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Ciência - Tiro no pé da burocracia
JOSÉ FERNANDO PEREZ
ESPECIAL PARA A FOLHA
Nos últimos dez anos, o
Brasil teve um ciclo de desenvolvimento científico
extraordinário, documentado por alguns indicadores de relevância. Atingimos a marca de 1,5%
da produção científica publicada em
revistas de reconhecida qualidade. O
significado dessa marca fica realçado se compararmos com a inserção
do Brasil em cerca de 1% no comércio internacional. Ou seja, contribuímos com ciência de qualidade mais
do que com toda nossa exportação.
O Reino Unido, com sua tradição
secular de pesquisa, representa menos que 5%. E a nossa taxa de crescimento só foi menor do que as da
China e Coréia do Sul. Mas fizemos
mais do que crescer.
O país começa a entender a natureza do desafio da inovação tecnológica. O papel e a responsabilidade de
cada um dos atores começam a ser
claramente identificados. Isso se reflete na aprovação de uma Lei da
Inovação e na "MP do Bem" [atual
lei nš 11.196] que busca criar um ambiente propício para o desenvolvimento tecnológico, estimulando
parcerias entre instituições de pesquisa e empresas.
Há ainda benefícios fiscais para
empresas que investirem em atividades de pesquisa e desenvolvimento, o que incentiva a contratação de
pessoal qualificado produzido pela
nossa pós-graduação, que atinge a
marca de 10 mil doutores formados
por ano.
Da mesma forma, o envolvimento
decidido de agências de fomento à
pesquisa, como a Finep (Financiadora de Estudos e Projetos) e a Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo), no financiamento à inovação tecnológica
em empresas sinaliza o advento de
uma nova era, com a implantação de
uma nova cultura.
Por outro lado, progredimos em
velocidade muito lenta no que tange
aos marcos regulatórios e no funcionamento da burocracia governamental. Tanto um como outro são
francamente inamistosos com a inovação. Inovação acontece em decorrência de necessidades e oportunidades e, portanto, exige agilidade.
Situação caótica
Um sistema de inovação pede uma
agência de reconhecimento de patentes eficiente. Atualmente, o Inpi
(Instituto Nacional da Propriedade
Industrial), órgão responsável por
esse serviço, está levando cerca de
oito anos para processar um pedido
de registro. Pior, cada ano só consegue dar vazão a apenas 25% dos pedidos encaminhados. A situação deve ser clamada de caótica. Sem uma
atuação decidida, esse quadro irá ficar ainda pior. Há cerca de dez anos,
o Japão estava em situação pior. Metas foram estabelecidas e o problema
foi resolvido.
Em março de 2005, foi aprovada
uma legislação de biossegurança
que, por parâmetros internacionais,
deve ser considerada avançada. Ao
chegarmos em dezembro de 2005,
não temos ainda regulamentada a
composição e nem o estatuto da comissão técnica, que terá por responsabilidade discutir a aprovação de
pesquisas sobre organismos geneticamente modificados.
Esse tipo de contradição é paralisante. Investimentos expressivos na
área de biotecnologia vegetal não
ocorrerão antes que essas responsabilidades fiquem claramente definidas, e isso numa área em que o Brasil
tem claras vantagens competitivas
para se estabelecer como uma liderança internacional: características
geoeconômicas, tais como uma biodiversidade extraordinariamente rica, vigorosas agricultura e pecuária
e, agora, recursos humanos altamente qualificados para atuar em
praticamente todas as áreas de conhecimento pertinentes.
Igualmente paralisantes são as
normas e práticas extremamente
restritivas que controlam a atividade
de pesquisa tecnológica e até mesmo
acadêmica sobre essa mesma biodiversidade. Trata-se de um autêntico
tiro no pé. Está na hora da nossa burocracia entender que a melhor forma de impedir a biopirataria é por
meio do conhecimento desse riquíssimo patrimônio com que a natureza nos dotou.
Talvez 2006 possa ser o ano em que
o Brasil, a exemplo do que fez com a
Lei da Inovação e a "MP do Bem",
ousadamente decida romper com
essas amarras que impedem que o
desenvolvimento tecnológico do
país tenha uma relevância comensurável com as suas necessidades e
com seu potencial.
José Fernando Perez é diretor científico da
Fapesp e foi professor titular do Instituto de
Física da USP entre 1969 e 2004.
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