São Paulo, domingo, 16 de fevereiro de 1997.

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

TRABALHADORES RURAIS

A líder camponesa dos anos 50 Elizabeth Teixeira, cuja história foi contada no filme ``Cabra Marcado para Morrer'', encontra Diolinda Alves de Souza, do Movimento dos Sem Terra, no Pontal do Paranapanema

Marlene Bergamo/Folha Imagem
A mineira Diolinda Alves de Souza e a paraibana Elizabeth Teixeira no acampamento dos sem-terra no Pontal do Paranapanema


Mulheres e margaridas

MARILENE FELINTO
enviada especial ao Pontal do Paranapanema

Entre 20 e 23 de janeiro último, encontraram-se na cidade de Teodoro Sampaio (710 km a oeste de São Paulo) as líderes camponesas Elizabeth Teixeira, 72, e Diolinda Alves de Souza, 26.
Elizabeth Teixeira, mulher de João Pedro Teixeira, fundador e líder da Liga Camponesa de Sapé (PB), assassinado em 1962, foi a primeira mulher brasileira a se destacar na defesa dos direitos dos trabalhadores rurais.
Depois da morte de João Pedro, numa emboscada a mando de fazendeiros paraibanos, Elizabeth, que só estudara até o segundo ano primário, assumiu a direção da liga e passou a dividir sua vida entre os 11 filhos e o movimento pela reforma agrária.
Filha de um proprietário de terras e comerciante de Sapé (a 50 km de João Pessoa), Elizabeth fugiu de casa para se casar com João Pedro, em 1942, pois o pai foi contra o casamento com um ``negro, cassaco e terrorista invasor de terras''.
João Pedro, mulato, era de família pobre e trabalhava em pedreiras e engenhos da região. Trocou a religião (protestante Batista) pela atuação política nas ligas camponesas, único meio legal na época para combater as injustas condições de trabalho no campo: aumento do foro, cambão (trabalho obrigatório sem pagamento), despejo dos camponeses sem indenização pelas benfeitorias e lavouras e uso de violência pelos grandes proprietários de terra.
Segundo Elizabeth, a reunião para assassinar João Pedro aconteceu na casa de seu pai, Manoel Justino da Costa, hoje ainda vivo, com 102 anos, e ligado à UDR (União Democrática Ruralista) da Paraíba. Ela mantém rompida sua relação com o pai desde os anos 40.
Seis meses depois do assassinato de João Pedro Teixeira, o filho Paulo, então com 13 anos, levou um tiro na testa e passou seis meses no hospital. O atentado teria sido cometido por capangas de fazendeiros que escutaram o menino dizer que vingaria o pai. Pouco tempo depois, Marluce, a filha mais velha do casal Teixeira, suicidou-se de desgosto.
O filho Isaac, então com 11 anos, recebeu uma bolsa de estudos do governo de Cuba, para onde partiu e onde viveria por mais de 20 anos sem contato com a família, formando-se em medicina e advocacia. Em 1963, Elizabeth foi para Cuba visitar Isaac, a pedido de Fidel Castro, que estendeu a ela o convite para ir viver e trabalhar na ilha com todos os filhos.
A história da vida de Elizabeth e João Pedro Teixeira, bem como da formação das ligas camponesas do Nordeste, inspirou o filme ``Cabra Marcado para Morrer'' (1984), prestigioso documentário do cineasta Eduardo Coutinho.
Iniciado em 1964 -e estrelando a sertaneja Elizabeth Teixeira como atriz de seu próprio personagem-, o filme foi interrompido naquele mesmo ano, apreendido pela repressão militar instaurada com o Movimento de 64. As filmagens só foram retomadas 17 anos depois.
O movimento militar transformou numa tragédia ainda maior a vida da viúva Elizabeth Teixeira. Depois de quatro meses presa na Paraíba, ela foi obrigada a se separar dos filhos e a se refugiar no sertão do Rio Grande do Norte, sob o nome falso de Marta Maria da Costa.
Viveu quase duas décadas na cidadezinha de São Rafael, sem notícia dos filhos e da família, que a tinha como morta. Seu paradeiro foi descoberto por Eduardo Coutinho, que retomou sua história no filme, em 1981.
Diolinda Alves de Souza é uma das principais líderes do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) de São Paulo, mulher de José Rainha Jr., dirigente do MST para a região do Pontal do Paranapanema.
A mineira Diolinda entrou para o MST em 1985, quando participou, aos 15 anos e ao lado da mãe, Diomara Maria Rosa, 68, da primeira ocupação de uma fazenda, no Espírito Santo. Saiu de casa para juntar-se definitivamente ao movimento depois de levar uma surra de um irmão, que queria proibi-la de atuar no MST.
Desde então, Diolinda foi presa quatro vezes, acusada de formação de quadrilha e invasão de propriedade. Da última vez, em janeiro de 1996, ficou quase dois meses separada do filho João Paulo, 3.
No fim dos anos 80, Diolinda, que tem formação técnica (em agricultura) de primeiro grau, morou três meses em cooperativas agrícolas de Cuba, também a convite do governo cubano.
A Folha acompanhou com exclusividade a visita de Elizabeth Teixeira -que veio especialmente convidada de João Pessoa, onde mora- ao Pontal do Paranapanema e o encontro histórico entre essas duas mulheres de gerações diferentes, mas de trajetória similar, musas involuntárias, de rosto firme e bonito, cujo destino se confunde com o que elas chamam de ``a luta''.
Muitas vezes privadas do que têm de mais precioso -a liberdade, os filhos, os maridos, a vaidade feminina-, elas nem por isso deixam de se esquecer de si mesmas para reiterar seu compromisso com esse destino de margaridas.
Margarida Maria Alves, presidente do sindicato dos trabalhadores rurais de Alagoa Grande (PB), que combatia o trabalho desumano dos cortadores de cana da região, foi assassinada em 1983 e transformou-se em símbolo da luta das mulheres sem-terra.

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice


Copyright 1996 Empresa Folha da Manhã