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+(L)ivros
+mais! (1992 - 2010)
O Mais! deixa de circular, legando exemplos
de liberdade
e atualidade na abordagem de temas culturais
ALCINO LEITE NETO
EDITOR DA PUBLIFOLHA
Quando o Mais! foi
lançado, em 16 de
fevereiro de 1992,
uma das brincadeiras que mais
ouvi, dentro e fora da Redação,
indagava: "O caderno chama-se
Mais! ou chama-se "Menos'?".
A reclamação, a princípio, fazia
sentido.
O veículo foi criado para reunir num só lugar dois produtos
bem-sucedidos do jornal:
"Ciência" e "Letras". Também
agregava assuntos da Ilustrada, que deixou de circular aos
domingos, e uma seção que
existia em Mundo, chamada
"Multimídia Especial".
A criação do número 1, sob o
comando de seu talentoso primeiro editor, Marcos Augusto
Gonçalves, foi uma aventura
que dificilmente esquecerei.
Como fazer caber em suas 18
páginas parte do conteúdo habitual de todos aqueles cadernos suprimidos, mas sobretudo
realizar uma "renovação do
jornalismo cultural brasileiro",
como o Mais! fora anunciado
nas páginas do jornal?
Em oposição ao espírito acadêmico e literário que predominava nos cadernos culturais
semanais da época, este foi erguido sobre o seguinte tripé:
mais jornalismo, mais atenção
aos temas atuais e mais intervenção polêmica no debate sociocultural (e mesmo político)
brasileiro.
Na conta do jornalismo, praticamente todos os principais
repórteres do jornal escreveram matérias de envergadura
para o Mais!. O empenho dos
editores Adriano Schwartz e
Marcos Flamínio Peres fez
adensar essa estratégia, que
culminou nos anos recentes
nas premiadas reportagens de
Mário Magalhães e Joel Silva
("Os anti-heróis - O submundo
da cana", 24/8/2008) e Raphael Gomide ("O Infiltrado
-PM por dentro", 18/5/2008).
O caderno também cuidou
de levar para o jornalismo cultural sofisticado os princípios
que norteiam o "Manual da Redação" da Folha, inclusive no
que diz respeito aos modelos
de edição do jornal, com uso intensivo de recursos didáticos,
mapas, gráficos e estatísticas.
Futurismo
A preocupação com trazer temas atuais à pauta, por sua vez,
foi um modo de evitar a tendência ao passadismo e à museificação, que continuam sendo verdadeiras pragas do jornalismo cultural. Com isso, o semanário abriu-se a assuntos
muito variados e heterodoxos,
às vezes futuristas.
Foi o primeiro espaço da
grande imprensa a levar a sério
a internet, quando a web ainda
era apenas uma fantasia (17/7/
1994, em reportagem visionária de Maria Ercilia). Abro a
edição de 9/4/2000, e vejo que
o assunto de capa ("O livro
morreu! Viva o e-livro!") traz
uma reportagem minuciosa sobre as experiências com livros
eletrônicos -dez anos antes do
Kindle e do iPad.
Deixar o caderno bem próximo da atualidade exigia um trabalho imenso. Para começar,
era fundamental ao editor e à
equipe ter um sentimento
acentuado de pertencimento à
sua época. Precisávamos também ser tremendamente ágeis,
porque não interessava ao
Mais! a atualidade abstrata,
mas o que havia acontecido na
última semana. Recordo que,
inúmeras vezes, edições já
prontas foram substituídas por
outras, na última hora, para
trazer à capa um assunto mais
quente e mais relevante no momento vivido pelo leitor.
Com isso, a partir de exemplos concretos e no calor dos
acontecimentos, os principais
debates do final do século 20 e
do início do século 21 foram
abordados: o fim do comunismo, a crise da esquerda, a globalização, o multiculturalismo,
as políticas afirmativas, o colapso da psicanálise, a neurociência, a bioética, a entrada na
era digital, o terrorismo e a política securitária pós-11 de Setembro, o neoconservadorismo
etc. etc.
A ambição de intervir no debate sociocultural e político
brasileiro também excitava
muito os que participavam do
caderno. Um dos "momentos
culminantes" desse esforço jornalístico foi o debate desencadeado pelo economista José
Luis Fiori, em reportagem de
Fernando de Barros e Silva (de
3/7/1994), sobre a influência
das diretrizes neoliberais do
Consenso de Washington no
plano de governo do então candidato presidencial Fernando
Henrique Cardoso. Foi uma gigantesca polêmica, e o próprio
FHC interrompeu a campanha
para redigir uma longa réplica à
reportagem.
Liberdade
À parte o tripé que associava
jornalismo, atualidade e intervenção, o Mais! tinha outra base editorial, nos bastidores:
mais irreverência, mais reflexão e mais liberdade.
Das irreverências, dou apenas um exemplo (há vários).
Dezenas de pessoas cancelaram sua assinatura do jornal no
dia seguinte à publicação de
uma antologia de poemas dedicados à vagina.
Para piorar, a edição (20/7/
1997) estampava na capa o quadro "A Origem do Mundo", de
Courbet -o "close" pictórico
de uma genitália-, numa disposição gráfica arrojada e elegante, criada por Renata Buono, a designer que sempre esteve por trás da excelência visual
do caderno.
Outra atitude foi a de nunca
considerar o leitor um néscio e
sempre acreditar que ele se interessa pelas reflexões mais
complexas e mais ousadas. A
editoria evitou a todo custo cair
no anti-intelectualismo ou na
aversão às "vanguardas" das artes e do pensamento -ressentimentos que atingem com frequência o meio jornalístico.
Assim, abriu-se à colaboração inestimável de um numeroso elenco de professores, intelectuais, escritores, dramaturgos, cineastas e artistas
plásticos, entre outros profissionais, do Brasil e do exterior,
dos mais diferentes matizes
políticos e das mais diversas
correntes culturais. Sem eles,
teria sido apenas um caderno
cultural qualquer.
Foi a tradição editorial da
Folha de um jornalismo polifônico, aberto e tolerante -tradição erguida na luta contra a
ditadura militar- que inspirou
e alimentou essa dinâmica colaborativa, multidisciplinar e
calcada na liberdade de pensamento.
É esta mesma liberdade,
creio, o principal legado do
Mais! ao novo e ilustríssimo
caderno que o substituirá, a
partir do próximo domingo.
ALCINO LEITE NETO foi editor do Mais! de
1994 a 2000.
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