São Paulo, domingo, 19 de junho de 2005 |
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ADESÃO AO KARDECISMO REVELA REJEIÇÃO AOS EVANGÉLICOS
ANTÔNIO FLÁVIO PIERUCCI
São essas as três maiores confissões religiosas do Brasil atual e, como se vê, em patamares numéricos bem distanciados entre si. Um outro grupo que ganha destaque com o Censo 2000 é o dos sem religião. Com 7,3% do total de brasileiros, não fosse o fato de serem por autodefinição "sem religião", bem que poderiam levar o terceiro posto no pódio dos religiosos. No perfil religioso dos paulistanos adultos, a formação do pódio permanece a mesma, na mesma ordem, só se alterando o tamanho de cada religião: católicos (59%), evangélicos (23%), kardecistas (6%). Também em São Paulo, portanto, diminuem os católicos por causa do acelerado crescimento pentecostal. Já no perfil religioso dos participantes da parada, muda a configuração do pódio. Seguem na frente os mesmos três competidores, só que a ordem de colocação resulta alterada: logo depois dos católicos (36%) agora vêm os kardecistas (19%) e só depois, bem depois, os evangélicos (7%). O grande achado empírico da pesquisa está aí, na elevada proporção de espíritas no seio da população GLBT -19%-, proporção fortemente desviante da performance do kardecismo no total da população brasileira e três vezes maior que sua porcentagem na população paulistana adulta. Sem contar que o kardecismo ocupa no público GLBT um segundo lugar bem mais próximo ao escore do primeiro colocado, o catolicismo, cujos adeptos declarados não passam de 36%. Maioria, é verdade, mas maioria simples, bem aquém de uma esperada maioria absoluta. A retração do catolicismo, no entanto, não se deve nesse meio específico -e isto lhe é característico- a uma escalada dos pentecostais, cujo crescimento constante, consistente, conseqüente, representa o dado real mais importante no panorama religioso brasileiro dos últimos 25 anos. Pelo contrário. O pentecostalismo sai mal nessa foto. Mal sai. Recusa De resto, a instalação do kardecismo em segundo lugar está na verdade narrando essa outra história, a da baixa aceitação do pentecostalismo no seio da população GLBT. Na parada, só 4% dos participantes se confessam pentecostais. Curioso é sua presença insinuar-se algo menos rala entre os mais jovens: oscila para 5% na faixa etária de 16 a 25 anos. Nada mais. Em meio a um Brasil crescentemente evangélico, a rejeição do pentecostalismo é decisiva, aqui, na definição de um perfil religioso culturalmente diferenciado. Outro achado de efeito particularizador do perfil é a grande presença nele de ateus e sem religião, cuja soma representa quase um quarto dos participantes da parada (23%), extrapolando em muito as marcas observadas para as populações paulistana (8%) e brasileira (7,3%). Nesse caso vale a pena observar como vai se comportar a faixa etária mais jovem, pois é aí que se concentram as taxas mais altas de ateísmo declarado (8%) e desfiliação religiosa (20%). Importa por fim considerar a distribuição das filiações e desfiliações religiosas através das diferentes orientações sexuais. Temos aí uma descoberta relevante dessa pesquisa: a enunciação da diferenciação entre gays, lésbicas e bissexuais rebate na autodefinição religiosa. Em alguns casos, tal influxo salta aos olhos do leitor de tabelas mais amador. Por exemplo: os menos religiosos na parada são os bissexuais. Com 8% deles dizendo-se ateus e 19% sem religião, temos 27% dos indivíduos que se declaram bissexuais declarando-se, também, desvinculados de religião. Proporção que entre os gays é de 23% e cai para 20 entre as lésbicas. Mais um dado importante, congruente com o anterior: além de haver menos religiosos entre os bissexuais, os bissexuais religiosos são menos católicos (26%) do que as lésbicas (39%) e os gays (38%). E são também menos cristãos, visto que entre eles a resposta "outra religião" atinge 15%, mais que o dobro da proporção de gays e lésbicas (7%) que confessam fazer parte dessa categoria incomum de brasileiros, os "não-cristãos". Categoria que a duras penas, nadando contra a corrente, precisa crescer no Brasil, enriquecendo assim nossa acanhada diversidade religiosa. Antônio Flávio Pierucci é sociólogo e professor da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP. É autor de "A Magia" (Publifolha) e "O Desencantamento do Mundo" (34), entre outros livros. Texto Anterior: O preconceito espelhado Próximo Texto: Só os viris e discretos serão amados? Índice |
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