eram também enviadas para
terríveis "experiências" médicas que ultrapassam o limite da
razão.
Várias prisioneiras de Ravensbrück tiveram ligações
temporárias ou permanentes
com o Brasil e suas histórias são
relatadas no livro.
Elisabeth Saborovski Ewert,
conhecida como Sabo, veio ao
Brasil enviada pelo Comintern
[a Internacional Comunista]
para, junto com Prestes, atuar
no Partido Comunista.
Presa, teve destino semelhante a Olga Benário Prestes;
ambas foram enviadas num navio nazista, em 1936, para a Alemanha.
Sabo passou no Brasil por
prisões, tortura, foi estuprada
diante do marido, acabou em
Ravensbrück, onde teve de trabalhar terrivelmente, embora
fosse tuberculosa, e seu corpo,
apenas pele e ossos.
Quando desmaiou, carregando pedras, foi chutada e mordida pelos cães atiçados pelas
guardas do campo. Apesar dos
esforços das companheiras,
não resistiu.
Vida no campo
A condição de gênero teve várias consequências distintas
para homens e mulheres. O perigo dos estupros estava sempre presente. Mulheres grávidas eram mortas ou tinham
seus bebês mortos, às vezes por
elas mesmas para que não sofressem a vida torturante do
campo.
Socializadas para o pudor,
sofriam quando tinham de ficar
nuas diante de homens e mesmo de mulheres do campo. Mas
essa mesma socialização para o
"cuidar" ajudou a preservar a
dignidade e até a sobrevivência
de algumas.
Mulheres preparadas para as
tarefas domésticas enganavam
a fome trocando receitas, fazendo pequenos presentes como um simples desenho, esculpindo uma escova de dentes,
bordando um pequeno pano,
lembrando um aniversário.
Simples gestos ganhavam
enorme significado.
Após o fim da guerra, Ravensbrück ficou sob a supervisão dos comunistas russos e depois da República Democrática
Alemã.
De início, o Memorial de Ravensbrück ressaltava o heroísmo das mulheres comunistas
russas ou alemãs, ignorando inteiramente as judias -mesmo
as que também eram comunistas. Só depois de 1995 se abriu
um espaço para essas mulheres
esquecidas, certamente obra da
competente e persistente pesquisadora Rochelle Saidel.
EVA BLAY é professora titular de sociologia na
Universidade de São Paulo e autora de "Assassinato de Mulheres e Direitos Humanos" (ed. 34).
AS JUDIAS DO CAMPO DE CONCENTRAÇÃO DE RAVENSBRÜCK
Autor: Rochelle G. Saidel
Tradução: Antonio de Pádua Danesi
Editora: Edusp (tel. 0/xx/11/ 3091-4008)
Quanto: R$ 59 (344 págs.)
Texto Anterior: + Cronologia Próximo Texto: + Lançamentos Índice
|