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Pesquisador estuda a obsessão dos órgãos de°
segurança dos EUA
pelos intelectuais vindos°
da Alemanha nos anos 30
Na mira do FBI
Sérgio Dávila
de Nova York
Que centenas de escritores, cineastas, artistas e profissionais liberais, judeus ou não,
deixaram a Alemanha nazista nos anos 30
não é novidade. Muitos deles se espalharam pela Europa e, mais tarde, pelo mundo. Para os Estados Unidos vieram, entre outros, o Prêmio Nobel de
Literatura Thomas Mann, seu irmão Heinrich, seus filhos, Klaus e Erika, o dramaturgo Bertolt Brecht, os escritores Erich Maria Remarque e Lion Feuchtwanger.
Ao pisarem em solo norte-americano, os intelectuais
alemães passaram a ser sistematicamente investigados
pelo FBI, a polícia federal, e outros órgãos de inteligência do governo do país. O que não se sabia até agora era
a abrangência da investigação, que desceu a detalhes
sórdidos, como preferências sexuais, suspeitas de incesto e hábitos "exóticos".
Nos relatos sobre Thomas Mann (1875-1955), a atenção sobre a existência do autor de "A Montanha Mágica" é chamada ao FBI pelo notório colaborador Walt
Disney, o desenhista criador de Mickey Mouse. A partir
de então, sua família vira obsessão do órgão. O filho é
acusado de "pervertido"; a filha, de incestuosa e "masculinizada"; ele próprio sai dos arquivos com a imagem
de colaboracionista do governo.
Tudo isso está em "Communazis - FBI Surveillance of
German Emigré Writers" (Communazis - A Vigilância
do FBI sobre Escritores Alemães Emigrados), que a Yale
University Press acaba de lançar nos EUA. O autor é o
alemão Alexander Stephan, que leciona sua língua na
Universidade de Ohio e é professor convidado das universidades Princeton, da Califórnia e da Flórida.
Os documentos que comprovam as investigações estão à disposição do público desde os anos 70, mas Stephan foi o primeiro a requisitá-los e fazer uma pesquisa
sistemática com os papéis. O resultado é quase um romance policial, que se lê curioso em saber o próximo
passo, embora o final já seja conhecido por todos.
O termo que batiza o livro vem do modo como agentes do FBI se referiam aos escritores investigados, numa
junção curiosa: primeiro eram os "comunistas" que fugiram do nazismo. Com o tempo, acabaram virando os
"communazis". O preferido era mesmo Thomas Mann
e sua família, que têm mil páginas de arquivo.
Seu filho Klaus Mann, autor de "Mefisto", é descrito
num relatório como "reconhecido perverso sexual". O
escritor morava num hotel em Nova York. Um dos investigadores do FBI diz que ele recebia regularmente
um soldado para passar a noite, "embora o quarto só tenha uma cama". Em outro trecho, especula que ele tenha tido relações sexuais com sua irmã, Erika.
Já ao dramaturgo Bertolt Brecht (1898-1956) foram
dedicadas 400 páginas. O autor de "O Casamento do
Pequeno Burguês" não era feliz no exílio. Simpatizante
do comunismo, embora não ligado oficialmente ao partido, Brecht escreveu o poema "Reflexões sobre o Inferno", sobre sua estada em Los Angeles. Deixou o país em
1947, logo após se apresentar ao Comitê de Atividades
Anti-Americanas. Sobre ele, o informante "T1" chegou
a gravar as conversas que mantinha durante o sexo
num hotel em Santa Mônica (Califórnia) com a amante,
Ruth Berlau (Brecht era casado à época), assim como
várias cartas que os dois trocaram.
Agora, Alexander Stephan prepara seu próximo livro,
que deve contar o que aconteceu antes do grupo de alemães ir para os EUA, quando eram investigados pela inteligência nazista. Segundo o acadêmico, são mais de 10
mil páginas ainda intocadas.
Como o sr. soube que o FBI mantinha esses arquivos?
Os arquivos não são secretos. Podem ser obtidos por
meio das chamadas "leis de liberdade de informação
e privacidade", duas leis americanas, uma dos anos
50 e outra dos anos 70, que permitem que qualquer
pessoa tenha acesso aos arquivos do órgão. É preciso
provar que a pessoa sobre quem se quer pesquisar
está morta ou então pedir permissão para algum familiar dela.
Mas o FBI colocou algum empecilho?
Não, foi tudo muito fácil, na verdade. O ineditismo é
que ninguém tinha se interessado por um assunto
que estava ali, à disposição. Não é preciso nem sequer ser cidadão americano. O problema é a burocracia. O FBI demora muito para liberar os arquivos.
Eles recebem tantos pedidos que estão em geral dois
ou três anos atrasados no processo.
O outro problema é que eles podem tampar com
tinta parte dos arquivos, dependendo de cada caso.
Em geral eles fazem isso com os nomes dos informantes ou os nomes das pessoas do FBI que estavam
envolvidos na pesquisa. Às vezes, escondem o método como o arquivo foi obtido, quando é alguma coisa ilegal ou não muito sofisticada, como microfones
nas casas, grampos nos telefones ou cartas abertas
antes do destinatário...
O que mais o surpreendeu na investigação?
Cada caso é muito diferente, de longe eles se parecem muito, mas, quando se chega perto, vê-se que
eles são diversos. Mas o que mais me surpreendeu
foi o tanto de dinheiro e esforço que foi colocado
nessas investigações e a obsessão pelo sexo. Em plena Guerra Fria, é de pensar que o FBI teria algo melhor para fazer, pois esses escritores não eram tão
importantes nos EUA. À exceção de Thomas Mann,
eles não eram nem sequer muito conhecidos por
aqui e estiveram no país apenas por seis ou sete anos.
O senhor chegou a falar com os familiares deles?
Falei com alguns familiares, mas não foi muito produtivo. A maioria deles não tinha a menor idéia do
que os investigados faziam ou pensavam, muito menos que eles estavam sendo investigados. Mas conversei com três agentes do FBI que tinham muito envolvimento com as investigações e eles, sim, foram
de grande ajuda.
Há casos de escritores investigados pelo FBI em outros
países?
Sei que aconteceu na Alemanha Ocidental com escritores suíços e é claro que aconteceu na Alemanha
Oriental com os escritores russos. Para falar a verdade, acho que aconteceram não só com o FBI e os
EUA, mas em todos os lugares do mundo. Eu ficaria
muito surpreso se não acontecesse no seu país, por
exemplo.
O sr. sabe de algum caso brasileiro?
Sei que alguns escritores alemães se exilaram no Brasil. E sei que o FBI, entre 1945 e 1947, fez uma grande
investigação na América Latina. Foi antes da criação
da CIA e antes ainda da criação do Escritório de Serviços Estratégicos, que depois virou a CIA, em 1947,
quando J. Edgar Hoover achou que não tinha conhecimento suficiente nem meios de obter informações
suficientes pelo mundo.
A Inteligência Militar, que até então fazia o serviço
que depois virou da CIA, não gostou nada disso. Finalmente, Hoover mandou agentes do FBI para todas as grandes cidades da América do Sul. Eles ficavam em geral associados às embaixadas e trabalhavam como diplomatas, para fazer investigações.
De onde vem o seu interesse pelo tema?
Estudei durante muitos anos os escritores e intelectuais alemães exilados, que foram obrigados a deixar
a Alemanha quando os nazistas tomaram o poder
em 1933. Então, eles foram para várias partes do
mundo. E, em 1940, quando os nazistas já estavam
espalhados por quase toda a Europa, eles foram
obrigados a deixar o continente e vir para os EUA.
Como sou alemão e trabalho aqui, o assunto tem importância natural na minha vida.
Do que tratará o seu próximo livro?
Será a parte inicial desse livro, de certo modo. As
mesmas pessoas sobre quem escrevi foram expulsas
da Alemanha em 1933 pelos nazistas e logo depois o
governo tirou suas cidadanias. E os nazistas também
fizeram uma grande investigação sobre eles e sobre
as atividades consideradas antigermânicas. É um
material enorme, mais de 10 mil páginas, sobre os
mesmos nomes, mas entre 1933 e 1941. E dá para escrever ainda um terceiro volume, sobre esses escritores voltando para a Alemanha após a guerra.
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