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Cultura
Mercados do prazer
Tachados de "capitalismo do estupro" quando surgiram nos anos 1970, os sex shops são objeto de amplo estudo sociológico
na França
Os sex shops, ao difundir filmes que não tinham licença de exibição, se tornaram locais de masturbação mas também lugares de dimensão comunitária
VINCENT COCQUEBERT
Em "Sex-shops - Une
Histoire Française"
[Sex Shops - Uma História Francesa, ed. Dilecta, 18, R$ 49], o
sociólogo Baptiste Coulmont
segue a história dessas mercearias pornôs com uma seriedade
sociológica que o faz evitar a licenciosidade.
Ficamos sabendo que esses
estabelecimentos com fachadas em luzes piscantes não sofreram realmente uma revolução desde os anos 1970, mas a
legislação [francesa] que as enquadra tem sido cada vez mais
restritiva. A questão é: o falo de
látex ainda teria alguma coisa
de subversivo?
PERGUNTA - O que lhe interessou
desde o início nos sex shops?
BAPTISTE COULMONT - O fato de
que, assim que se pronuncia a
expressão "sex shop", as pessoas têm uma representação
mental muito precisa, pensam
imediatamente nas vitrinas
pintadas, nos néons. Mas poucas pessoas se lembram de como esse pequeno comércio se
estruturou na paisagem francesa, qual foi sua história e como
evoluiu ao longo dos anos.
No entanto o desenvolvimento dos sex shops fala da história da legislação sobre o sexo
e a pornografia e, portanto, de
forma mais geral, de nossa relação com os valores morais.
PERGUNTA - Quando os sex shops
apareceram na paisagem urbana?
COULMONT - Bem antes de seu
aparecimento, existiam as "livrarias libertinas" -desde os
anos 1930-, mas a palavra "sex
shop" só foi utilizada a partir do
outono de 1970. Era preciso se
diferenciar das livrarias, e o termo "libertino" era de certa maneira muito conservador, mas
também não se devia utilizar a
expressão "pornoshop", que
ainda podia ser chocante no
quadro moral da época.
PERGUNTA - Quando eles se desenvolveram de modo exponencial?
COULMONT - Observamos uma
explosão no número de sex
shops a partir de 1968.
Em 1971, contavam-se mais
ou menos 35, mas a oferta ainda não era realmente diferente
da que se podia encontrar nas
livrarias libertinas.
No início, no imaginário coletivo, esses lugares foram as
antenas comerciais da liberalização sexual, e algumas pessoas, como Joseph Folliet, cronista do [jornal católico] "La
Croix", falaram em "capitalismo do estupro".
Mas esses sex shops ainda
não se pareciam com os que conhecemos hoje: na época o público era bastante jovem e misto, e só se vendia pornografia. E
os vendedores eram sobretudo
mulheres.
PERGUNTA - Como eles se tornaram os lugares que vemos hoje?
COULMONT - O que é importante compreender é que sua história foi modelada em razão
dos textos legislativos que vieram enquadrar sua existência.
Esses estabelecimentos jamais tiveram verdadeira autonomia de decisão.
Também havia pessoas que
tinham origem livreira e que
acabaram dirigindo um sex
shop sem se dar conta de que
passavam de uma etapa a outra.
Podemos notar, contudo,
uma primeira diferenciação em
1971, com o aparecimento das
cabines de visualização, depois
em 1973, com a obrigação, por
decreto municipal, de tornar
opacas as vitrinas dos sex
shops. Esses vidros pintados
tornaram-se um sinal da estigmatização. Os estabelecimentos são obrigados a se fazer notar de outra maneira, com
néons, placas luminosas etc.
O que é característico do desenvolvimento dos sex shops
na França são os regulamentos
muito específicos de que são
objeto. As livrarias libertinas,
por exemplo, não eram proibidas para menores. Ali se vendiam produtos proibidos para
essa categoria, mas sua entrada
era autorizada.
PERGUNTA - A partir de que momento os sex shops modificam sua
oferta e se tornam lojas exclusivamente dedicadas à pornografia?
COULMONT - A partir de 1971,
com o surgimento das cabines,
os sex shops vêem sua clientela
mas também seus funcionários
se masculinizarem. O lugar
muda, o pessoal muda, pois é
preciso administrar a masturbação e os contatos sexuais entre os clientes.
Em 1975, depois da lei de taxação sobre obras pornográficas, os sex shops captam a
clientela dos cinemas pornográficos. Em 1974 eram aproximadamente 3.000 e, em 1976,
só restavam 300.
No início, os filmes eram difundidos em super-8.; depois
chegou o videocassete e se massificou esse movimento. Os sex
shops, ao difundir filmes que
não tinham licença de exibição,
se tornaram assim rapidamente locais de masturbação mas
também lugares de dimensão
comunitária, pela difusão de
pequenos anúncios visando encontros sexuais.
É também nesse momento
que esse locais passam às mãos
da máfia e do banditismo, de
pessoas que não se interessam
obrigatoriamente pela reputação de seus estabelecimentos.
PERGUNTA - É a partir desse momento que se tornam lugares incômodos para o cidadão comum?
COULMONT - O que incomodava
em Paris é que os sex shops tinham fachadas voltadas para a
rua em locais muito turísticos,
como Saint-Denis, La Madeleine etc. Nos anos 1970 havia um
até na avenida Champs-Élysées. Hoje vários sex shops fecharam em Saint-Denis, mas,
em escala maior, observamos
uma redistribuição dos deslocamentos.
Diversas lojas estão sendo
abertas nas periferias ou no interior. Quando se busca descentralizá-los, é evidentemente para responder a uma demanda moral e urbanística de
parte de certas populações.
PERGUNTA - Observa-se uma evolução do público dos sex shops?
COULMONT - Nunca houve realmente pesquisas científicas sobre isso. Da centena de sex
shops que existem em Paris nos
interessamos principalmente
pelos que se situam na faixa
média.
Mas não pudemos construir
uma amostragem sobre uma
base científica, pois nem todos
os vendedores aceitaram falar.
Ou se exprimem mal em francês -são imigrantes, que às vezes podem ser clandestinos-
ou desconfiam, pois não sabem
o que será feito de suas declarações. Temem, por exemplo,
reações por parte da prefeitura
ou da polícia.
PERGUNTA - O sr. comenta em sua
obra que a cenografia dos sex shops
responde a uma espécie de padrão
de organização que não é assumido,
mas que varia muito pouco de uma
loja para outra.
COULMONT - Sim. O que é muitas vezes divertido na sociologia é que percebemos que as
coisas se organizam sem que
haja grandes organizadores.
Quanto mais mergulhamos
nos sex shops, mais os produtos
que nos oferecem são extremos. Por exemplo, os vibradores não estarão necessariamente visíveis na entrada.
Mas deve-se saber que a polícia também tem seu papel nessa organização. Às vezes ela faz
visitas de cortesia, se considerarem a vitrine ou a entrada
impudica demais, comentando
com o vendedor: "Veja, isso ficaria melhor em outro lugar".
Mas também é uma classificação que parte do senso comum. Em casa, se tivermos esse tipo de objeto, vamos guardá-lo no armário, e não colocá-lo em evidência sobre a mesa da
sala. É uma reprodução acentuada da moral coletiva. Além
disso, também há classificações
propriamente profissionais,
sobretudo a dos vídeos e DVDs.
PERGUNTA - Muitas vezes temos a
impressão de que os sex shops ficaram ligados ao imaginário dos anos
80, como se nada houvesse mudado
em suas vitrinas.
COULMONT - O principal motivo
é que essas lojas são geralmente de tamanho modesto, mas
sobretudo estão num mercado
onde há muito pouca concorrência. Evoluíram por muito
tempo numa espécie de inércia
comercial e não tiveram necessidade de se modernizar.
PERGUNTA - Os sex shops viram
sua freqüência baixar drasticamente com o surgimento da internet e
da facilidade de acesso a conteúdos
pornográficos que ela permite?
COULMONT - Não creio. A internet é um concorrente sem sê-lo
de fato. As pessoas que freqüentam as cabines geralmente não podem consumir pornografia em casa por diversos motivos: filhos, companheira que
não aceita essa prática... Ver
pornografia em casa exige uma
gestão do espaço privado que
pode ser bastante complexa.
E os vídeos que se encontram
nos sex shops não são os mesmos que se podem alugar nos
videoclubes. As cabines também são lugares onde os homens podem ter contatos sexuais entre si, como masturbações mútuas ou felações, sem
necessariamente vivê-las como
relações homossexuais.
PERGUNTA - Observamos há alguns anos uma democratização dos
"sex toys"; é algo que prejudicou as
sex shops?
COULMONT - Aí também não há
uma verdadeira canibalização
do mercado. Os falos que se podem comprar nas lojas de lingerie são brinquedos fabricados
por algumas companhias que
formam um mercado quase oligopolista. Seu preço de venda é
em geral elevado e sua margem
bastante pequena. Os sex shops
se abastecem em atacadistas
que produzem esses objetos em
quantidades industriais.
PERGUNTA - Como explicar o fato
de que o modelo dos sex shops americanos, que propõem produtos pornográficos menos voltados para homens heterossexuais, não consiga
se implantar na França?
COULMONT - Nos EUA, ao contrário da França, o feminismo
se institucionalizou em parte
por meio de um acompanhamento ideológico do capitalismo liberal, da pornografia e do
orgasmo em particular. O feminismo francês se construiu pela
política, com uma certa rejeição a tudo o que estivesse ligado à pornografia.
A íntegra desta entrevista saiu na "Technikart".
Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves
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