São Paulo, Domingo, 16 de Maio de 1999
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O autor favorito de Marx

da Redação

A obra de Honoré de Balzac não só alimentou uma legião de escritores do século 19 (Flaubert, Tolstói, Hardy, Machado), mas também contribuiu muito para fundar uma disciplina que surgia naquele momento: a sociologia. Mais que isso, a ficção balzaquiana foi em grande medida responsável pela construção do pensamento político mais influente desde então, o marxismo. O próprio Marx costumava dizer que "A Comédia Humana" tinha sido mais importante para a sua compreensão da sociedade francesa do que os muitos tratados de economia, história e filosofia devorados por ele. A mesma opinião era partilhada por Friedrich Engels, que em carta a Margareth Harkness (1888) afirmou ter aprendido com Balzac "mais do que aprendi com todos historiadores, economistas e estatísticos profissionais do período".
Marx foi talvez o primeiro a perceber que a literatura, embora não se situasse no plano do factual nem estivesse compromissada com ele, poderia revelar com mais acuidade os movimentos que regem as relações humanas do que os muitos tratados de ciências sociais e afins. Balzac, autor predileto de Marx, tornou-se então uma referência central em sua obra. Uma das noções de Marx que se tornaram quase um lugar-comum é a idéia de que o indivíduo Balzac, embora fosse um conservador que admirava a aristocracia e olhava com temor a ascensão das massas, acabou criando uma obra progressista, que expunha com a força da evidência os instrumentos de dominação de uma classe sobre as outras. Essa irrupção da realidade, que se impunha quase que por si mesma, é o que Engels chamou de "o triunfo do realismo".
Segundo a crítica de orientação marxista, era justamente essa irrupção da realidade que, ao fim e ao cabo, seria responsável pela derrocada do capitalismo -desmascarado em seus fundamentos- e o advento do comunismo. Ironicamente, a própria realidade histórica, sobretudo essa dos últimos 60 anos, acabou se revelando bem mais complexa, esquiva e obscura do que parecia ser.
Mas para Marx, assim como para os marxistas do século 20 (Lukács e Goldmann à frente), era possível identificar na literatura, e mais ainda na "Comédia Humana", as estratégias de exploração operantes no mundo capitalista. No segundo volume de "O Capital", por exemplo, Marx escreve: "Numa sociedade dominada pela produção capitalista, até o produtor não-capitalista é dominado por concepções capitalistas. Em seu último romance, "Os Camponeses", Balzac, geralmente notável pela profunda assimilação das condições reais, descreve com competência como o pequeno camponês, no intuito de conservar a boa vontade do seu usurário, lhe executa muitas pequenas tarefas gratuitamente e pensa que não está dando coisa alguma por isso, porque o seu trabalho não lhe custa o mínimo dispêndio de dinheiro. O usurário, por outro lado, mata assim dois coelhos com uma cajadada. Poupa o dinheiro dos salários e conserva o agricultor cada vez mais preso na teia de aranha da usura".
O mundo em que Balzac, Marx e Engels viveram certamente mudou, mas uma leitura de suas obras pode trazer o que permanece daquele tempo. (MSD)




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