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+(L)ivros
Paranóia crítica
Obra do escritor Roberto Piva, publicada em 1963 e agora reeditada,
faz a alucinação se passar por poesia
Em que a alucinação
tem a ver com poesia?
A transgressão afeta a algo mais do que
o mais
primário dos enunciados?
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LUIZ COSTA LIMA
COLUNISTA DA FOLHA
Publicado originalmente em 1963, republicado em 2000,
"Paranoia", obra do
então estreante Roberto Piva, recebe sua terceira
edição.
Qualquer coisa que se diga
sobre sua qualidade, é inegável
sua excelência como objeto
gráfico, qualificado seja pela
editoração, seja pelo acompanhamento fotográfico de Wesley Duke Lee, seja pela introdução de Davi Arrigucci.
Do ponto de vista do leitor
interessado em uma apreciação efetiva do livro, "Paranoia"
compensa com vantagem os
hiatos em que esteve esgotado
-assinale-se que, além da edição resenhada, toda a obra do
poeta paulista está hoje reunida em três volumes lançados
pela ed. Globo- pela cobertura
crítica de dois de nossos melhores intérpretes: Alcir Pécora
e Davi Arrigucci.
Desse modo, o autor é retirado do limbo que cobre a poesia
brasileira entre os anos de 1950
e começos do década seguinte.
Na falta de um estudo exaustivo, o leitor é levado a pensar
que o panorama poético brasileiro -fora dos nomes consagrados de Mário de Andrade,
Manuel Bandeira, Jorge de Lima, Carlos Drummond de Andrade, Murilo Mendes, a que
então ainda se agregava o de
Augusto Frederico Schmidt e
ainda não se somava o de Oswald de Andrade- se resumia,
por um lado, aos continuadores
da chamada "geração de 45", da
qual com razão se excluía João
Cabral, integrado ao outro lado, o do vento em popa que impelia a poesia concreta.
A presente edição de "Paranoia", tendo ao fundo suas
obras completas, e os estudos
de que nomeamos apenas os
mais salientes, transforma
aquele panorama.
Sem considerar a arca dos
consagrados e a mediocridade
da "geração de 45", podemos
dizer que as linhas antagônicas
eram a construtivista, formada
por Cabral e os primeiros concretos, e a passional-emocionalista, de que Roberto Piva era a
figura por excelência.
Mesmo porque construtivismo e passional-emocionalismo
eram extremos que não se tocavam, não estranha que os intérpretes se manifestem a favor de uma ou outra linha e que
o mesmo abismo se repita em
sua divulgação.
(Agora, por exemplo, pedem-me que resenhe a reedição de
Piva, ao passo que não encontro menção aos livros que se
reeditam de Augusto de Campos nem às suas traduções novas de Byron-Keats e de August
Stramm.)
"Escrita libertina"
Que dúvida há em caracterizar a posição de Arrigucci
quando o vemos definir a linhagem concreta como "poesia espiralada em concha que roça o
silêncio, distante dos ecos do
mundo, solitária e estéril em
busca do absoluto no branco do
papel"?
Quanto a Pécora, embora seu
prefácio ao primeiro volume
das "Obras Completas" não trate da linha contraposta, é nítido
seu endosso à poética de Piva:
"A escolha sem nuances é
condição desta escrita libertina, no sentido forte do termo:
aquele no qual está em jogo assinalar os interditos e investir
decididamente contra eles,
num gesto cujo valor fundamental é o da transgressão (...)."
Como as linhas são bem discordantes, é mais do que certo
que as apreciações também o
sejam. A minha, por exemplo,
diverge das que venho mencionando. No entanto, como a interpretação do ficcional poético não se confunde com o tomar partido a priori e, então,
passar a torcer por um dos lados, devo mostrar a razão da divergência.
Mundo em frangalhos
Em "Paranoia", afirma Arrigucci, a "Pauliceia Desvairada"
de Mário de Andrade encontra
seu novo cantor. É provável que
a radicalidade que o marca não
tivesse o endosso de Mário.
Poder-se-ia alegar, contudo,
que "a cidade estilhaçada" naquele Brasil pré-golpe e o mundo em frangalhos provocam um
"efeito de alucinação" (Pécora),
ante o qual Mário ainda se inibia. E, mesmo onde os dois intérpretes literalmente discordam, ainda é possível encontrar
um terreno comum.
Assim, se Arrigucci acentua a
proximidade com o surrealismo e Pécora considera excessiva essa alegação, ambos estariam de acordo em que os versos de Piva "se enraizam em
coisas brasileiras mais próximas". Para Arrigucci, o mundo
de Piva supõe a constituição de
um "mundo delirante", em que
os "versos longos, obscuros e
sem ponto final" resultam da
consonância entre "seu comportamento desregrado" e "o
modo de ser de sua linguagem".
Parece evidente que, embora
o autor fale em "versos claudicantes", os aprova como produtos de um poeta.
Pécora vai mesmo além: "Recusar-se ao sentido é (...) um tipo de violência exigida pelo
verso novo contra o comodismo. (...) A dificultação da leitura
é aqui elemento estruturante
do sentido".
Em ambos os intérpretes,
parte-se do suposto que a
transgressão é o investimento
indispensável para que se estruture um sentido novo.
Mas, ao assim fazerem, não
pressupõem que a relação seja
de causa e efeito?
Contra a suposição, tomem-se os primeiros versos do primeiro poema, "Visão 1961": "As
mentes ficaram sonhando penduradas nos esqueletos de fósforo/ invocando as coxas do
primeiro amor brilhando como
uma/ flor de saliva".
Lampejos aqui e ali
Em que a alucinação (provocada sobre a página) tem a ver
com poesia? A transgressão
afeta a algo mais do que o mais
primário dos enunciados?
É certo que nem tudo, no livro, é tão alucinado. Semelhantes a várias passagens, o final de
"Poema Porrada" é: "Eu preciso dissipar o encanto do meu
velho/ esqueleto/ eu preciso
esquecer que existo".
A alucinação é suspensa em
favor de seu agente/paciente. É
também certo que aqui e ali
surgem lampejos que prenunciam chegar à qualidade, como
nos dois versos descontínuos
de "Boletim do Mundo Mágico": "Meus pés sonham suspensos no Abismo/ eu sou uma
solidão amarrada a um poste".
Mas são fagulhas que apenas
ameaçam crestar o euísmo que
nutre o extenso delírio. Que a
poesia tem a ver com isso?
LUIZ COSTA LIMA é crítico e professor na Universidade do Estado do RJ e na Pontifícia Universidade Católica (RJ). Escreve regularmente
na seção "Autores", do Mais! .
PARANOIA
Autor: Roberto Piva
Editora: Instituto Moreira Salles (tel.
0/ xx/11/ 3371-4455)
Quanto: R$ 60 (208 págs.)
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