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O autor favorito de Marx
da Redação
A obra de Honoré de Balzac não
só alimentou uma legião de escritores do século 19 (Flaubert, Tolstói, Hardy, Machado), mas também contribuiu muito para fundar
uma disciplina que surgia naquele
momento: a sociologia. Mais que
isso, a ficção balzaquiana foi em
grande medida responsável pela
construção do pensamento político mais influente desde então, o
marxismo. O próprio Marx costumava dizer que "A Comédia Humana" tinha sido mais importante para a sua compreensão da sociedade francesa do que os muitos
tratados de economia, história e
filosofia devorados por ele. A mesma opinião era partilhada por
Friedrich Engels, que em carta a
Margareth Harkness (1888) afirmou ter aprendido com Balzac
"mais do que aprendi com todos
historiadores, economistas e estatísticos profissionais do período".
Marx foi talvez o primeiro a perceber que a literatura, embora não
se situasse no plano do factual
nem estivesse compromissada
com ele, poderia revelar com mais
acuidade os movimentos que regem as relações humanas do que
os muitos tratados de ciências sociais e afins. Balzac, autor predileto de Marx, tornou-se então uma
referência central em sua obra.
Uma das noções de Marx que se
tornaram quase um lugar-comum
é a idéia de que o indivíduo Balzac,
embora fosse um conservador que
admirava a aristocracia e olhava
com temor a ascensão das massas,
acabou criando uma obra progressista, que expunha com a força da evidência os instrumentos de
dominação de uma classe sobre as
outras. Essa irrupção da realidade,
que se impunha quase que por si
mesma, é o que Engels chamou de
"o triunfo do realismo".
Segundo a crítica de orientação
marxista, era justamente essa irrupção da realidade que, ao fim e
ao cabo, seria responsável pela
derrocada do capitalismo -desmascarado em seus fundamentos- e o advento do comunismo.
Ironicamente, a própria realidade
histórica, sobretudo essa dos últimos 60 anos, acabou se revelando
bem mais complexa, esquiva e
obscura do que parecia ser.
Mas para Marx, assim como para os marxistas do século 20 (Lukács e Goldmann à frente), era
possível identificar na literatura, e
mais ainda na "Comédia Humana", as estratégias de exploração
operantes no mundo capitalista.
No segundo volume de "O Capital", por exemplo, Marx escreve:
"Numa sociedade dominada pela
produção capitalista, até o produtor não-capitalista é dominado
por concepções capitalistas. Em
seu último romance, "Os Camponeses", Balzac, geralmente notável
pela profunda assimilação das
condições reais, descreve com
competência como o pequeno
camponês, no intuito de conservar a boa vontade do seu usurário,
lhe executa muitas pequenas tarefas gratuitamente e pensa que não
está dando coisa alguma por isso,
porque o seu trabalho não lhe custa o mínimo dispêndio de dinheiro. O usurário, por outro lado,
mata assim dois coelhos com uma
cajadada. Poupa o dinheiro dos
salários e conserva o agricultor cada vez mais preso na teia de aranha da usura".
O mundo em que Balzac, Marx e
Engels viveram certamente mudou, mas uma leitura de suas
obras pode trazer o que permanece daquele tempo.
(MSD)
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