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A urbe indigna
LEVADO AO INSTITUTO BUTANTAN E AO CARANDIRU, ESCRITOR VIU
EM SÃO PAULO UMA CIDADE QUE ESQUECE SEU PASSADO
MARCO ANTONIO VILLA
ESPECIAL PARA A FOLHA
Stefan Zweig visitou
São Paulo em 1936.
Permaneceu cinco
dias. Chegou pelo
trem noturno, vindo
do Rio de Janeiro.
Percorreu a cidade, inicialmente, em um sábado chuvoso.
Fez uma breve visita a Campinas para conhecer uma fazenda de café e, no último dia da
viagem, foi conhecer Santos, de
onde partiu para Buenos Aires.
Anotou que São Paulo "não
possui muitas coisas dignas de
serem vistas e as três que possui têm em sua grandiosidade
um ressaibo pouco agradável".
Pode parecer estranho, mas
o escritor foi levado a conhecer
o presídio do Carandiru, considerado, à época, uma penitenciária modelo.
Registrou que "não se pode
imaginar nada mais modelar
do que esse estabelecimento,
que por si já se poderá corrigir
a pretensão europeia que julga
serem as instituições da Europa as mais aperfeiçoadas do
mundo".
De um homem que estava fugindo do nazismo, nada mais
impróprio do que a visita a um
presídio: "Não deixei de sentir
o coração oprimido".
Tanto que, não obstante o
elogio, escreveu: "Apesar da
perfeição dessa penitenciária,
respiro aliviado logo que afinal
a última das pesadas portas de
ferro que transpus se fecha
atrás de mim; novamente respiro liberdade e vejo pessoas
que dela gozam".
Desde novembro de 1935,
após o fracasso da Intentona
Comunista, centenas de presos
políticos estavam detidos nas
várias prisões paulistanas. Alguns, até no Carandiru, mas esses foram ocultados da vista do
célebre escritor.
Cobras e horror
Foi levado ao Instituto Butantan. Demonstrou certo enfado com a exibição das cobras.
Defendeu a liberdade: "Sempre me causava horror ver o homem, à custa da impossibilidade de defender-se um animal
subjugado, dá-lo em espetáculo
ou diversão".
Reservou algumas linhas para o Museu do Ipiranga. Não
gostou do que viu. Voltou ao tema da liberdade:
"Mas o que senti ao percorrer
as salas desse museu foi mais
um desejo do que uma satisfação, pois eu preferia ver esses
numerosos beija-flores e papagaios de diversas cores em seu
meio, na natureza, livres em
vez de empalhados."
Concluiu: "A natureza aprisionada é um absurdo."
Zweig adorava tomar café.
Associava-o, inclusive, à beleza
das mulatas brasileiras. No Rio
de Janeiro, ao ver passar uma
mulata, falou: "O café também
tem outras virtudes...".
Demonstrou satisfação com
a visita que fez a uma fazenda
de café em Campinas.
Apontou a monotonia da paisagem do cafezal ("As plantações de café são, em verdade,
muito tediosas"), da colheita
("Talvez os trabalhadores de
hoje entoem as mesmas cantigas monótonas que outrora os
escravos entoavam para acompanharem os mesmos movimentos monótonos").
Ficou surpreso com "a ausência completa de aroma. Eu
pensava que, percorrendo um
cafezal com milhares de cafeeiros, deveríamos sentir o odor
de café".
Do interior regressou para a
capital e rumou para Santos.
Acompanhou o trabalho de separação dos grãos de café e o
embarque nos navios.
Como era hábito, Zweig destacou o progresso de São Paulo,
a rapidez das transformações
na economia e no urbanismo.
Citou a convivência harmônica entre imigrantes de diferentes origens, isto em um momento de perseguições raciais
na Europa.
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