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O novo trigo
DE ALIMENTO ATÉ BASE PARA TINTAS, COSMÉTICOS
E BIODIESEL, GRÃO ALAVANCOU ECONOMIAS COMO BRASIL E ARGENTINA, MAS INFLACIONOU CULTURAS DE SUBSISTÊNCIA E AMEAÇA O CERRADO E A AMAZÔNIA, DIZ ORGANIZADORA DE "O MUNDO DA SOJA"
Alguns desinformados
fazem
a relação entre
a expansão
da soja e o
desflorestamento
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Moacyr Lopes Junior - 13.mai.09/Folha Imagem
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Funcionário de empresa de carga acompanha o armazenamento de soja no porto de Santos, em SP
EUCLIDES SANTOS MENDES
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Produto em franca expansão no mercado
internacional, a soja é
hoje uma das principais commodities
brasileiras (o país é o segundo
produtor mundial), cultivada
do Rio Grande do Sul ao Norte-Nordeste do Brasil.
Além do uso na alimentação
do ser humano, é utilizada
também no fabrico de ração
para animais, tintas e biodiesel,
entre outras aplicações.
A função estratégica desse
grão vital em vários áreas é tema de "The World of Soy" (O
Mundo da Soja, University of
Illinois Press, 337 págs., US$
40, R$ 83), lançado nos EUA e
no Reino Unido.
Uma das organizadoras do livro (com Chee-Beng Tan e Sidney Mintz), a antropóloga norte-americana Christine Du
Bois ressalta o papel da soja na
modernização da agricultura,
no mercado de commodities,
na indústria e na transformação de produtos alimentares.
Mas não esquece da ameaça
ambiental que representa a expansão do cultivo da soja. "É
preocupante", diz Du Bois, que
também é pesquisadora vinculada à Universidade Johns
Hopkins, nos EUA.
Já Ivan Sergio Freire de Sousa, pesquisador da Embrapa
(Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) e coautor de
dois artigos publicados no livro, considera que, no caso brasileiro, o produto "não pede
mais expansão de áreas", mas
"demanda tecnologias cada vez
mais eficientes".
Na entrevista abaixo, discutem também os impactos econômicos e a relevância do grão
como commodity: sozinhos,
Brasil, EUA e Argentina respondem por 81% da produção.
FOLHA - Como a soja se tornou um
dos sustentáculos do processo de
modernização da agricultura?
IVAN SERGIO FREIRE DE SOUSA - Há
cerca de 40 anos a produção de
soja no Brasil era inexpressiva.
As variedades que utilizávamos vinham do sul dos EUA, algumas outras eram desenvolvidas pelos nossos institutos de
pesquisa, como o Instituto
Agronômico de Campinas (SP).
Quando se falava em soja no
Brasil, a lembrança que vinha à
mente era a região Sul, Rio
Grande do Sul principalmente,
onde existia a famosa dobradinha trigo/soja, sendo o trigo, na
época, o principal produto.
Isso mudou, e por vários fatores. A partir dos anos 1980, os
pesquisadores conseguiram
desenvolver variedades de soja
cada vez menos dependentes
da latitude, tornando possível a
produção em todo o país.
Juntando tudo isso com o dinamismo do agricultor brasileiro e o forte apoio governamental nas áreas de financiamento e infraestrutura, houve
a modernização do setor.
CHRISTINE DU BOIS - Nos EUA,
pesquisas com apoio do governo realizadas na metade do século 20 mostraram muitos caminhos em que a soja poderia
ser usada de modo rentável.
Eles vão desde aplicações industriais (por exemplo, no fabrico de tintas), na produção
animal (especialmente para a
alimentação de porcos e galinhas) e na alimentação humana (sobretudo o óleo utilizado
em muitos alimentos processados em todo o mundo).
Esses variados usos da soja,
juntamente com várias políticas privadas e governamentais
de sustentação de preços, incentivaram fazendeiros do
Meio-Oeste dos EUA a cultivá-la em grande escala.
Muita modernização na agricultura, mercado de commodity, indústria e a transformação de produtos alimentares
alinharam-se a essa agricultura, embora a colheita da soja
não seja a única a ter semelhante impacto.
FOLHA - A soja teve, então, papel
decisivo na modernização da agricultura brasileira?
SOUSA - A agricultura moderna
é, em grande medida, um empreendimento científico envolvendo sociedade, ciência, tecnologia e natureza. Não foi só a
soja que se modernizou no Brasil, outros cultivos também
passaram por esse processo.
Mas, no caso da soja, os agricultores foram aos centros de
pesquisa solicitar tecnologias e
houve resposta rápida para essa demanda.
DU BOIS - O que podemos chamar de "complexo industrial da
soja" exige equipamento agrícola pesado, fertilizantes, inseticidas, sementes, unidades de
armazenamento dos grãos,
transporte por barco, trens, caminhões.
Além disso, são necessárias
facilidades para pesquisas agrícolas, operações bancárias, especialistas em comercialização,
advogados, migração da força
de trabalho e o desenvolvimento das cidades para abrigar, alimentar e cuidar dos trabalhadores e suas famílias.
O cultivo de soja em grande
escala traz, assim, múltiplos níveis de modernização e desenvolvimento em seu rastro, onde
quer que aconteça, incluindo o
Brasil.
FOLHA - A soja terá a importância
que o trigo já representou para a humanidade?
DU BOIS - A soja talvez já seja o
"novo trigo". Pelo volume, é a
colheita mais internacionalmente comercializada.
Como populações em países
em via de desenvolvimento começam a comer mais carne (especialmente os chineses), a demanda para a soja como ração
animal continuará a crescer firmemente.
FOLHA - Como se configura o mapa
da produção mundial de soja hoje?
SOUSA - Originária de regiões
de altas latitudes, a soja pode
hoje ser produzida em quase
todas as partes do mundo.
Sua produção, porém, está
concentrada em alguns poucos
países, como EUA, Brasil, Argentina e China, principalmente. A soja produzida na China é
para consumo interno, mas devido a sua grande população, é
um país importador.
É a produção desses países
que dita os preços internacionais da soja.
DU BOIS - Os EUA são ainda o
maior país produtor de soja,
mas o Brasil e a Argentina não
ficam para trás.
FOLHA - E quanto ao mapa brasileiro da produção de soja?
SOUSA - O Centro-Oeste é a
grande região produtora, mas a
soja é plantada do Rio Grande
do Sul ao Norte do país.
Há municípios baianos [na
região de Barreiras, no oeste do
Estado] especializados na produção de soja.
Utilizando-se de critérios como período de plantio, área
plantada e uso intenso de tecnologia, sua produção no Brasil
pode ser dividida em três regiões distintas: a tradicional, a
de expansão e a potencial.
A região tradicional corresponde aos Estados do Rio
Grande do Sul, Santa Catarina,
Paraná e São Paulo, onde a introdução da soja foi baseada na
tecnologia importada do sul
dos EUA, com suprimentos locais que cresceram durante o
tempo. A situação atual é completamente diferente, com
oferta de tecnologia competitiva originada localmente.
A região de expansão é formada pelos Estados de Mato
Grosso, Mato Grosso do Sul,
Goiás, Tocantins, Maranhão,
oeste de Minas Gerais e Bahia.
Em contraste com a região
tradicional, o solo típico da região de expansão é o do cerrado. Essa expansão somente se
tornou possível quando a pesquisa agropecuária nacional fez
importantes conquistas, incluindo a criação de variedades
menos suscetíveis aos problemas das baixas latitudes e o desenvolvimento de novas técnicas de fertilidade de solo.
A região potencial inclui o
restante do país. Germoplasmas [material genético contido
na semente] adaptados a todas
as latitudes encontradas no
Brasil tornaram possível a produção de soja em qualquer parte do território nacional.
FOLHA - Qual o impacto da soja no
desenvolvimento do agronegócio e
na abertura e ocupação de novas
fronteiras agrícolas no Brasil?
SOUSA - Esse impacto tem sido
grande. A cadeia produtiva da
soja cresceu bastante, principalmente quando comparamos
com os anos 1970, época do início da expansão. Hoje se pensa
mais em produtividade, e o papel da tecnologia é fundamental. Essa fronteira agrícola chegou ao seu limite.
FOLHA - Quais as principais consequências, do ponto de vista econômico e ambiental, do modelo
agroindustrial de produção de soja
no país? A expansão das regiões produtoras representa uma ameaça
ambiental para a Amazônia?
SOUSA - Alguns desinformados
costumam fazer a relação entre
a expansão da soja e o desflorestamento. Mas o que ocorre é
o aproveitamento parcial das
áreas desmatadas, integrando-as ao processo produtivo.
O economista e engenheiro
agrônomo Alfredo Kingo Homma, um estudioso da área, costuma lembrar que, num período de 30 anos, a safra de grãos
do Brasil quadruplicou, mas a
área plantada nem sequer dobrou de tamanho. A pesquisa
agropecuária tem oferecido resultados tecnológicos significativos, do ponto de vista ambiental, em várias áreas, como é
o caso do controle biológico de
pragas. Com isso se tem evitado
ou diminuído o uso intensivo
de pesticidas.
Não conheço casos em que
sojicultores estejam clamando
por desmatamento. Isso não
existe.
DU BOIS - Economicamente, o
agronegócio da soja no Brasil é
sem dúvida rentável, embora a
riqueza seja distribuída de maneira desigual.
Além disso, em algumas regiões como o Nordeste, a conversão da terra para o consumo
de alimento local em terra para
a produção de soja para exportação tem feito com que os preços dos alimentos locais aumentem. E, com isso, os pobres
são atingidos.
Do ponto de vista ambiental,
a conversão do cerrado -uma
savana com biodiversidade extremamente rica- numa terra
para a monocultura agrícola da
soja é preocupante.
A região da Amazônia está
também ameaçada, porque
mesmo que se diga aos fazendeiros que eles não devem desmatar, a menos que sigam regras estabelecidas, o desmatamento continuará.
A Amazônia precisa, de fato,
da aplicação de regras. O cerrado precisa de áreas extensas
preservadas. Esses recursos
naturais selvagens são o patrimônio do Brasil, com grande
valor para as futuras gerações
-e devem ser protegidos.
FOLHA - A soja é, hoje, uma das
principais commodities brasileiras.
Qual o futuro do país como um
"commodity country"?
SOUSA - O Brasil precisa ser
mais do que um "commodity
country", embora suas commodities agrícolas venham trazendo garantia de empregos no
campo e nas pequenas cidades,
além de gerarem divisas.
FOLHA - Na América Latina, a soja é
predominantemente usada como
um componente básico da nutrição
animal. No Brasil, qual o papel da soja e dos seus derivados (como o óleo)
na economia alimentar?
SOUSA - Em todo o mundo, a
soja é predominantemente utilizada como ração animal. No
Brasil deu-se um caso interessante. O óleo foi um derivado
de muita importância.
Antes da soja, os óleos alimentícios disponíveis no mercado eram os de amendoim, algodão e milho, principalmente.
O óleo vegetal era caro e difícil.
Consumia-se muito a gordura
animal, vendida em latas.
O óleo de soja foi o óleo vegetal que modificou drasticamente esse quadro. Os demais apenas complementaram o que a
soja realmente fez.
Folha Online
Leia trecho do capítulo
"Grãos de Soja e Comidas
de Soja no Brasil", de Ivan
Sergio Freire de Sousa e
Rita de Cássia M.T. Vieira,
que faz parte do livro "O
Mundo da Soja", em
www.folha.com.br/0913410
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