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Teórico ataca a "cordialidade" acadêmica e divisões ideológicas nas análises
Doutores e agregados
JOÃO CEZAR DE CASTRO ROCHA
ESPECIAL PARA A FOLHA
Nunca respondi a textos sobre os livros que publiquei.
Porém "O Exílio do Homem Cordial" é o primeiro volume da coleção "Ágora Brasil", da Editora do Museu da República, dedicada ao pensamento social brasileiro, e sinto-me assim na
obrigação de ponderar as opiniões
de Francisco Alambert [publicadas
no Mais! de 28 de agosto].
Segundo ele, sou um "culturalista". Uma referência a Franz Boas, logo, a Gilberto Freyre; portanto, sou
um "freyriano"? Não; o resenhista é
"preciso": "Antimodernista, João
Cezar se coloca contra a tradição de
interpretação dialética da cultura
(...), buscando um espaço entre a
história cultural de origem norte-americana e as teorias pós-modernistas (...)" (grifos meus).
Ora, concluí um segundo doutorado na Universidade de Stanford
(Califórnia). Logo, meu trabalho
"deve" pertencer à corrente dos estudos culturais norte-americanos.
Registre-se a inovação: a hermenêutica topográfica. Porém, até um estudante de graduação entenderia o
abismo que separa meu livro da história cultural norte-americana. Seu
modelo é antes a tradição hermenêutica de Erich Auerbach e de Antonio Candido, nada tendo a ver
com os estudos culturais.
No início da oração, sou "antimodernista"; no final, um adepto americanizado das "teorias pós-modernistas". Além de "culturalista", claro. Só mesmo Carmem Miranda para equilibrar tamanha folia conceitual! Na outra margem do rio, há os
materialistas. Quem ocupa a terceira margem? O problema das divisões ideológicas é a rigidez dos juízos, que reduz a leitura à mera confirmação do que já se sabia.
Para o resenhista, "ataco a universidade", mas não explico "como a
instituição poderia estar livre das
coerções da própria sociedade". Na
página 47, contudo, digo: "A única
forma de superar a cordialidade ainda hoje dominante no sistema intelectual consiste em reconhecê-la como parte constitutiva de nossos hábitos cotidianos". É o que faço no livro todo.
Alambert "estranha" a crítica ao
mercado de troca dos elogios acadêmicos; afinal, meu livro "se inicia
dando láureas àquele que foi seu
orientador em Stanford e a quem,
numa escorregadela um tanto melodramática, o autor diz esperar que o
livro "não o decepcione'". E espero
mesmo. Mas fiquei sabendo, pelo resenhista, que um livro começa na seção de agradecimentos! Aí, nas páginas sete e oito, agradeço a pessoas e
instituições. Registre-se o método: a
hermenêutica do paratexto. Julga-se
um livro pela capa, orelhas, sumário
e seção de agradecimentos. Ora, salvo engano, meu livro principia na
"introdução" (página 11).
Creio que teria sido correto informar que, da página 11 à 301, o
"orientador de Stanford" não é citado. Não é preciso ler o livro. Consulte-se o índice onomástico. Por que o
resenhista transmite um dado que,
digamos com "elegância", é uma
"escorregadela um tanto equivocada"? Para "revelar" que critico a cordialidade, mas ajo cordialmente.
Eis o que escrevo na já citada página 47: "Numa sociedade como a brasileira, somos todos sempre muito
cordiais. Isto é, o autor e o leitor deste livro". Discuto a idéia em todos os
capítulos. Há inúmeras outras passagens que tratam de "cordialidade", "homem de letras cordial", conforme registra o índice analítico do
livro. Além de discordar de Sérgio
Buarque de Holanda, que acreditava
na superação do homem cordial, incluo-me criticamente no estudo,
considero-me parte do problema.
Na opinião de Alembert, cito uma
entrevista de Freyre, para "desmontar os "mal-entendidos" da clássica
oposição entre a sociologia freyreana e a escola paulista". Na página
230, entretanto, digo o oposto do
que me atribui e justifico: "Caso contrário, o crítico limita-se ao papel de
reduplicar os conflitos intelectuais,
em lugar de refletir sobre eles". Debate acadêmico não é Fla x Flu. Como o resenhista anota, não sigo o
programa de Roberto Schwarz
-por que deveria? Admiro, sobretudo, Antonio Candido e, entre outros, o próprio Schwarz, Silviano
Santiago, Walnice Nogueira Galvão.
Mas, por que contentar-me em ser
um disciplinado epígono?
Prefiro correr riscos. Infelizmente,
há intelectuais que optam pela segurança da carreira à sombra de nomes
consagrados. Machado de Assis não
estudou o professor universitário
"agregado": em sua época, as universidades inexistiam.
João Cezar de Castro Rocha é professor
de literatura comparada na Universidade do
Estado do Rio de Janeiro e autor de, entre
outros, "Literatura e Cordialidade" (Eduerj).
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