São Paulo, domingo, 16 de julho de 2000


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O império do marxismo rococó

(continuação)


Qualquer sociólogo sabe que há apenas duas classes sociais detectáveis na América: gente com e gente sem diploma universitário -os diplomados aprenderam a dar de ombros e aceitar o "politicamente correto" e o marxismo rococó, pois sabem ser de mau gosto opor-se a ambos


Em 1998, a revista "Filosofia e Literatura" concedeu-lhe o prêmio de pior estilo por uma frase que começava assim: "A transição de uma abordagem estruturalista, na qual se entende que o capital estrutura as relações sociais de maneira relativamente homóloga a uma visão da hegemonia na qual as relações de poder são sujeitas a repetição, convergência e rearticulação...", seguindo assim por mais 59 palavras. Seus fãs adoram seu modo descuidado e erudito de desqualificar esses ataques: "A gravidade é parte do desafio fenomenológico desse texto", diz ela, referindo-se a Hegel. Nesse ínterim, a batalha entre Tolos e Jovens Turcos foi muito além das palavras. Em 1987, os tradicionalistas formaram uma organização de autodefesa chamada Associação Acadêmica Nacional, que logo contou com mil membros. Numa declaração pública, Fish acusou-os de racistas, sexistas e homófobos e enviou um memorando ao reitor de sua universidade (então Duke), recomendando que nenhum membro da famigerada organização fosse admitido nos comitês universitários relevantes. O reitor recusou a proposta. A Associação Acadêmica acusou Fish de tentar organizar uma lista negra. Em mais de uma grande universidade, os Jovens Turcos rondavam em camisetas da Geração X e canetas esferográficas vermelhas de prontidão, farejando desviacionistas, sexistas, racistas, classistas (sic), homófobos, etnófobos... Um capítulo sombrio dessa história deveria ser reservado às histórias sobre Jovens Turcos murmurando e gesticulando a fim de manter outros alunos longe dos cursos dos Tolos. Diante de tanta confiança e agressividade da parte dos Jovens Turcos, diante de tanta devoção da parte de seus alunos de pós-graduação, quem sobrou para apoiar aquela estudante confrontada com "womyn" ou com qualquer outra manifestação do marxismo rococó? Os outros professores? Algum diretor? O reitor? Podem crer, o reitor certamente não estará por perto. Encontrei recentemente um estudante que me disse estar frequentando um curso transdisciplinar sobre civilizações da América do Norte. "Transdisciplinar" é um termo em voga na academia, que não deve ser confundido com "interdisciplinar", um velho termo dos Tolos que se refere ao uso de conceitos de duas ou mais disciplinas acadêmicas no estudo de um assunto particular, como quando se usam conceitos de sociologia e economia num estudo histórico. Mas não, "transdisciplinar" é algo que cruza as várias disciplinas... um pouco à maneira de um Boeing 747 que cruza o Pólo Norte a 40 mil pés, acima de todas as nuvens impenetráveis, em sua viagem rumo ao.... marxismo rococó. Assim, o professor informa à classe que, por mais que os americanos tenham mais dinheiro, posses, vantagens tecnológicas e conforto do que os mexicanos ou canadenses, esses mesmos americanos são primitivos quando o que está em jogo são as "clivagens sociais" baseadas em raça, sexo, classe, etnicidade e região. Nesse quesito -"o fundamental da vida"-, temos muito o que aprender aos pés dos mexicanos e canadenses. Canadenses? Mexicanos? Está brincando!? Há seis anos os índios de Chiapas, começaram uma rebelião, não foi? E quanto à clivagem sexual... não é verdade que as empresas estrangeiras instaladas no México preferem empregar mulheres nas linhas de montagem, porque elas aprendem desde pequenas a se submeter à autoridade masculina? Ou será que eu estou sonhando? Então ele dá de ombros: "Sei lá. Foi isso que ele disse...". A essa altura, em pleno ano 2000, isso é tudo o que se faz: dar de ombros e cuidar da própria vida. Faz 82 anos que os intelectuais americanos vêm expressando seu ceticismo diante da vida americana, exatamente como previu Nietzsche. E, como dizem os franceses, o ceticismo logo descamba para o desdém. Qualquer sociólogo da ala Tola sabe que há apenas duas classes sociais objetivamente detectáveis na América: gente com diploma universitário e gente sem diploma universitário. A essa altura, os diplomados aprenderam a dar de ombros e aceitar o "politicamente correto" e o marxismo rococó, porque sabem que é de mau gosto opor-se abertamente a ambos. Seria uma espécie de quebra da etiqueta que se deve observar como pessoa educada. Nesse meio tempo, entre os não-diplomados, entre os motoristas de limusine e os instaladores de TV a cabo que foram ao Caribe nas férias, há muitos que dão vazão a seu descontentamento -à noite, fumando um cigarro no bar do navio de cruzeiro, murmurando, resmungando... e sempre duvidando do próprio bom senso. Seria então de espantar que uma pesquisa atrás da outra mostre os americanos entrando no Segundo Século Americano, na Pax Americana num estado de... sabe-se lá o quê...?

Distante da plebe
Resta uma questão. A que os intelectuais visam com suas acrobacias mentais? Alguma mudança para os pára-proletários de quem eles são os benfeitores ideológicos? Claro que não! Mudança real implicaria uma trabalheira incômoda. Mas o que eles querem? No fundo, é simples: tudo o que o intelectual quer é se manter apegado ao que lhe foi magicamente concedido por um esplendoroso momento, um século atrás; como disse Revel, ele só quer manter a soberba, distante da plebe, dos "filisteus", da "classe média"...
Imaginem só como Nietzsche se divertiria, se ao menos Deus não estivesse morto! Pensem só no que ele sentiria se tivesse rolado por todo o século numa nuvem "king-size" lá no céu, com anjos tocando Richard Strauss (ele deixara Wagner para trás) em quartetos de harpas, observando lá embaixo as criaturas que ele previra tão brilhantemente... as irmandades bárbaras... os velhos guerreiros... as equipes de demolição da Verdade perambulando em roupas infantis... Suponho que um profeta goste de ver realizadas suas profecias, mas tenho a sensação de que Nietzsche ficaria entediado com cem anos de domínio do "intelectual".
Quase posso ouvir aquela sua voz de admoestação e apóstrofe: "Acadêmicos e escritores, como pudestes aceitar por tanto tempo um papel tão fácil, tão indolente? Como pudestes escolher um esnobismo fácil em vez do trabalho duro, do trabalho infinito, do trabalho hercúleo de conquista do conhecimento?". Acho que ele balançaria a cabeça diante das elaboradas teorias da cognição e da sexualidade, logo se cansaria de tanto ceticismo, cinismo, ironia e desdém, e então diria: "Por que não admitir (ninguém ficará sabendo: afinal de contas, estou morto): se há que classificar as nações nesse momento da história, vossa América maldita é o metro pelo qual todas as outras serão medidas!".
E ele estaria certo. Os marxistas do império soviético tiveram seu Havel; os marxistas da própria União Soviética tiveram seu Solzhenitsyn; e os marxistas rococós da América... -"chauvinismo!, patriotismo!", gritarão os intelectuais; bem, os marxistas rococós da América que aprendam com o exemplo. Se isso for patriotismo, vamos até o fim!


Texto escrito originalmente para a revista "Harper's".
Tradução de Samuel Titan Jr.


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