São Paulo, domingo, 18 de março de 2001

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Ascensão do homem público

Associated Press-22.fev.1945
No centro da foto, os líderes nazistas Hermann Goering, Rudolf Hess e Joachim von Ribbentrop durante sessão do Tribunal de Nurembergue



Indenizações e reparações legais, como no caso das vítimas dos campos de concentração nazistas, do apartheid e da guerra de Kosovo, apontam para o fortalecimento da idéia de justiça no Ocidente depois da Segunda Guerra Mundial


Tzvetan Todorov

O fim da Segunda Guerra Mundial na Europa despertou esperanças tão grandes quanto a catástrofe que acabara de terminar. Uma vez derrotado o mal, pensava-se, nasceria um mundo melhor, um mundo no qual todas as pessoas teriam os mesmos direitos e gozariam as mesmas liberdades, no qual a paz e a prosperidade seriam o destino de todos. Mas a desilusão não tardou: não apenas a devastação causada pela guerra condenara a maior parte da Europa à pobreza, mas também as estruturas políticas que ficaram após a guerra não tiveram resultados muito felizes. Um dos países vitoriosos, a União Soviética, impôs a grande parte do continente um regime repressivo que não ficava muito longe da ditadura nazista.
Quanto aos países ocidentais, conseguiram salvaguardar a ordem democrática, mas o egoísmo, a cobiça e até a crueldade continuaram a macular o cotidiano de cada um deles. O enorme sofrimento gerado pela guerra parecia não ter servido a praticamente nenhum fim, e o mundo parecia estar seguindo adiante mais ou menos como fazia antes da guerra.
Beneficiando-nos de meio século de distância daquele período difícil, podemos afirmar que ocorreu, sim, uma mudança na vida pública. Foi dado, sim, um passo (ou vários) em direção a mais justiça, e essa conclusão positiva resiste a muitas das restrições e dos qualificativos que lhe terão que ser impostos. O avanço em questão se aplica em primeiro lugar ao continente europeu, mas pode também servir de incentivo em outras partes do mundo. Como seria de esperar, a mudança se expressou mais em palavras do que em atos, mais em declarações oficiais do que em manipulações secretas, mas também as palavras possuem um poder transformador. As exceções são numerosas e às vezes chocantes, mas a maneira como são vistas hoje vem comprovar uma regra que se enquadra na idéia de justiça.
Uma das formas mais visíveis dessa transformação é a condenação pública do racismo. Isso não significa que as atitudes racistas desapareceram; mas nem mesmo os movimentos políticos da extrema direita, herdeiros dos partidos abertamente racistas do período do entreguerras, ousam proclamar esse ideal publicamente, e mesmo eles conservam uma adesão pelo menos externa ao credo comum dos direitos humanos universais. Se recordarmos por um instante os debates públicos de cem anos atrás, poderemos medir o quão longe avançamos: naquele tempo, muitas das melhores cabeças da época manifestavam um racismo perfeitamente sereno.
Ademais, uma transformação paralela ocorreu quanto ao papel das mulheres, que, pela primeira vez na história, se tornaram sujeitos políticos em pé de igualdade com os homens. E há mais. Gestos públicos são feitos hoje em dia que, em termos históricos, não têm precedentes: governos reconhecem por vontade própria seus erros do passado e procuram reparar os danos pelos quais se sentem responsáveis.
Esses passos em direção a um ideal de justiça são acompanhados por uma transformação da narrativa sobre nosso passado que gostamos de fazer a nós mesmos. É claro que toda comunidade precisa apresentar seu passado sob a forma de uma história repleta de julgamentos morais nos quais ela mesma desempenha papel favorável, mas a forma dessas histórias pode divergir. Até a metade do século 20, a narrativa preferida pelo público ocidental atribuía um papel heróico a nossa própria comunidade: travávamos uma luta grandiosa e digna e triunfávamos sobre nossos adversários. Nas últimas décadas, porém, vem ocorrendo uma mudança de paradigma, e hoje a história favorita é aquela melancólica na qual nós fazemos o papel de vítimas.

O papel de vítima Essa mudança profunda talvez se explique pela progressiva consolidação do modelo democrático. Afinal, o ideal heróico é aristocrático; todo mundo sabe que nem todos nós somos feitos da matéria dos heróis, de modo que nos satisfazemos em admirá-los de longe, como os britânicos se comprazem no esplendor da família real.


Para livrar-se de um sentimento difuso de culpa e viver a vida de coração leve, as pessoas precisavam conduzir um sacrifício ritual, após o qual poderiam declarar-se inocentes


Já o papel de vítima, infelizmente, é acessível a todos, de modo que não temos dificuldade em nos projetar nele. Mas a usurpação da narrativa do heroísmo pela narrativa da condição de vítima atesta também uma mudança mais positiva: o fortalecimento entre nós da idéia de justiça. Essa lenta transformação da vida pública após a Segunda Guerra também explica o surgimento de uma nova preocupação: a reparação não apenas por injustiças atuais, mas também pelas injustiças do passado. Essa reparação já assumiu diversas formas, modificadas pelo contexto histórico e político de cada país; e os livros que estou discutindo aqui procuram avaliar a maioria dessas tentativas.
É preciso dizer já de cara, antes de entrar em detalhes, que o quadro está longe de ser cor-de-rosa. Os meios usados para fomentar a causa da justiça às vezes criam obstáculos em seu caminho, e as reparações escolhidas às vezes criam problemas não menos sérios do que aqueles que deveriam resolver. Mesmo assim, a própria existência dessas tentativas é prova de um avanço tímido na idéia dos direitos humanos -e, nesse campo terrível, uma melhora pequena é uma melhora grande.

Medidas punitivas A reparação por injustiças passadas vem sendo buscada de três modos principais. A primeira delas se dá na lei, na esfera judicial, e tem por alvo antigos criminosos. O castigo é determinado por um tribunal encarregado de julgar o passado. A segunda maneira está voltada à vida pública da comunidade e utiliza os instrumentos de política ou cultura para oferecer compensação simbólica ou material às vítimas. A terceira é voltada à comunidade como um todo, visando a restaurar a unidade de uma sociedade marcada, determinando a verdade com relação a seu passado. O mais notável entre os meios que pode utilizar é o recurso às comissões de inquérito, tais como a Comissão de Verdade e Reconciliação na África do Sul, e seu campo de aplicação é a memória coletiva da comunidade.
Essas diferentes intervenções em nome da justiça também parecem ter seus continentes de predileção: a Europa continental prefere a reparação jurídica, o mundo anglo-saxão, desde a América do Norte até a Nova Zelândia, tende a optar pelo pagamento de compensação às vítimas, e a África, América Latina e partes da Ásia dão preferência aos comitês de inquérito.
Mas essas divisões não são excludentes. A busca por justiça vem ocorrendo tanto em níveis nacionais quanto internacional. O fim da Segunda Guerra foi seguido por uma série de julgamentos, principalmente nos países europeus, e também por medidas punitivas aplicadas contra diversos grupos da população. Isso levou a investidas de "limpeza étnica" em proporções nunca antes documentadas: cerca de 15 milhões de alemães foram expulsos da Europa do Leste, ao lado de centenas de milhares de poloneses da Ucrânia, húngaros da Eslováquia, albaneses da Grécia e assim por diante.
Essas diferentes medidas para reparar uma injustiça passada no interior de cada país são pesquisadas por uma série de estudiosos em "The Politics of Retribution in Europe" (A Política do Castigo na Europa, org. de Istvan Deak, Jan T. Gross e Tony Judt, Princeton University Press, US$ 65).
Muitos julgamentos foram conduzidos durante esse período de "purificação", e a análise deles, feita hoje, gera sentimentos mistos. O problema geral é resumido em termos contundentes por Tony Judt: "Como punir dezenas de milhares de pessoas, possivelmente milhões, por atividades que eram aprovadas, legalizadas e até mesmo encorajadas pelas instâncias no poder?". O princípio da justiça é a aplicação da lei -não existe crime sem lei nem castigo sem lei-, mas a lei não proibiu esses atos ultrajantes. Devem as escolhas políticas do passado ser punidas porque não estão mais em vigor? Devem todos os membros do partido fascista na Itália ser castigados, quando a filiação ao partido era obrigatória para todos os funcionários públicos?
A Justiça se adapta a esse desafio de maneira imperfeita. Ela começa por transgredir um de seus princípios maiores, ao aplicar as leis de maneira retroativa, e procede pela contravenção frequente de outra de suas regras sagradas, a da responsabilidade individual. Organizações políticas e instituições sociais são declaradas ilegais, e, assim, a participação passada nelas se torna crime, mesmo quando a pessoa que participou não fez nada pessoalmente. Mas essa multiplicação dos culpados é moderada por uma seleção cuidadosa daqueles que são levados à Justiça.
A situação se presta bem à designação de criminosos expiatórios: os alemães eram os culpados, dizem os colaboradores em todos os países ocupados, enquanto os alemães comuns afirmam que os culpados eram os líderes nazistas. A má fama muitas vezes conta mais do que os atos realmente cometidos; o castigo é ministrado a título de exemplo. Uma ilustração da relatividade dessa justiça é encontrada na disparidade das sentenças impostas pelos mesmos crimes, dependendo de quando foram impostas. Em 1945-46, a sentença de morte era comum. Dois anos depois, os culpados dos mesmos crimes se safavam com condenações puramente formais. Esses julgamentos reparatórios eram imperfeitos, sem dúvida -mas também pareciam ser necessários. A maioria da população tinha tomado parte em algo que agora aparentava ter sido um erro -pior ainda, um crime-, e, para se livrar de um sentimento difuso de culpa e poder viver a vida de coração leve, as pessoas precisavam conduzir uma sangria, um expurgo, um sacrifício ritual, após o qual poderiam declarar-se inocentes e limpas. Em última análise, era melhor que as instituições da Justiça empreendessem esse trabalho de expiação do que permitissem que o exorcismo da culpa degenerasse em linchamentos e violência de massa, mesmo que o que acontecesse não fosse, estritamente falando, uma operação de justiça.

Julgamentos de crimes de guerra E o que dizer da Justiça internacional? O livro bem pesquisado de Gary Jonathan Bass, "Stay the Hand of Vengeance" (Detenha a Mão da Vingança, Princeton University Press, US$ 29,95), é uma ótima introdução a essa segunda prática judicial. Seu tema é o julgamento de crimes de guerra. Bass mostra, para começar, que essa forma de justiça não foi inventada em Nurembergue, como costumamos acreditar. Ele situa os primeiros indícios da prática na fase que se seguiu à derrota de Napoleão em Waterloo e analisa alguns julgamentos que terminaram mal: em Constantinopla, em 1919, quando os turcos foram julgados responsáveis pelo genocídio armênio (foi nessa ocasião que se cunhou a expressão "crime contra a humanidade"), e em Leipzig, em 1921, onde os alemães, começando pelo Kaiser Wilhelm 2º, foram responsabilizados pela Primeira Guerra Mundial.
Para concluir, Bass examina o caso mais recente e mais familiar de Nurembergue, e também do Tribunal Internacional de Haia, onde estão sendo julgados os líderes políticos e militares responsáveis pela fragmentação da Iugoslávia e pelos horrores perpetrados em sua esteira. Embora exponha seus muitos pontos fracos, Bass é um defensor acirrado desse tipo de julgamento. Ele afirma que esse instrumento de justiça, por imperfeito que seja, é preferível à vingança individual, o que é verdade -mas certamente essas duas formas de intervenção não esgotam o campo das possibilidades morais e legais. Ele também afirma que apenas os regimes liberais praticaram essa forma de justiça e deduz desse fato a virtude dessa prática. Mas sua dedução supõe que tudo o que os regimes liberais fazem é bom -uma premissa discutível. Creio que podemos apoiar os governos liberais com entusiasmo, mas, ao mesmo tempo, continuar a criticar algumas de suas escolhas políticas.
A condenação judicial dos líderes políticos e militares alemães ao final da Primeira Guerra Mundial é, a esse respeito, um tanto quanto perturbadora.

Com o distanciamento proporcionado por 80 anos, não fica nada claro se o governo e o Exército alemães tiveram parcela maior de culpa do que suas contrapartes francesas; a única diferença significativa é que os franceses ganharam a guerra, e os alemães a perderam. Mas os governos francês, britânico e belga fizeram questão de somar à derrota militar uma derrota legal. Ao fazê-lo, revelaram que os grandes princípios da Justiça podem servir de mera camuflagem para uma política de interesses próprios. Alguns anos mais tarde, não estando completamente convencidos de que o esforço valia o preço, os aliados desistiram da acusação. O julgamento de Leipzig foi um fiasco.
Mas a história dessa tentativa tem algumas lições úteis a oferecer. Lloyd George, o primeiro-ministro britânico, dizia que "a própria guerra é um crime contra a humanidade", e, numa reunião do Gabinete de Guerra Imperial, o procurador-geral considerou o Kaiser "pessoalmente responsável pelas mortes de milhões de jovens". Com essas afirmações, deixaram claro que subscreviam ideais utópicos ingênuos e potencialmente perigosos que esperavam curar a humanidade definitivamente de seus males, tais como a prática da guerra, e buscavam atribuir a responsabilidade pela guerra à vontade de um indivíduo único.
Os resultados foram bastante negativos. O Tribunal de Leipzig não impediu que fossem cometidos crimes futuros. Pelo contrário: proporcionou aos alemães nacionalistas uma razão para voltar a lutar e comprometeu a idéia de um órgão de Justiça internacional imparcial. Comparados a Leipzig, os julgamentos de Nurembergue, um quarto de século mais tarde, foram um grande sucesso. Mas isso aconteceu porque as circunstâncias também tinham mudado. Diferentemente da Primeira Guerra Mundial, que resultou da rivalidade entre grandes potências, a Segunda Guerra foi iniciada ativamente por apenas uma das partes envolvidas, de modo que a culpa da Alemanha nazista era muito mais óbvia, mais real. Imagens dos campos de concentração evocavam condenação moral unânime.

Guerras de agressão Ademais, a Alemanha estava ocupada e seus líderes se encontravam presos. A questão que precedeu Nurembergue não era "devem os líderes nazistas ser punidos ou libertados?". Era "devem os líderes nazistas ser executados sem julgamento ou devem ser julgados?". Stálin pendia em direção à primeira opção e ofereceu seus serviços para eliminar 50 mil ou 100 mil deles -afinal, tinha a experiência necessária. O secretário norte-americano do Tesouro, Henry Morgenthau Jr., lançou a proposta cruel de deportar vários milhões de alemães para outra parte do planeta; lembrou que os turcos lidavam bem com populações estrangeiras. Churchill e Roosevelt chegaram a considerar a possibilidade de castrar a população masculina da Alemanha. Foi apenas o legalismo obstinado do secretário de Guerra, Henry Stimpson, que possibilitou que os julgamentos do Tribunal de Nurembergue fossem conduzidos como foram, com os réus tendo a garantia de advogados de defesa, a obrigatoriedade dos depoimentos de testemunhas e a possibilidade de os réus serem absolvidos.
O aspecto mais preocupante do julgamento de Nurembergue é que o genocídio de judeus e outras populações -aquilo a que chamamos crimes contra a humanidade e que, precisamente, nos parece ter sido a razão mais válida para a instauração daquela jurisdição de exceção- desempenhou papel apenas periférico nos procedimentos. A principal acusação feita aos líderes nazistas apontou para um rumo totalmente diferente: de que eram culpados de terem conduzido uma guerra de agressão. É verdade, com certeza, que a Segunda Guerra Mundial foi desencadeada pelas políticas agressivas da Alemanha, mas não é menos verdade que as outras grandes potências não hesitaram, em outras ocasiões, em travar guerras de agressão, elas mesmas.
Quanto à União Soviética, na qual milhões de pessoas foram conduzidas à morte por um regime não menos repressivo do que o de Hitler, ela compartilhou as políticas agressivas da Alemanha por algum tempo, ocupando a parte oriental da Polônia enquanto Hitler conquistava a parte ocidental. Por essa razão, como observou Judith Shklar, era um "projeto de valor dúbio" condenar alguém legalmente por ter travado uma guerra injusta. A presença de soviéticos em Nurembergue criava um problema em si. Stálin não era menos criminoso que Hitler. A diferença era que um deles tinha vencido e o outro fora derrotado.
Nurembergue, por sua vez, condenou réus que não tinham violado leis em grande quantidade e puniu alguns deles por delitos coletivos. Mesmo assim, a inovação legal desse julgamento parece se justificar, e o efeito geral de Nurembergue foi positivo. Pois existe algo de verdadeiramente novo nos crimes totalitários, nos crimes de Estado que o velho código legal não tinha contemplado, e a introdução na lei do conceito de crimes contra a humanidade foi uma maneira de remediar essa falta. Hoje já não podemos afirmar não saber que certos atos são criminosos, sejam quais forem as leis do país em que foram cometidos. O julgamento de Nurembergue também contribuiu para a transformação da Alemanha em país democrático, mesmo que, 30 anos mais tarde, uma nova geração precisasse questionar a conduta dos cidadãos comuns na Alemanha de Hitler, e não apenas a conduta de seus líderes.
Quase 50 anos depois de Nurembergue, em fevereiro de 1993, um novo tribunal de crimes de guerra foi instaurado em Haia para julgar os responsáveis pelos crimes de guerra na Iugoslávia. Será que se justifica a criação dessa nova instituição? A resposta não é auto-evidente. Como recorda Bass, com toda razão, esse tribunal não foi criado simplesmente em função do desejo de ver a justiça prevalecer. Mais do que isso, resultou da recusa das potências ocidentais em intervir militar ou mesmo politicamente na Bósnia. A opinião pública foi sensibilizada pelas imagens de sofrimento difundidas corriqueiramente na televisão, e o tribunal foi instaurado para aliviar um pouco o peso da consciência.
A ausência de entusiasmo político pelo tribunal dificultou seus esforços: faltaram-lhe os meios materiais de que precisava, os governos ocidentais se negaram a ceder seus soldados para operações arriscadas de captura de suspeitos e, numa situação de conflito ainda existente, era difícil obter testemunhos confiáveis.
As ações do tribunal durante a crise de Kosovo tampouco lhe valeram apoio unânime. Acusar Milosevic e outros líderes iugoslavos de crimes contra civis enquanto a Província estava sendo bombardeada foi um empreendimento um tanto quanto questionável. O tribunal, financiado e sustentado pelos países ocidentais, acusou o Exército do inimigo do Ocidente de crimes de guerra. Logo, não se pode afirmar que tenham sido respeitadas as condições de uma justiça imparcial. Ao formular a acusação, a promotora Louise Arbor conquistou a atenção da mídia, mas comprometeu a idéia de justiça, ao transformá-la em instrumento auxiliar para a busca de fins políticos e militares.
Como outras organizações de ajuda humanitária, o tribunal tinha a obrigação de não se deixar imiscuir com o aparato da Otan (aliança militar ocidental). Organizações como a Anistia Internacional e o Human Rights Watch chamavam a atenção para as violações da lei internacional cometidas pela Otan, mas seus apelos ao tribunal eram ignorados. Atos que, quando cometidos por sérvios, eram descritos como crimes de guerra eram qualificados como "danos colaterais" quando cometidos pelos países ocidentais envolvidos.
Os esforços atuais para criar uma corte penal internacional são igualmente dúbios. Richard Goldstone, o juiz sul-africano que trabalhou em Haia, escreveu um livro decepcionante, "For Humanity" (Pela Humanidade, Yale University Press, US$ 18,50), no qual nos revela mais sobre quartos de hotel e cardápios de restaurantes do que sobre sua filosofia subjacente de justiça internacional. Goldstone diz que "a abordagem infeliz da administração norte-americana na Conferência de Roma" tem sido o principal obstáculo à realização desse projeto. Os Estados Unidos se negam a ver um de seus cidadãos acusado por esse tribunal sem seu consentimento prévio -ou seja, se recusam a ver uma instituição internacional ter precedência sobre as decisões de seu governo nacional (o ex-presidente Clinton recentemente assinou o tratado, mas ninguém imagina que ele será ratificado pelo Senado).

Ações reparadoras Deixando de lado a objeção americana, ainda podemos nos indagar se o projeto de uma corte de Justiça internacional permanente merece ou não ser defendido. É uma idéia nobre e generosa, sem dúvida, mas, para ser eficaz, tal instituição de justiça precisaria ter à sua disposição uma força policial, e tal força sempre teria que ser tirada de países específicos e, portanto, seria sujeita às ordens de governos específicos, que poderiam exigir que ela fosse isenta de suas obrigações compartilhadas (excetuando, é claro, a hipótese de que viesse a ser criado um Estado universal do tipo com que sonhavam os ditadores totalitários da primeira metade do século -uma solução igualmente pouco atraente).
A segunda grande maneira de reparar injustiças passadas consiste em nos preocuparmos principalmente com as vítimas e não mais com os perpetradores. Esse tipo de ação é o tema do livro de Elazar Barkan, "The Guilt of Nations" (A Culpa das Nações, W.W. Norton, US$ 29,95), que tem o mérito de reunir casos recentes de reparação, todos eles muito diferentes, para oferecer uma visão ampla dessa abordagem. Esses casos se dividem em dois contextos históricos, um deles ligado às consequências da Segunda Guerra, o outro, à descolonização. A compensação oferecida às vítimas ou é simbólica, ou material. Não devemos subestimar o poder do simbolismo, a pretexto de que ele não faz nada por sua conta bancária. Na realidade, espiritual, psicológica e socialmente, é da reparação simbólica que a vítima mais precisa, tanto assim que a compensação material tem valor, entre outras razões, devido ao reconhecimento simbólico que ela traz.


Essas exigências de manter ou reinstaurar o passado parecem não levar em conta o fato de que todas as tradições vivas mudam e apenas as culturas mortas se conservam intactas


As vítimas querem que o mal e a injustiça que lhes foram infligidos sejam reconhecidos, para que possam reconstruir suas identidades; precisam da solidariedade pública, capaz de conferir algum sentido à experiência atroz pela qual passaram e de transformar a violência que suportaram num ato que sua sociedade condena.
O primeiro caso importante de compensação material oferecida a ex-vítimas foi a decisão alemã de pagar indenizações a famílias judias privadas de suas posses durante a guerra, e, mais tarde, de fazer o mesmo ao Estado de Israel -uma decisão que os líderes alemães, encabeçados por Konrad Adenauer, fizeram de livre e espontânea vontade, embora não faltassem pressões externas nesse sentido. Eles julgaram que era esse o preço necessário que a Alemanha teria que pagar para poder reingressar na família das nações. Desde então, essas reparações já somam mais de US$ 60 bilhões.

História muito longa Essa evolução da moralidade pública é nova, e também ela representa um reforço da idéia de justiça. Mas ela também suscita problemas cuja solução não é fácil. Para começar, sempre existe a questão sobre o que queremos dizer com "passado". A história é muito longa, e nem sempre fica claro até onde podemos retroceder para tentar reparar as atrocidades do passado.
Hoje, em vários países do Leste europeu, propriedades perdidas sob o regime comunista estão sendo devolvidas a seus donos originais. Mas quais títulos de propriedade devem ser reinstaurados? Os camponeses húngaros foram privados de suas terras em 1950, no interesse da coletivização -mas essas terras lhes tinham sido dadas em 1945 por um governo do qual os comunistas já participavam. Se uma das decisões foi legítima, por que não a outra? E o regime anterior àquele foi, ele próprio, uma ditadura; será que todos os seus atos devem ser vistos como legítimos?
Essas perguntas podem ser colocadas de maneira ainda mais contundente com relação ao mundo pós-colonial, na medida em que os atos que estamos tentando "desfazer" hoje estão ainda mais distantes no tempo. Quando se ouvem as exigências formuladas por grupos que falam em nome das antigas vítimas, muitas vezes se tem a impressão de estar sendo obrigado a entrar numa máquina do tempo, numa tentativa de apagar a história como ela aconteceu de fato e reescrevê-la segundo nossos princípios morais atuais.
Essas tentativas são ainda mais paradoxais na medida em que muitas vezes são retratadas como tendo sido validadas diante de tribunais que são, eles próprios, produtos dessa história, e que muitas vezes se referem a um passado que é mais mítico do que verdadeiro. Havia um espaço político indígena que a chegada de Cristóvão Colombo, em 1492, destruiu; deve esse espaço ser restaurado hoje? Antes da chegada dos brancos às Américas, os índios americanos viviam em condições de esplendor -que a sociedade contemporânea poderia ter a obrigação moral de restaurar- ou de pobreza?
Ademais, depois de passados um ou dois séculos, a identificação dos representantes atuais de vítimas e carrascos é problemática. A prática da escravidão foi um mal, mas por que os descendentes de irlandeses e italianos que chegaram aos Estados Unidos no início do século 20 deveriam pagar reparações por ela, hoje? E a quem deveriam pagá-las? Houve algo de inútil e falso no gesto feito por Clinton na África: ele pediu para ser perdoado por atos cometidos há dois séculos, pelos quais ele não tinha responsabilidade nenhuma, ao mesmo tempo em que fugia da responsabilidade por seus próprios erros. Em algum momento o princípio da justiça histórica entra em choque com o princípio da responsabilidade individual. Reparar uma injustiça cometida com uma pessoa viva é um dever, mas fazê-lo com uma entidade abstrata é uma ação muito menos clara e menos obrigatória.
Em todos esses conflitos, os direitos do indivíduo se chocam com os direitos do grupo. No passado um tanto quanto distante dos povos colonizados, os indivíduos não tinham voz ativa; eram obrigados a submeter-se às decisões do grupo. Mas será que é legítimo recriar tal situação hoje? Será que um descendente dos sioux nos dias de hoje tem o direito de aceitar indenização por suas terras roubadas e, consequentemente, renunciar ao direito que o povo sioux teria a essas terras? Um artista individual tem o direito de adaptar um patrimônio cultural tradicional para suas finalidades próprias ou deve dedicar-se a preservar a tradição, sob pena de se ver acusado de genocídio cultural?
Às vezes a fidelidade à história pode transformar-se numa forma de opressão. Essas exigências de manter ou reinstaurar o passado parecem não levar em conta o fato de que todas as tradições vivas mudam e apenas as culturas mortas se conservam intactas. A recente promoção dos direitos de grupos não é necessariamente progresso: um indivíduo tem o direito de praticar a cultura que escolher, de participar desse grupo em lugar daquele -mas também tem o direito de libertar-se da pressão de qualquer grupo.
Para concluir, hesitamos em ratificar uma identificação permanente com a condição de vítima. Nosso mundo, que se compraz no que é sentimental e anseia pelo espetacular, confere um espaço privilegiado ao sofrer. Os protagonistas de situações de conflito sabem disso muito bem e procuram conseguir a solidariedade geral, desfilando suas feridas perante o mundo e, por vezes, chegando ao ponto de atacar seu próprio lado para que os danos suscitem compaixão e solidariedade a seu favor. Mas o sofrimento de um grupo não prova que sua causa é justa, e a compaixão, sozinha, não pode tomar o lugar da política. A vida comunitária precisa basear-se não na quantidade de dor sofrida por esse ou aquele grupo de pessoas, mas na igualdade de direitos.

Reconciliação com o inimigo Ademais, uma pessoa que se enxerga exclusivamente como vítima muitas vezes se mantém indiferente a suas próprias responsabilidades e ao sofrimento que ela própria pode causar. Ela se contenta em esperar que a justiça seja feita. "A vitimização confere poder à vítima", como observa Barkan, e há muitas que se dispõem a lucrar com esse poder. A coisa às vezes degenera, transformando-se numa competição para ver quem sofreu mais. Assim, alguns judeus americanos negam que os nipo-americanos encerrados em campos durante a Segunda Guerra Mundial devam utilizar a expressão "campos de concentração" e contestam o direito de os americanos de origem armênia em falarem de "genocídio".
Reconhecer nossos próprios erros e pontos fracos nos dá condições de nos envolvermos num desafio pessoal e promover uma transformação moral; já reivindicar as prerrogativas de vítima não acrescenta nada a nosso valor moral. Paradoxalmente a contribuição positiva da vítima à educação moral da sociedade consiste em oferecer ao perpetrador a chance de reparar seus erros. Desse ponto de vista, os efeitos do castigo são ambíguos: "Nenhuma reparação ou punição imposta reduziu o peso da vitimização", conclui Barkan. "Em lugar disso, o transformou em rotina."
Com isso, chegamos ao terceiro método de reparação, que não procura nem punir os culpados nem pagar compensação às vítimas, mas, em lugar disso, permitir que uma comunidade inteira se reconcilie consigo mesma. É claro que também é possível buscar esse objetivo com castigos e reparações, mas certas atividades e instituições foram criadas especificamente para esse fim: a comissão de inquérito encarregada de produzir uma imagem do passado que seja aceitável por todos.

O livro de Priscilla Hayner, "Unspeakable Truths" (Verdades Inexprimíveis, Routledge, US$ 27.50), traz um inventário útil do trabalho de 21 comissões desse tipo de todo o mundo, e o livro de Robert Rotberg e Dennis Thompson, "Truth v. Justice" (Verdade versus Justiça", Princeton University Press, US$ 55), é uma coletânea de ensaios dedicados ao mais conhecido desses organismos, a Comissão de Verdade e Reconciliação na África do Sul.

Vítimas e perpetradores Existem circunstâncias nas quais punir os culpados e fazer reparações às vítimas parece ser impraticável -especialmente naquelas situações altamente carregadas nas quais, após uma mudança radical de orientação política, pode ser verificado que grande parte da população tomou parte no que agora parece ser um crime, e uma parte ainda maior dela sofreu suas consequências. Foi a situação vigente após a derrubada das ditaduras militares na América Latina, do regime do apartheid na África do Sul e dos regimes comunistas na Europa Oriental.
Às vezes não é fácil distinguir entre vítimas e perpetradores. Sob um regime totalitário, a maioria da população é ao mesmo tempo cúmplice e vítima dos perpetradores. Como não é possível fazer reparações a todas as vítimas nem castigar todos os culpados, é como a idéia de uma anistia geral, pura e simples, como se nada houvesse acontecido, é igualmente inadmissível, a solução que resta, escolhida por vários países, é criar uma comissão de inquérito.
A comissão inquérito criada na África do Sul identificou seus objetivos como sendo "verdade e reconciliação". A comissão se apresentou, sem rodeios, como alternativa à Justiça. Também foi dito que ela representava uma nova forma de justiça, uma justiça "restauradora", em oposição à justiça "punitiva". Mas não está claro que qualquer coisa tenha realmente sido ganha com essa inovação terminológica. Isso porque o trabalho das comissões é muito diferente daquele dos tribunais.
As comissões têm uma meta, que é a paz social e a reconciliação entre diferentes setores da população, e elas partem da premissa de que um método específico vai levar à paz social, e que esse método é a determinação pública da verdade. Para concluir, essas comissões se dispõem a pagar o preço necessário para alcançar esse resultado: que as pessoas que revelaram seus delitos passados recebam a anistia e a garantia de que não enfrentarão acusações legais. Essas comissões parecem ter somado as lições da confissão cristã e da cura psicanalítica: como a primeira, vinculam a absolvição à confissão, e, como a segunda, propõem que falar sobre o trauma permite livrar-se dele.
E será que se pode afirmar que a verdade tenha realmente sido estabelecida? Dificilmente. Como observaram críticos da comissão, ela não possuía meios para verificar os relatos das testemunhas e, por isso, teve que satisfazer-se essencialmente com o registro desses relatos. A "verdade" estabelecida nos tribunais da Justiça é superior a essa, já que relatórios da polícia, interrogatórios e trabalho de laboratório ajudam a estabelecer fatos irrefutáveis. Além disso, a própria idéia de uma verdade registrada de uma vez por todas, mesmo que o seja por uma comissão composta de homens de boa vontade, encerra algo de problemático, e não apenas para o exército de "desconstrucionistas" que não acreditam na existência da verdade.
Assim, parece ser justo concluir que as comissões de inquérito que proliferaram nos últimos anos não ajudaram nem à Justiça nem à verdade e nem tampouco à reconciliação. No entanto a opinião pública é extremamente favorável a elas, e outros países pensam em criar comissões desse tipo. Como explicar essa constatação? Pelo fato de que os efeitos positivos dessas comissões não se situam exatamente no nível em que as pessoas os imaginam.
Não é verdade, por exemplo, que os culpados escapam de toda punição quando confessam seus crimes: a admissão de que tomaram parte em atos repreensíveis -assassinatos, torturas, estupros- faz recair sobre eles o poder temível do opróbrio social, e eles viverão envergonhados por muito tempo ainda. "A exposição é castigo", conforme destacou um observador.
Tampouco é verdade que as famílias dos mortos não ganham em nada pelo fato de não obterem nem compensação financeira nem o castigo dos culpados. No decorrer das sessões da comissão, elas são levadas a exercer um papel ativo em trazer a verdade à tona, e, com isso, lhes é proporcionada uma maneira de fugirem da passividade da condição de vítimas. Para os familiares dos assassinados, o inquérito confere sentido ao que aconteceu, e um sentido trágico é melhor, com toda certeza, do que sentido nenhum. Com isso, elas são integradas à vida na sociedade.
O trabalho das comissões também revela outra necessidade das sociedades humanas, uma necessidade que, sem elas, poderia ter passado desapercebida: como membros de uma comunidade, todos nós desejamos ter à nossa disposição uma certa imagem de nossa identidade coletiva, imagem esta que também inclua um consenso geral sobre o significado de nosso passado. Esse consenso nunca será perfeito: sempre haverá indivíduos na França que acharão que a ocupação alemã de 1940 foi uma coisa boa, e a resistência a ela, deplorável; mas a grande maioria da população pensa o contrário, e essa concordância é indispensável para a saúde moral da sociedade. A mesma coisa se aplica à condenação do apartheid na África do Sul e também aos assassinatos e torturas cometidos sob a ditadura militar argentina.
Essa memória coletiva, essa narrativa comum, não precisa ser tão exata quanto o trabalho dos historiadores. Ela diz respeito não ao conhecimento, mas ao reconhecimento. O importante é que seja formulada publicamente e reforçada pela sanção das autoridades políticas oficiais, governo e Parlamento. Podemos acreditar que somos individualistas duros e puros e modernos sofisticados, mas não temos menos necessidade do que tinham nossos antepassados de uma imagem comum do passado, para termos uma moralidade comum.
O que, então, devemos pensar das tentativas contemporâneas de reparar as injustiças do passado? Em primeiro lugar, são justificadas. Uma vez a violência introduzida na história, ela continua a exercer seus efeitos malignos por décadas e mesmo séculos. Os crimes de Hitler continuam a ferir pessoas hoje, assim como as crueldades cometidas na Guerra dos Bôeres continuaram a influir sobre aquelas do regime do apartheid, e a violência cometida na guerra colonial na Argélia, na década de 50, explica em parte os massacres recentes nesse país. A maneira de reparar essas situações não é reprimir o passado, tentar esquecê-lo -a repressão apenas gera neurose, causa frustrações e provoca vingança irracional. É melhor partir para um ato público de reparação.
Evidentemente, essa escolha representa um empreendimento arriscado. Restabelecer um vínculo entre moralidade e política significa andar na contramão do grande movimento da modernidade que foi responsável pelo estabelecimento das democracias (as sangrentas Cruzadas da Idade Média foram conduzidas em nome do bem). Também corremos o perigo de praticar uma política na qual apenas as justificativas sejam morais, e não as motivações reais; afinal, a colonização no século 19 também afirmava justificar-se pelos valores da civilização e até mesmo pela necessidade de defender os direitos humanos.
Mais do que nossa idéia de um universo familiarizado com o caos e a contingência, no qual o controle completo sobre os acontecimentos é impossível, o sonho de um mundo no qual todas as injustiças sejam corrigidas lembra a noção tida por nossos antepassados de uma vida vivida em submissão à divina Providência.
É por isso que a ação reparadora é desejável, mas não em todas suas formas. Devemos sempre nos lembrar de que o poder adora se disfarçar de direito, e que isso não torna mais aceitável seu reinado. De que vale a Justiça internacional se os membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU têm o direito de vetar todas as suas decisões? Como pode ser legítimo o chamado "direito de intervenção" quando é aplicado apenas aos países fracos que não se contam entre nossos amigos? Qual é esse direito que, por definição, isenta os membros poderosos do G-8? O governo americano nunca quis se arrepender das violações dos direitos humanos cometidas por seus agentes em El Salvador e Guatemala, no Haiti ou no Chile, nem aceitar as conclusões avassaladoras formuladas por diversas comissões de inquérito criadas pela ONU e, portanto, também pelos Estados Unidos.
Não é difícil compreender por que o presidente iugoslavo Vojislav Kostunica não confia em comissões e tribunais internacionais. No mundo real, a escolha geralmente não se dá entre uma "Realpolitik" e uma "Moralpolitik", mas entre duas políticas de força, uma delas franca e a outra hipócrita.
Mas essa observação sóbria não deve nos condenar à inação. No mundo da política, o princípio do meio excluído raramente se aplica. Muitos mais eficazes do que essas tentativas de criar uma nova ordem mundial baseada na virtude e na Justiça são os atos políticos no interior de um país ou entre dois países.
A ação política não é necessariamente uma continuação da guerra com outros meios; ela também pode intervir no domínio simbólico para reparar e, assim, melhorar a vida da comunidade. A comunidade precisa de uma imagem comum de seu passado que se enquadre melhor com a Justiça, e as comissões de inquérito e os organismos políticos legítimos, tais como governos e Parlamentos, estão ali para contribuir para isso. Tais ações nem sempre são sensacionais. Elas requerem paciência e persistência e não nos permitem enxergar a nós mesmos como paradigmas de virtude. É possível que sejam as únicas maneiras confiáveis de criar um pouco mais de justiça neste mundo injusto.

Tzvetan Todorov é teórico da literatura e ensaísta político, autor de "Os Gêneros do Discurso", "A Conquista da América" (ed. Martins Fontes) e "Uma Tragédia Francesa" (ed. Record), entre outros. A versão integral do texto acima foi publicada na "The New Republic".

Tradução de Clara Allain.


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