São Paulo, domingo, 18 de setembro de 2005

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Conceitos de Agamben

Estado de exceção - Criada pela Assembléia Constituinte francesa em 1791 sob o nome de "estado de sítio", a figura de um quadro legal para a suspensão da ordem jurídica em "casos extremos" aplicava-se inicialmente apenas às praças-fortes e portos militares. Em 1811, com Napoleão, o estado de sítio podia ser declarado pelo imperador a despeito da situação efetiva de uma cidade estar sitiada ou ameaçada militarmente. A partir de então, vemos um progressivo desenvolvimento de dispositivos jurídicos semelhantes na Alemanha, Suíça, Itália, Reino Unido e EUA, que serão aplicados, durante os séculos 19 e 20, em situações variadas de emergência política ou econômica. Giorgio Agamben compreende tal desenvolvimento como a manifestação de um processo de generalização dos dispositivos governamentais de exceção. Processo este que teria sido o motor invisível das democracias ocidentais (o que Agamben tenta salientar ao aproximar a lógica da exceção e o problema do lugar do soberano nas teorias clássicas da filosofia política). Por um lado, tal teoria da generalização progressiva do estado de exceção procura fornecer o quadro de análise para a tendência contemporânea em criar situações nas quais a distinção entre estado de guerra e estado de paz seja impossível. Indistinção que visaria, assim, transformar o estado de exceção em regra universal. No entanto, a partir desta teoria da centralidade de processos de suspensão da norma que não equivalem necessariamente à abolição da norma, Agamben procura fazer mais do que fornecer uma visão das tendências que atuam na estrutura político-jurídica contemporânea. Ele visa fundamentalmente criticar uma noção de razão vinculada à crença de que racionalizar é assegurar a vida por meio da posição de critérios normativos de justificação intersubjetivamente partilhados. Neste ponto, o trabalho de Agamben aparece como um desdobramento das reflexões de Michel Foucault sobre os modos de coincidência entre a norma racional e o seu outro.

Biopoder - Termo cunhado por Michel Foucault para dar conta da centralidade, na consolidação do poder na modernidade, daquilo que o filósofo chama de "administração dos corpos" e de "gestão calculista da vida". Foucault insiste no fato de que tal transformação da vida humana em objeto do poder soberano implicou em sua redução à condição de pura vida biológica, vida pronta para ser administrada pelos dispositivos ordenadores do poder ou, ainda, redução àquilo que Agamben chama de "vida nua". Neste sentido, a contribuição mais importante de Agamben no interior do debate sobre as estruturas do biopoder consiste em mostrar como a vida nua vai progressivamente coincidindo com a integralidade do espaço político, no sentido de ela ser posta como a figura hegemônica da vida que pode aparecer no interior do espaço político. Isto implica necessariamente compreender qual a estrutura jurídica própria a um poder que reduz a vida à condição de mera vida biológica. É neste ponto que se articulam os livros "Homo Sacer" e "Estado de Exceção".

Homo sacer - Partindo do fato de que no termo latino "sacer" convergem duas determinações aparentemente opostas de sentido ("sagrado" e "maldito" ou "matável"), Agamben procura dar conta do verdadeiro sentido da sacralidade da vida enquanto princípio inviolável e elemento político originário. As determinações opostas de "sacer" apenas indicariam aquele que está fora tanto do direito humano (por ser sagrado) quanto do direito divino (por ser matável de maneira não sacrificial). Habitante excedente de uma zona de indistinção entre a vida humana e a morte consagrada, o "homo sacer" demonstraria como a sacralidade é apenas a figura perfeita de uma vida nua cada vez mais presente. Com isto, Agamben procura dar conta do sentido biopolítico de políticas de vitimização (baseadas na dissociação entre os direitos do homem e os direitos do cidadão) e de situações contemporâneas nas quais sujeitos são, cada vez mais, jogados em zonas de anomia.


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