São Paulo, domingo, 18 de outubro de 2009

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Antislogan dos trópicos

EM PROSA FÁCIL, OBRA LIDA COM PRECONCEITOS ESTRANGEIROS PARA FAZER CRÍTICA SUAVE AO PAÍS

MARCELO COELHO
COLUNISTA DA FOLHA

Não conheço muita gente que tenha lido "Por Que Me Ufano do Meu País", o notório objeto de sarcasmos escrito por Affonso Celso (1860-1938) para comemorar o quarto centenário da descoberta do Brasil, em 1900.
A sorte de "Brasil - Um País do Futuro", de Stefan Zweig (1881-1942), não foi muito melhor. No prefácio à edição de bolso da L&PM, lançada em 2006, o jornalista Alberto Dines ressalta que o livro estava esgotado desde 1981.
Pudera: o ano coincide com o início das "décadas perdidas" para a economia do país.

Encomenda oficial
Do mesmo modo que o livro de Affonso Celso, conhecido hoje em dia apenas por seu título, origem do termo pejorativo "ufanismo", o fato é que "Brasil - Um País do Futuro" tornou-se apenas um slogan, ou melhor, um antislogan, que só em discursos oficiais pode ser citado sem ironia.
Nosso "pé-atrás" (tipicamente brasileiro?) com relação a qualquer tipo de oficialismo se confirma, de resto, pelas circunstâncias que orientaram a publicação do livro, em plena ditadura Vargas [1937-45].
Diz o prefácio de Alberto Dines: "Zweig efetivamente fez um negócio com o governo brasileiro: em troca do livro (que desde 1936 pretendia escrever), receberia junto com a mulher um visto de residência permanente [no Brasil]. Uma preciosidade num momento em que o governo trancava as portas aos que fugiam dos horrores do nazismo".
Mas o fato de atender, em parte, a uma encomenda oficial não torna o livro menos sincero -e, assim que Zweig toma a palavra, numa introdução de dez páginas, o leitor se vê enredado pela fácil prosa do autor.
"Antigamente, antes de tornar público um livro, os escritores costumavam fazer um pequeno prólogo em que informavam por que razões, a partir de que pontos de vista e com que intuito haviam escrito o seu livro".
Não deve passar despercebida a astúcia desse parágrafo inicial. Ora essa, pergunta-se o leitor, mas não é exatamente isso o que Zweig está fazendo? Por que apresentar como um hábito antiquado (a ser posto de lado, portanto) uma coisa que ele próprio está a ponto de adotar? A resposta vem na frase seguinte. "Era um bom hábito", completa Zweig, num rápido giro de comutador elétrico: a carga negativa se torna positiva. O assentimento toma o lugar da


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