São Paulo, domingo, 18 de outubro de 2009

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A urbe indigna

LEVADO AO INSTITUTO BUTANTAN E AO CARANDIRU, ESCRITOR VIU EM SÃO PAULO UMA CIDADE QUE ESQUECE SEU PASSADO

MARCO ANTONIO VILLA

ESPECIAL PARA A FOLHA

Stefan Zweig visitou São Paulo em 1936. Permaneceu cinco dias. Chegou pelo trem noturno, vindo do Rio de Janeiro.
Percorreu a cidade, inicialmente, em um sábado chuvoso. Fez uma breve visita a Campinas para conhecer uma fazenda de café e, no último dia da viagem, foi conhecer Santos, de onde partiu para Buenos Aires.
Anotou que São Paulo "não possui muitas coisas dignas de serem vistas e as três que possui têm em sua grandiosidade um ressaibo pouco agradável".
Pode parecer estranho, mas o escritor foi levado a conhecer o presídio do Carandiru, considerado, à época, uma penitenciária modelo.
Registrou que "não se pode imaginar nada mais modelar do que esse estabelecimento, que por si já se poderá corrigir a pretensão europeia que julga serem as instituições da Europa as mais aperfeiçoadas do mundo".
De um homem que estava fugindo do nazismo, nada mais impróprio do que a visita a um presídio: "Não deixei de sentir o coração oprimido".
Tanto que, não obstante o elogio, escreveu: "Apesar da perfeição dessa penitenciária, respiro aliviado logo que afinal a última das pesadas portas de ferro que transpus se fecha atrás de mim; novamente respiro liberdade e vejo pessoas que dela gozam".
Desde novembro de 1935, após o fracasso da Intentona Comunista, centenas de presos políticos estavam detidos nas várias prisões paulistanas. Alguns, até no Carandiru, mas esses foram ocultados da vista do célebre escritor.

Cobras e horror
Foi levado ao Instituto Butantan. Demonstrou certo enfado com a exibição das cobras.
Defendeu a liberdade: "Sempre me causava horror ver o homem, à custa da impossibilidade de defender-se um animal subjugado, dá-lo em espetáculo ou diversão".
Reservou algumas linhas para o Museu do Ipiranga. Não gostou do que viu. Voltou ao tema da liberdade:
"Mas o que senti ao percorrer as salas desse museu foi mais um desejo do que uma satisfação, pois eu preferia ver esses numerosos beija-flores e papagaios de diversas cores em seu meio, na natureza, livres em vez de empalhados."
Concluiu: "A natureza aprisionada é um absurdo."
Zweig adorava tomar café. Associava-o, inclusive, à beleza das mulatas brasileiras. No Rio de Janeiro, ao ver passar uma mulata, falou: "O café também tem outras virtudes...".
Demonstrou satisfação com a visita que fez a uma fazenda de café em Campinas.
Apontou a monotonia da paisagem do cafezal ("As plantações de café são, em verdade, muito tediosas"), da colheita ("Talvez os trabalhadores de hoje entoem as mesmas cantigas monótonas que outrora os escravos entoavam para acompanharem os mesmos movimentos monótonos").
Ficou surpreso com "a ausência completa de aroma. Eu pensava que, percorrendo um cafezal com milhares de cafeeiros, deveríamos sentir o odor de café".
Do interior regressou para a capital e rumou para Santos. Acompanhou o trabalho de separação dos grãos de café e o embarque nos navios.
Como era hábito, Zweig destacou o progresso de São Paulo, a rapidez das transformações na economia e no urbanismo.
Citou a convivência harmônica entre imigrantes de diferentes origens, isto em um momento de perseguições raciais na Europa.


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