São Paulo, domingo, 18 de setembro de 2005

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Teórico ataca a "cordialidade" acadêmica e divisões ideológicas nas análises

Doutores e agregados

JOÃO CEZAR DE CASTRO ROCHA
ESPECIAL PARA A FOLHA

Nunca respondi a textos sobre os livros que publiquei. Porém "O Exílio do Homem Cordial" é o primeiro volume da coleção "Ágora Brasil", da Editora do Museu da República, dedicada ao pensamento social brasileiro, e sinto-me assim na obrigação de ponderar as opiniões de Francisco Alambert [publicadas no Mais! de 28 de agosto].
Segundo ele, sou um "culturalista". Uma referência a Franz Boas, logo, a Gilberto Freyre; portanto, sou um "freyriano"? Não; o resenhista é "preciso": "Antimodernista, João Cezar se coloca contra a tradição de interpretação dialética da cultura (...), buscando um espaço entre a história cultural de origem norte-americana e as teorias pós-modernistas (...)" (grifos meus).
Ora, concluí um segundo doutorado na Universidade de Stanford (Califórnia). Logo, meu trabalho "deve" pertencer à corrente dos estudos culturais norte-americanos. Registre-se a inovação: a hermenêutica topográfica. Porém, até um estudante de graduação entenderia o abismo que separa meu livro da história cultural norte-americana. Seu modelo é antes a tradição hermenêutica de Erich Auerbach e de Antonio Candido, nada tendo a ver com os estudos culturais.
No início da oração, sou "antimodernista"; no final, um adepto americanizado das "teorias pós-modernistas". Além de "culturalista", claro. Só mesmo Carmem Miranda para equilibrar tamanha folia conceitual! Na outra margem do rio, há os materialistas. Quem ocupa a terceira margem? O problema das divisões ideológicas é a rigidez dos juízos, que reduz a leitura à mera confirmação do que já se sabia.
Para o resenhista, "ataco a universidade", mas não explico "como a instituição poderia estar livre das coerções da própria sociedade". Na página 47, contudo, digo: "A única forma de superar a cordialidade ainda hoje dominante no sistema intelectual consiste em reconhecê-la como parte constitutiva de nossos hábitos cotidianos". É o que faço no livro todo.
Alambert "estranha" a crítica ao mercado de troca dos elogios acadêmicos; afinal, meu livro "se inicia dando láureas àquele que foi seu orientador em Stanford e a quem, numa escorregadela um tanto melodramática, o autor diz esperar que o livro "não o decepcione'". E espero mesmo. Mas fiquei sabendo, pelo resenhista, que um livro começa na seção de agradecimentos! Aí, nas páginas sete e oito, agradeço a pessoas e instituições. Registre-se o método: a hermenêutica do paratexto. Julga-se um livro pela capa, orelhas, sumário e seção de agradecimentos. Ora, salvo engano, meu livro principia na "introdução" (página 11).
Creio que teria sido correto informar que, da página 11 à 301, o "orientador de Stanford" não é citado. Não é preciso ler o livro. Consulte-se o índice onomástico. Por que o resenhista transmite um dado que, digamos com "elegância", é uma "escorregadela um tanto equivocada"? Para "revelar" que critico a cordialidade, mas ajo cordialmente.
Eis o que escrevo na já citada página 47: "Numa sociedade como a brasileira, somos todos sempre muito cordiais. Isto é, o autor e o leitor deste livro". Discuto a idéia em todos os capítulos. Há inúmeras outras passagens que tratam de "cordialidade", "homem de letras cordial", conforme registra o índice analítico do livro. Além de discordar de Sérgio Buarque de Holanda, que acreditava na superação do homem cordial, incluo-me criticamente no estudo, considero-me parte do problema.
Na opinião de Alembert, cito uma entrevista de Freyre, para "desmontar os "mal-entendidos" da clássica oposição entre a sociologia freyreana e a escola paulista". Na página 230, entretanto, digo o oposto do que me atribui e justifico: "Caso contrário, o crítico limita-se ao papel de reduplicar os conflitos intelectuais, em lugar de refletir sobre eles". Debate acadêmico não é Fla x Flu. Como o resenhista anota, não sigo o programa de Roberto Schwarz -por que deveria? Admiro, sobretudo, Antonio Candido e, entre outros, o próprio Schwarz, Silviano Santiago, Walnice Nogueira Galvão. Mas, por que contentar-me em ser um disciplinado epígono?
Prefiro correr riscos. Infelizmente, há intelectuais que optam pela segurança da carreira à sombra de nomes consagrados. Machado de Assis não estudou o professor universitário "agregado": em sua época, as universidades inexistiam.


João Cezar de Castro Rocha é professor de literatura comparada na Universidade do Estado do Rio de Janeiro e autor de, entre outros, "Literatura e Cordialidade" (Eduerj).


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